A defesa de Jair Bolsonaro (PL) deve recorrer da condenação declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no Supremo Tribunal Federal (STF), repetindo os argumentos apresentados à Justiça Eleitoral e que foram acolhidos parcialmente pelos ministros Raul Araújo e Kassio Nunes Marques durante o julgamento.
Um desses argumentos é que a inclusão da minuta de um decreto golpista no processo gerou uma ampliação do conjunto probatório indevida da ação apresentada pelo PDT contra Jair Bolsonaro. O documento encontrado na residência de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, autorizaria Bolsonaro a declarar estado de defesa nas sedes do TSE para reverter o resultado da eleição presidencial do ano passado.
O PDT acusou Bolsonaro de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação por utilizar o aparato público para favorecer a si mesmo no processo eleitoral do ano passado. O que motivou a ação foi a reunião de Bolsonaro com embaixadores de países estrangeiros no Palácio da Alvorada, no dia 18 de julho do ano passado, bem como sua ampla divulgação, pela TV Brasil e suas redes sociais.
A defesa de Bolsonaro afirmou que o documento não foi encontrado com o ex-presidente e que não há indícios que apontem para a sua participação na elaboração. O argumento foi aceito pelo ministro Raul Araújo, que tratou a minuta como um “documento apócrifo que não pode ser juridicamente considerado como documento”. O magistrado classificou o material como um "estranho achado" e disse que "inexiste qualquer elemento informativo capaz de sustentar para além de ilações a existência de relações entre a reunião e a minuta de decreto".
Os advogados do ex-presidente também citaram a decisão do TSE de 2017 que negou a inclusão de documentos no julgamento da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer. Na ocasião, ambos foram julgados por um suposto abuso de poder econômico e de poder político. A chapa do então candidato Aécio Neves (PSDB) utilizou um encontro que ocorreu no Sindicato dos Trabalhadores dos Correios em Belo Horizonte, no qual um representante do PT de Minas Gerais convocou os funcionários dos Correios a apoiarem a campanha da chapa Dilma-Temer.
“Era evidente que a acusação era frágil e não prosperaria. Por isso, rechearam a ação já em andamento com várias denúncias sobre supostos desvios que já estavam em apuração no contexto da Operação Lava Jato. Queriam que o TSE apreciasse delações de investigados em Curitiba para reforçar a pecha do abuso de poder econômico. Uma manobra escabrosa, também não vitoriosa”, escreveu Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, sobre o caso em artigo publicado na Folha de S. Paulo.
Mais tarde, a chapa Dilma-Temer foi absolvida. "A admissibilidade não confronta, não revoga e não contraria a nossa jurisprudência firmada nas eleições de 2014", afirmou Benedito Gonçalves, relator do caso de Bolsonaro no TSE.
Os ministros que votaram a favor da inelegibilidade reforçaram que apenas a reunião com embaixadores foi o suficiente para a condenação. Floriano de Azevedo Marques, por exemplo, afirmou que a minuta golpista, as lives, os depoimentos sobre o contexto das transmissões e as entrevistas à imprensa são "marginais para a análise dos fatos". Se o caso for para o STF, o entendimento deve se repetir.
Julgamento no TSE aponta para próximas derrotas
Os votos feitos pelos ministros a favor da inelegibilidade apontam para o entendimento de que existe uma ligação direta entre as declarações contrárias às urnas feitas por Bolsonaro antes das eleições e os ataques ocorridos no período pós-eleitoral. Ao sustentar a inclusão da minuta golpista, Benedito Gonçalves afirmou que a perspectiva de que o golpe proposto no documento seria a concretização das declarações feitas pelo ex-presidente e seus apoiadores ao longo de todo o seu mandato.
Gonçalves afirmou que "é evidente que a minuta materializou em texto formalmente técnico uma saída para o caso de surgirem indícios de fraude eleitoral em 2022. Isso em contexto no qual a hipótese de fraude era tratada como equivalente à derrota do candidato à reeleição presidencial". Para o magistrado, a inclusão do documento “densifica os argumentos que evidenciam a ocorrência de abuso de poder político tendente a promover descrédito a esta Justiça Eleitoral e ao processo eleitoral”.
