O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega nesta terça-feira (20) a Roma, onde terá encontros com o prefeito Roberto Gualtieri, com o presidente da Itália, Sergio Mattarella, com o papa Francisco e até com o sociólogo Domenico de Masi, em cerca de 24 horas. A agenda cheia, no entanto, não prevê reunião com a pessoa que de fato governa o país, a primeira-ministra Georgia Meloni, uma vez que a Itália é parlamentarista.
Atualização: após a publicação desta reportagem, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil informou que Lula terá, sim, uma agenda com Meloni, na tarde de quarta-feira (21). Mais informações no rodapé do texto.
Inicialmente, o Itamaraty informou à imprensa que um encontro entre Lula e Meloni foi considerado, mas não foi marcado por problema de agenda. Meloni, de ultradireita, é considerada aliada do ex-presidente Jair Bolsonaro e não compareceu, nem sequer enviou representante, à posse de Lula, fazendo com que a Itália fosse o único país europeu ausente — um “erro estratégico e diplomático”, segundo disse ao Brasil de Fato o deputado italiano Fabio Porta, do Partido Democrático. Segundo ele, “as relações entre Itália e Brasil deveriam ser mais importantes que as eventuais diferenças entre os dois governos”.
Especialistas divergem sobre o significado do novo não encontro que deve acontecer em Roma.
“Ao meu ver, a radicalização da luta política nas eleições brasileiras e a tentativa de golpe dos bolsonaristas (8 de Janeiro) levaram Lula a não querer ter nenhuma relação com aqueles que apoiam Bolsonaro e o bolsonarismo”, afirma Fabio Gentile, professor de Ciências Políticas da Universidade Federal do Ceará e membro do Observatório sobre a Extrema Direita. Segundo ele, o Fratelli di Italia (Irmãos da Itália), legenda política de Meloni, é “um dos maiores partidos de extrema direita da Europa e também um dos maiores aliados do Bolsonaro”.
Na visão de Lula e de muitos estadistas do mundo, prossegue Gentile, o presidente Mattarella, com seu “rigor institucional impecável”, é quem de fato representa a Itália, uma vez que o governo de ultradireita do país “não passa uma boa imagem da Itália para o mundo”.
A extrema direita global costuma adotar uma estratégia mais ideológica de política externa, orientada, entre outras coisas, pelo anticomunismo, analisa Guilherme Casarões, professor de Ciência Política e Política Externa na Fundação Getúlio Vargas (FGV) e coordenador do Observatório da Extrema Direita. Essa é a explicação mais provável, segundo ele, para a distância entre os governos de Itália e Brasil neste momento.
::Extrema direita vence eleições na Itália com mais de 41% dos votos, segundo boca de urna::
Casarões acredita que a política externa de Lula, por sua vez, por mais “pragmática e universalista” que seja, tampouco parece ver benefícios numa aproximação pessoal entre os dois mandatários, para além dos contatos diplomáticos institucionais. Afinal, “a democracia brasileira ainda sofre os efeitos da polarização e da tentativa de golpe empreendida pelo bolsonarismo, e o governo Lula tem sido bastante assertivo no combate interno ao extremismo reacionário”.
Dito tudo isso sobre as divergências ideológicas, o professor da FGV acha que o fato de os líderes de Brasil e Itália não se encontrarem não tenha necessariamente muita importância. “A rigor, Matarella é o chefe de Estado e, portanto, responsável pela dimensão diplomática do país. Em visitas bilaterais oficiais a países parlamentaristas, é comum que o visitante se encontre tanto com o chefe de Estado quanto com o chefe de governo, mas não é uma regra rígida e não necessariamente significa um recado político. O Brasil reconhece a legitimidade de todas as autoridades italianas, independentemente de orientação ideológica”.
Enquanto Lula estiver chegando à Itália, Meloni estará partindo para Paris, onde terá um encontro com o presidente da França, Emmanuel Macron. Ela está em campanha para que Roma seja escolhida cidade-sede da Expo 2030. Fabio Gentile, que também é colunista do Giornale di Brescia, diz ter apurado junto a seus colegas na imprensa italiana que Meloni aproveitou esse compromisso em Paris para não se encontrar com Lula sem causar nenhum mal-estar diplomático. Mas só nesta quarta-feira, quando Lula cumprir sua agenda em Roma, será possível saber se ele e Meloni não vão mesmo se encontrar.
Relação bilateral e global
Sobre a relação bilateral, Guilherme Casarões lembra que a Itália é um dos países que mais investem no Brasil, em setores como infraestrutura, telecomunicações, automóveis e agronegócio. “Além disso, por ser um membro relevante da União Europeia, tem papel central nas negociações birregionais, como o acordo entre União Europeia e Mercosul”. Do ponto de vista político, diz ele, há uma importante relação comunitária, dado o grande número de descendentes de italianos no Brasil e até mesmo de cidadãos italo-brasileiros. “Isso torna as dimensões consular, cultural e turística temas prioritários entre os dois países”.
O deputado Fabio Porta acrescenta outros temas em comum, como o fato de Brasil e Itália fazerem parte do G20 e terem interesse em contribuir para o fim da guerra na Ucrânia, “que hoje é uma prioridade”. Mas o professor Fabio Gentile vê essa viagem de Lula “mais voltada para questões do novo papel do Brasil na geopolítica mundial e para os acordos comerciais com a Europa, mais do que a relação bilateral, uma vez que Lula tenta “colocar o Brasil de volta entre os países mais importantes do mundo”.
* Após inicialmente negar a previsão de uma agenda entre o presidente brasileiro e a primeira-ministra da Itália por supostos problemas de agenda, o Itamaraty informou às 12h49m desta terça-feira (20) a previsão de uma agenda entre Lula e Meloni na quarta-feira (21). De acordo com a diplomacia brasileira, a reunião com a premiê italiana "comporá agenda de compromissos confirmados com o Presidente Sergio Mattarella e o Prefeito de Roma, Roberto Gualtieri, além da audiência com o Papa Francisco, no Vaticano".
Edição: Patrícia de Matos
