Hunter Biden, o filho de Joe Biden, vai se declarar culpado em uma investigação de fraude fiscal e porte ilegal de arma nos Estados Unidos. A confissão faz parte de um acordo com os procuradores e evita que ele corra o risco de ser condenado à prisão.
Hunter, de 53 anos, foi acusado de sonegar impostos de renda em 2017 e 2018. Além disso, ele teria mentido em uma aplicação de licença para porte de arma, afirmando não usar drogas ilícitas. É publicamente sabido que ele fazia uso abusivo de drogas, algo que o próprio pai chegou a falar sobre em debates de 2020 ao ser questionado por Donald Trump.
A confissão é um prato cheio para os republicanos, e a história está longe de parar por aí. Apesar da fraude fiscal ser considerada uma infração, a mentira para obter porte de arma é um crime. Hunter, o único filho vivo de três irmãos do primeiro casamento de Biden, é o Calcanhar de Aquiles do presidente.
Chad Kinsella, cientista político da Ball State University, explica que “os republicanos têm tentado conectar o filho de Biden, e algumas coisas que ele teria feito, e que agora ele confessou, com o presidente Biden”. Ainda segundo Kinsella, “é meio que a ideia de que se há fumaça, há fogo”.
Prato cheio para os republicanos
Donald Trump, que vem sendo acusado de diversos crimes diferentes, afirma que o acordo de Hunter com a procuradoria mostra que há dois sistemas de justiça no país. Um, de pulso firme, que lida com ele. Outro, mais suave, que cuida do filho do presidente.
Esse discurso ajuda na narrativa criada pelo ex-presidente e seus aliados em relação aos crimes pelos quais ele está sendo investigado. Trump foi indiciado por adulteração de documentos legais para esconder pagamentos de suborno a uma atriz pornô e por guardar de forma irregular documentos secretos após o fim do governo. Segundo ele, todas essas acusações são “politicamente motivadas”.
No entanto, o procurador a cargo do caso envolvendo o filho de Biden foi nomeado pelo próprio Trump. A investigação contra Hunter começou ainda no governo do republicano e Biden não mudou ninguém na ponta ao chegar à Casa Branca. Ainda assim, alguns analistas acreditam que Biden se beneficiou da forma e da velocidade na qual o caso correu.
Esse é o caso de Eric Chaffee, professor de direito da Case Western University: “Não é incomum, quando o governo inicia uma investigação, que um acordo seja alcançado. Se há algo curioso sobre esse caso é o momento. Resolver isso agora é muito bom para a campanha do Biden, antes que ele entre de cabeça na campanha de 2024”.
O buraco é mais embaixo
As acusações de fraude fiscal e porte ilegal de arma, porém, não são as primeiras e nem as mais graves contra o filho de Biden. Com uma maioria, mesmo que apertada, na Câmara, os republicanos querem agora ir à fundo em outro caso envolvendo Hunter e que pode ser bem mais prejudicial aos democratas.
Na reta final da eleição de 2020, a campanha de Trump teve acesso a um laptop que supostamente pertencia a Hunter. O próprio filho de Biden teria deixado o computador em uma loja de reparos e o esquecido lá. Para a má sorte dele, o dono da loja era um eleitor de Donald Trump, que, por lei, tomou posse do laptop após 90 dias.
No computador, além de fotos comprometedoras e filmes pornográficos caseiros que foram vazados na reta final da eleição, havia registros de trocas de e-mails que poderiam indicar o uso indevido da influência do pai, então vice-presidente, em negócios privados do filho na Ucrânia.
Na época dos e-mails, Joe Biden liderava os esforços de aproximação da Casa Branca com o novo governo ucraniano. Hunter, por sua vez, passou a integrar a diretoria de uma empresa de energia, Burisma, acusada de corrupção. De acordo com as mensagens, Hunter teria intermediado uma reunião entre diretores da empresa e o pai, em Washington.
O caso foi tido como fake news e possível interferência russa, tanto pela campanha democrata quanto pela maior parte da mídia. Plataformas de redes sociais chegaram até a bloquear o link da matéria do New York Post sobre o assunto. Hoje, porém, os republicanos querem investigar mais a fundo a história.
“Eu acho que se tiver alguma coisa aí, a gente vai saber”, diz Chaffee, “quando você segue a linha de fazer um acordo com Hunter Biden, quando parece politicamente oportunista, você tem que garantir que tudo o que pareça ilegal seja investigado”. Para o professor de direito, isso é algo que os investigadores devem ter em mente para proteger suas próprias carreiras.
Um país dividido e luta para convencer eleitores chave
Em um cenário de polarização extrema, porém, o país está divido em relação às acusações. Uma pesquisa da Reuters mostrou que metade dos estadunidenses acreditam que Hunter teve um tratamento privilegiado, enquanto a outra metade discorda.
No sistema eleitoral estadunidense, porém, convencer um grupo pequeno de eleitores em uma localidade chave pode ser a diferença entre vencer ou perder uma eleição. Pouco importava o que o país como um todo pensa, mas sim se a história tem capacidade de mudar a opinião de poucos eleitores do interior da Pennsylvania ou nos subúrbios do Arizona.
O cientista política Chad Kinsella explica: “Existem algumas pessoas que são suscetíveis e que vão olhar pra isso e fazer julgamentos. E tem gente que pode mudar de lado. Não precisa de muito, mas em alguns desses estados muito disputados, que são críticos em todas as eleições presidenciais, uma virada de 0,5% poderia mudar toda a eleição presidencial”.
O episódio, além de ser uma oportunidade para os republicanos tentarem virar o jogo, também representa mais um exemplo de mudança de paradigma na política estadunidense. A justiça passa a ser, cada dia mais, parte do tabuleiro político. “O sistema político dos Estados Unidos, tradicionalmente, teve uma certa civilidade que não tem mais”, afirma Eric Chaffee, “a gente vive em tempos muito diferentes”.
Edição: Thales Schmidt