Negociação

Apib se retira de comissão de conciliação no STF sobre marco temporal

Articulação dos Povos Indígenas denunciou tentativa de 'conciliação forçada e compulsória’

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Comissão de Conciliação sobre o marco temporal no STF: "não iremos nos submeter à violência do Estado brasileiro", declarou a Apib - Joédson Alves/Agência Brasil

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) decidiu se retirar da comissão formada no Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir a Lei do Marco Temporal. A decisão foi anunciada nesta quarta-feira (28), durante a segunda audiência de conciliação, de um ciclo de quatro reuniões.  

No início da sessão, a representante da Apib, Eloisa Machado, apresentou as razões jurídicas e políticas sobre a continuidade da Apib na mesa de conciliação. Segundo ela, a tentativa de conciliação "forçada e compulsória" reduz o próprio papel do STF na defesa dos povos indígenas do Brasil, ao não determinar a inconstitucionalidade da lei aprovada pelo Congresso.

"Como dar seguimento a uma audiência de conciliação se os povos indígenas não aceitam a conciliação?", questionou. "Para os povos indígenas, a decisão do STF não é uma folha de papel, mas é a conquista de muita luta", destacou. 

A representante da Apib cobrou ainda uma decisão liminar do ministro Gilmar Mendes para suspender os efeitos da Lei 14.701/2023, que já produz efeitos perversos para os povos indígenas. "A gente está falando de uma lei que afeta todos os dias as vidas dos povos indígenas. Hoje estão acontecendo conflitos como resultado dessa lei", protestou.  

Maria Baré, outra representante da Apib, destacou o papel do STF na defesa dos direitos dos povos indígenas e na confiança depositada pelos indígenas à Corte, ao recorrer a esse tribunal contra o marco temporal e que resultou em decisão do Supremo contrária à tese em setembro de 2023. E afirmou que, na primeira audiência, foram colocadas propostas "violentas e opressivas", como a construção de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para dar caráter constitucional à lei.   

"Não iremos nos submeter à violência do Estado brasileiro com uma tentativa de conciliação forçada. Neste sentido, a Apib não encontra ambiente para seguir na mesa de conciliação", disse Baré, que, no final, convidou as representações indígenas para se retirar da audiência.  

Na abertura da audiência, o chefe de gabinete de Mendes e coordenador da audiência, Diego Viegas, acusou a Apib de querer esvaziar a comissão de conciliação, mas afirmou que as negociações não serão interrompidas pelo posicionamento da articulação.  

No início da sessão, Viegas já havia feito uma longa fala se antecipando a críticas das organizações indígenas e disse que para estar em uma mesa de conciliação deve-se estar aberto ao diálogo. O chefe de gabinete de Mendes considerou que as "lutas tradicionais não deram certo" e chegou a pedir desculpas aos indígenas pelas falhas de comunicação, afirmando que "qualquer decisão do STF não encerrará o conflito". Assim mesmo, fez um apelo às partes envolvidas no litígio a se "perdoarem", como forma de resolver a controvérsia. 

O advogado-geral da União, Jorge Messias, respaldou a posição de Viegas e fez um apelo para que a Apib permanecesse na reunião desta tarde. "Fica meu apelo a todos os representantes das lideranças indígenas, para que vocês fiquem conosco na reunião desta tarde, porque eu tenho a impressão de que muitas das questões levantadas pela Apib estão contempladas", clamou o ministro. 

"Tenho plena confiança na instalação e na condução desta mesa. Acredito que com o quadro que temos no país, de invasões, em que não conseguimos, como Estado, o acesso pleno dos seus direitos, nós temos que pactuar", declarou. "O presidente vetou, o Congresso derrubou. O ministro Gilmar Mendes poderia ter tomado uma decisão junto a seus pares, e nós não estaríamos aqui, tendo a oportunidade de discutir esse tema", afirmou Messias.  

Entenda 

A série de audiências busca uma solução sobre a controvérsia gerada por duas decisões diferentes, de poderes distintos. Em setembro de 2023, o STF decidiu que não era possível utilizar o ano de 1985 para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.

Já em dezembro, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.701/2023 e restabeleceu o marco temporal. Desde então, quatro ações questionam a validade da lei (ADI 7582, ADI 7583, ADI 7586 e ADO 86), e outra pede que o STF declare sua constitucionalidade (ADC 87). 

A comissão foi criada por Mendes, relator das ações, e reúne integrantes dos governos federal, representantes indígenas e da sociedade civil. No dia 5 de agosto, a primeira reunião definiu o cronograma de audiências, que ainda acontecem em 9 e 23 de setembro. As propostas e encaminhamentos realizados serão levados aos 11 magistrados, para que possam ser analisados no julgamento de mérito das cinco ações que tratam da Lei do Marco Temporal. 

Edição: Martina Medina