Na última terça-feira (13), Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos, se entregou à justiça em Miami. Ele enfrenta 37 acusações por ter, supostamente, cometido sete crimes federais relacionados a documentos confidenciais que levou, após o fim do mandato e de forma irregular, para sua residência em Mar-a-Lago. Mas, e agora, quais são as possíveis consequências para ele?
Benjamin Toll, cientista político da Wilkes University, explica que esse é um caso mais sério que aquele que levou ao primeiro indiciamento de Trump em Nova York, no início de abril. “Existem ramificações mais sérias para as coisas às quais Trump está sendo acusado de ter feito neste caso. As penas são, certamente, maiores caso ele seja condenado do que em comparação ao último indiciamento relacionado com Stormy Daniels”, afirmou o cientista político.
Instantes antes de chegar à corte federal de Miami, Trump postou no seu perfil da Truth Social - rede social que ele mesmo criou após ser banido do Twitter - que o processo não passa de uma caça às bruxas. Segundo o ex-presidente, ele está sendo perseguido pelo governo federal, por medo dos democratas de que ele volte à Casa Branca na eleição do ano que vem. As pesquisas, no entanto, mostram uma vantagem ainda maior de Biden sobre o republicano, em comparação a 2020.
Ainda assim, os manifestantes pró-Trump, do lado de fora da corte, repetiam o discurso da politização do processo. Ao Brasil de Fato, um manifestante de Fort Lauderdale, na região metropolitana de Miami, afirmou que “este caso é uma cortina de fumaça para esconder toda a corrupção do governo Biden”.
Para Benjamin Toll, isso é um sintoma de que, para os apoiadores de Trump, o indiciamento não terá um grande impacto político. “A maioria das pessoas que apoiam Trump não lerão o indiciamento. Elas não vão gastar o tempo lendo sobre as coisas das quais ele está sendo acusado. E eles estão ouvindo uma outra versão dos fatos, eles recebem outras informações sobre o que é esse caso”, afirma Toll. O cientista político conclui, dizendo que “politicamente, eu não acho que Trump será prejudicado com isso”.
Uma pesquisa da Reuters com o instituto Ipsos revelou que 62% dos estadunidenses acreditam nas acusações de que Trump teria ilegalmente guardado documentos confidenciais. A diferença entre democratas e republicanos, no entanto, é gritante. Entre os democratas, 95% acreditam nas acusações. Já entre os republicanos, apenas 35%. Alguns analistas acreditam que o jogo pode virar ao decorrer do processo, mas até agora o núcleo duro de apoio ao ex-presidente parece ser inabalável.
Ainda em frente à corte, e mesmo que em menor número, manifestantes anti-Trump estavam pouco esperançosos. Diferentemente do que se acreditava, o republicano não teve que tirar a foto de fichado e nem mesmo devolver o passaporte.
Uma manifestante, indignada, afirmava que “se fosse uma pessoa comum, com cento e tantos documentos confidenciais em casa, estaria presa”. Outro manifestante, Domenic Santana, desabafou: “Já tinham que ter prendido ele há muito tempo. Mas ele é graduado e mestre. Não precisa de advogados, sabe o jeitinho que vai dar. Já está falando que isso aqui é político, que os democratas vão perder e por isso querem atacá-lo. Ele já tem tudo friamente calculado.”
Juíza nomeada por Trump comandará o processo
Durante os quatro anos de mandato, Trump nomeou 226 juízes federais. Um número alto, considerando que ele serviu apenas um mandato. Barack Obama, que foi presidente por 8 anos, indicou apenas 94 a mais que Trump. Para as cortes de apelação, aquelas que têm a palavra final na maioria dos casos, Trump nomeou 54 juízes em 4 anos, contra 55 de Obama em 8. Atualmente, de acordo com uma pesquisa do Pew Research Center, 28% dos juízes federais em exercício foram nomeados por Trump.
No caso dos documentos, uma juíza nomeada por Donald Trump, Aileen Cannon, foi sorteada para comandar o caso. Ela foi indicada em 2020 e, desde então, trabalha na corte federal de Miami. O sorteio, como era de se esperar, levantou questões sobre a imparcialidade do julgamento. “Eu acho que, legalmente, a juíza provavelmente vai julgar com seu próprio viés em mente, até certo ponto, mas ela ainda precisa seguir a lei”, afirmou Benjamin.