Alexandre de Moraes, presidente do TSE, por sua vez, citou as milícias digitais ao declarar o seu voto a favor da inelegibilidade, indicando a relação entre o ex-presidente e o inquérito das milícias digitais, no qual é relator no STF. "Desinformação produzida e divulgada por verdadeiros milicianos digitais em todo o mundo. Se esse viés autoritário e extremismo é o que queremos para a nossa democracia, vamos reafirmar a fé na nossa democracia e no Estado de Direito", afirmou. "Não vamos admitir que milícias digitais tentem novamente desestabilizar as eleições e as instituições democráticas."
Análise no TCU e ressarcimento a pedido do MP
Após a condenação, o TSE enviou a decisão ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Procuradoria-geral da República (PGR) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que sejam analisados os prejuízos aos cofres públicos causados pela reunião e suas consequências no âmbito criminal. De acordo com a nota fiscal referente ao planejamento logístico, envolvendo sonorização, cenografia, gerador, painel de LED, coordenador de eventos e operador de equipamento audiovisual, indica um gasto de pelo menos R$ 12,2 mil.
Antes mesmo da análise entre os ministros do TCU, no entanto, o subprocurador-geral do Ministério Público junto ao tribunal, Lucas Rocha Furtado, protocolou uma representação solicitando o ressarcimento dos cofres públicos a Jair Bolsonaro.
“Entende-se que o dano ao erário pode englobar também os custos com o uso da estrutura do Palácio do Planalto e eventuais gastos com a organização do evento. Considerando o abuso de poder político e o uso indevido de meios de comunicação já decididos pelo TSE no que se refere à reunião do ex-Presidente da República com embaixadores, deve ser realizada apuração sobre todos os custos que envolveram o mencionado evento”, escreveu Furtado no documento protocolado nesta segunda-feira (3).
Uma decisão do TCU que aponte para irregularidade das contas do ex-presidente pode implicar no eventual aumento do período da inelegibilidade. Isso porque, se condenado pelo TCU, Bolsonaro será enquadrado na Lei da Ficha Limpa. Em seguida, a Justiça Eleitoral deve analisar a decisão quando não houver mais recursos pendentes no tribunal. A depender do momento em que for concluído o processo, pode ser que a inelegibilidade do ex-presidente ultrapasse o período de 2030 estipulado pela decisão inicial do TSE.
Na mão contrária, deputados bolsonaristas tentam anistia
Após a decisão do TSE, um grupo de deputados bolsonaristas protocolaram um projeto de lei para anistiar o ex-presidente Jair Bolsonaro e todos os condenados por ilícitos civis eleitorais desde 2016 até a data de entrada em vigor da legislação, conforme anunciou a deputada Bia Kicis (PL-DF), em seu perfil no Twitter.
O projeto, de autoria do deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS) e outros 50 deputados, prevê a anulação da inelegibilidade para condenados por “ilícitos cíveis eleitorais ou declarados inelegíveis” a partir de 2 de outubro de 2016. “Não é novidade que, há muito, a sociedade civil organizada reclama por ética, moralidade e probidade na gestão da coisa pública. Para o cidadão, hoje é certo que a probidade é condição inarredável para a investidura em um mandato eletivo”, afirmam os congressistas no documento.
Por outro lado, bolsonaristas conformados com a decisão do TSE já falam em uma chapa com Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, e Michelle Bolsonaro, hoje presidente do PL Mulher, para a eleição presidencial de 2026. O próprio Bolsonaro, por sua vez, evita até o momento declarar apoio a um nome para as próximas eleições.
“Eu estou na UTI, eu não morri ainda”, disse o ex-presidente, nesta segunda-feira (3) em entrevista à Jovem Pan ao ser questionado sobre quem seria seu sucessor. “Não é justo alguém já querer dividir o meu espólio.”
Edição: Rodrigo Durão Coelho