O Acampamento Rosimeire Conceição, onde vivem 200 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Jaguaquara (BA), passou por momentos de tensão quando, no fim de abril, uma carreata de fazendeiros cercou a área em uma tentativa frustrada de despejo. Praticamente um mês depois, a sensação, dizem moradores, é de "euforia".
Representantes do Incra e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) estiveram no acampamento no último 16 de maio e afirmaram aos moradores que a regularização da chamada Fazenda Jerusalém como assentamento da reforma agrária está avançando.
Do Incra, estiveram presentes a diretora da Câmara de Conciliação Agrária, Maíra Coraci, e o chefe da Unidade Avançada do Sul e Extremo Sul da Bahia, Marcos Nery. Do Ministério, o coordenador-geral do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários, Daniel Lerner.
Ao Brasil de Fato, o Incra confirma que a "desapropriação da fazenda" está em "andamento". A autarquia informa que "trabalha para assegurar a destinação do imóvel para reforma agrária enquanto aguarda o desdobramento da ação judicial". A ação referida foi ajuizada pelo fazendeiro que se reivindica proprietário da área, Reinaldo Polycarpo Hüghes da Silva, questionando o laudo do Incra que aponta que o terreno era improdutivo.
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Apesar da atual etapa jurídica pendente no Tribunal Regional Federal (TRF-1), um decreto presidencial foi assinado já há quase uma década, em dezembro de 2004, declarando este imóvel rural como "de interesse social para fins de reforma agrária". Em 2005, o documento foi respaldado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em 2010, o Incra determinou a desapropriação da fazenda e, em 2020, a fazenda passou a figurar na lista de imóveis nos quais o valor de indenização ao proprietário já foi depositado e está sob tutela da Justiça.
Ao longo deste período, o terreno foi ocupado pelo MST três vezes. A mais recente foi no último 24 de abril. "A fazenda estava abandonada, improdutiva, sem nenhum morador, as casas caindo", diz Neto Onirê Sankara, da coordenação da Brigada Vale do Jequiriçá, do MST. "Mas agora temos já quase seis hectares de terra arada para começar a produção, fizemos a primeira divisão de área para o pessoal iniciar os plantios, já pensando em aproveitar agora o inverno", conta. Os acampados pretendem cultivar abóbora, aipim, maxixe e melancia.
Cerco de fazendeiros
Segundo Sankara, as famílias aproveitaram a presença dos integrantes do Incra e do governo federal para fazer denúncias de ameaças sofridas por parte de fazendeiros. No último 24 de abril, centenas de donos de terras com seus funcionários cercaram a área, junto com a Polícia Militar (PM), com o intuito de expulsar os acampados.
"A gente visualizou as pessoas que estavam lá no posto de gasolina onde eles se reuniram, vimos fuzis e pistolas", alerta um morador do Acampamento Rosimeire Conceição ouvido pela reportagem. A tensão durou horas e, após conversas com a PM e a Polícia Rodoviária Federal, a carreata de caminhonetes se retirou.
Entre os proprietários de terra que organizaram a ação, está Alberto Trípode, presidente da Associação dos Fazendeiros da Bahia (AFB). Esta foi uma tentativa frustrada de repetir outra intervenção de fazendeiros que atacou uma ocupação do MST em Jacobina (BA) em março.
Ações como essas vêm sendo feitas por uma articulação de ruralistas em 130 municípios baianos que, sob o mote "Invasão Zero", busca impedir, com as próprias mãos, que movimentos populares ocupem áreas para reivindicar a reforma agrária. A principal figura pública deste grupo, que tem o apoio da Federação da Agricultura e Pecuária da Bahia (FEAB), é o fazendeiro e político de Ilhéus Luiz Uaquim (MDB).
"A gente sabe que é difícil, que infelizmente ainda há o risco de um ataque armado", afirma Onirê Sankara, "mas estamos esperançosos porque existe uma chance real de, muito em breve, emitir a posse da área".
Edição: Nicolau Soares