O cientista político explica que esse é um julgamento sensível, e que o governo vai estar de olho em cada uma das decisões da juíza. Ela precisará seguir o processo legal à risca, pois o Departamento de Justiça deve apelar contra toda e qualquer decisão considerada por eles como irregular. “Se o governo acreditar que ela não está seguindo a lei, eles podem apelar sobre qualquer decisão dela. Eles vão estar assistindo de perto pra ter certeza que ela não está julgando com o seu viés”, conclui Toll.
Mudança de tom entre adversários internos
O indiciamento pode não abalar a sólida base de apoio de Trump, o núcleo duro do ex-presidente, mas certamente já mudou a forma com que adversários e alguns ex-aliados se comportam em relação a ele. Durante o indiciamento de Nova York, todos os demais candidatos às prévias ficaram ao lado de Trump, afirmando se tratar de uma acusação politicamente motivada. O resultado foi Trump crescer nas pesquisas. Mas agora, a tática parece ser outra.
Mike Pence, vice de Trump na sua administração e agora seu concorrente nas prévias do Partido Republicano, fez um discurso duro após a divulgação das acusações pelo Departamento de Justiça. Ele afirmou que “esse indiciamento contém acusações sérias” e que não poderia defender Trump. Pence chegou, ainda, a afirmar que os documentos “poderiam ter caído em mãos erradas, mesmo que sem intenção, colocando em risco a segurança nacional e os homens e mulheres das forças armadas”. Vale lembrar que temas como a segurança nacional e os veteranos são de grande importância para a base republicana.
Outros candidatos, como Nikki Haley e Tim Scott, também fizeram comentários mais duros a respeito do segundo indiciamento. Mas nenhum deles tão fortes como os de Chris Christie, ex-governador de Nova Jersey, que também disputa a vaga do partido. Em uma sabatina da CNN, Christie disse que as acusações eram “muito amarradas, muito detalhadas, um indiciamento com muitas evidências” e que revelava uma “conduta horrível [do ex-presidente]”.
Até mesmo ex-aliados que trabalharam no governo Trump começaram a pular do barco. Bill Barr, que serviu como Procurador Geral dos EUA durante os quatro anos do republicano, falou à FOX News que Trump dizer que o processo seria um caça às bruxas, é “ridículo”.
Anthony Scaramucci, ex-diretor de comunicação da Casa Branca durante o governo Trump, e que hoje apoia Chris Christie, disse em entrevista à News Nation que ele acredita que Trump vá desistir da candidatura, por “estar estressado em relação ao indiciamento”. O republicano, porém, nega e afirma que será eleito presidente no ano que vem. Pelo menos nas prévias republicanas, Trump segue sendo o favorito.
Quais as acusações contra Trump?
Ele enfrentará um total de 37 acusações relacionadas a sete diferentes crimes federais:
- 31 acusações por Retenção Intencional de Informações de Defesa Nacional - por ter mantido sem autorização documentos classificados que tratam da defesa nacional dos EUA. Cada acusação diz respeito a cada um dos documentos.
- Uma acusação por Conspiração Para Obstruir a Justiça - por atual em conluio com o assessor Waltine Nauta para obstruir a Justiça.
- Uma acusação por Retenção de Documento ou Registro - por ter enganado um advogado para fazê-lo acreditar que todos os documentos tinham sido devolvidos.
- Uma acusação por Ocultação de Documento ou Registro de Forma Corrupta - por ter escondido caixas com documentos do próprio advogado, com o intuito de impossibilitar que ele cumprisse as determinações de uma intimação ordenada por um grande júri federal.
- Uma acusação por Ocultação de Documento em uma Investigação Federal - pelo fato da ocultação ter como objetivo influenciar os rumos de uma investigação federal.
- Uma acusação por Esquema de Ocultamento - por esconder do grande júri a informação de que ainda possuía documentos classificados sob a sua posse.
- Uma acusação por Falsa Declaração e Representação - pelas declarações falsas dadas pelo advogado ao FBI, uma vez que o próprio Trump teria enganado o advogado em acreditar que todos os documentos teriam sido devolvidos.
Edição: Rodrigo Durão Coelho