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Entenda porque o 9 de Julho pode ser obstáculo para feriado do Dia da Consciência Negra em SP

Regra que permitiu criar feriado é usada contra formalização do 20 de novembro

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
9 de julho se tornou feriado por brecha criada em lei federal - Reprodução

Uma lei de 1995 prevê que estados e municípios possam criar seus próprios feriados, mas não é tão simples assim. Como a competência para legislar sobre as implicações trabalhistas de paralisações remuneradas é federal, há quem defenda que os estados têm direito de criar apenas um feriado. 

Na lei aprovada durante governo de Fernando Henrique Cardoso, há previsão de que se tornem feriados locais "a data magna do Estado fixada em lei estadual".  São Paulo instituiu seu feriado estadual, o 9 de julho, em 1997. A data marca a eclosão da chamada Revolução Constitucionalista de 1932, quando São Paulo se insurgiu contra o governo provisório de Getúlio Vargas.

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A lei federal de 95 é alvo de diversas polêmicas judiciais por ser uma espécie de exceção, ao conceder a estados e municípios a possibilidade de criação de datas em que há dispensa do trabalho no setor público e privado. A redação da lei é utilizada muitas vezes para que se defenda que os estados têm direito de criar apenas um feriado - a chamada "data magna".

Isso cria diversas dificuldades para que o Dia da Consciência Negra seja reconhecido em âmbito estadual. Pelo menos dois estados, Maranhão e Mato Grosso do Sul, tiveram leis que instituíam a data derrubadas por seus Tribunais de Justiça sob essa alegação. Nos dois casos, entidades que representam o setor patronal foram ao judiciário. 

Um dos poucos estados a conseguir legitimar o 20 de Novembro, o Rio de Janeiro levou a questão até o Supremo Tribunal Federal - que decidiu favoravelmente pelo feriado por questões formais: a Confederação Nacional do Comércio, que questiona o feriado fluminense, não poderia ter promovido a ação. Em 2009, durante o processo, até mesmo a Procuradoria-Geral da República (PGR) chegou a alegar a inconstitucionalidade da lei. 

Hoje, além do Rio de Janeiro, a data é feriado em outros quatro estados apenas: Amapá, Mato Grosso, Amazonas e Alagoas. No entanto, cerca de 100 cidades aprovaram feriados municipais para marcar o Dia da Consciência Negra. 

A capital paulista é uma delas, que teve sua validade confirmada pelo Supremo Tribunal Federal no ano passado. 

O movimento de 9 de julho de 1932

A Revolução Constitucionalista de 1932 eclodiu no dia 9 de julho e aconteceu apenas no estado de São Paulo. "Por conta do café, São Paulo era um estado central economicamente para a União, dava divisas. Se o PRP, o Partido Republicano Paulista, participou do golpe da República, em 1889, no golpe de 1930 (veja como o Brasil é cheio de golpes), ele ficou de fora. Quem entrou foi o Partido Democrático de São Paulo e Getulio Vargas vai se aproveitar dessa divisão para criar um conflito interno no estado", explica a professora do Departamento de Antropologia da USP Lilia Moritz Schwarcz, neste vídeo.

Ela aponta que Vargas, depois de derrubar Washington Luís, "passou a governar de forma discricionária, indicando ele mesmo os intendentes, para assumirem os postos maiores de chefia nos estados". Em São Paulo, isso causou muita instabilidade, situação que se agravou em fevereiro de 1932, quando os dois partidos paulistas se uniram para se contrapor às nomeações de intendentes feitas pelo governo central. O clima contagiou boa parte da população, resultando em uma revolta de fato nas ruas paulistas no dia 9 de julho. 

Indústrias locais e parte da sociedade civil se uniram na luta, constituindo um verdadeiro esforço de guerra no estado. Contudo, os paulistas contavam com a adesão de estados-chave, como Minas Gerais e Rio Grande do Sul, que desistiram do movimento. Assim, os rebeldes foram rendidos em 1º de outubro de 1932. 

Mesmo derrotados militarmente, a elite paulista conseguiu êxito política e economicamente. Além da compra e retenção do  café, aponta o CPDOC da Fundação Getulio Vargas, o governo federal atendeu a oligarquia paulista em outros pontos, como a prorrogação por três meses (19 de julho a 19 de outubro) dos títulos e obrigações em moeda nacional, a sustentação dos bônus de guerra como moeda de curso legal e o prolongamento e cancelamento das dívidas dos cafeicultores.

"Do ponto de vista político, o que se descortinava após o término da revolução era um enorme fortalecimento do projeto político liberal constitucionalizante, que passava a empolgar praticamente todas as forças sociais em jogo na cena política. Aumentaram tremendamente as pressões em prol da constitucionalização, criaram-se novos partidos e, em 26 de outubro de 1932, o Governo Provisório reativou a comissão encarregada de elaborar o anteprojeto da Constituição, confirmando a data de 3 de maio de 1933 para a realização das eleições", diz o texto da FGV.

Edição: Leandro Melito