Instalada na última quarta-feira (17), a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigará o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) inicia seus trabalhos nesta terça-feira (23), com a expectativa de que na primeira reunião sejam aprovados alguns dos 37 requerimentos de convocação de depoentes.
A oposição, que parece ter abandonado o interesse na CPMI do 8 de janeiro, dá sinais de que concentrará forças na CPI do MST, para tentar ofuscar qualquer agenda positiva do governo ou debates amplos sobre os rumos do país.
Entre os 27 membros titulares da comissão, 20 integram o bloco de oposição ao governo federal, uma margem que permitirá que a direita manobre os rumos da CPI e suas narrativas.
Todos os postos de poder são ocupados por deputados federais da oposição: o presidente será o Tenente Coronel Zucco (Republicanos-RS); Kim Kataguiri (UB-SP) é o 1º vice-presidente; o 2º vice-presidente é o Delegado Fábio Costa (PP-AL); o 3º vice-presidente é Evair Vieira de Mello (PP-ES); e Ricado Salles (PL-SP) assumiu a relatoria.
Os sete governistas que integram a CPI do MST são: Daiana Santos (PcdoB-RS), Max Lemos (PDT-RJ), Nilto Tatto (PT-SP), Padre João (PT-MG), Paulão (PT-AL), Valmir Assunção (PT-BA) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP).
Ao todo, a CPI terá 54 membros entre titulares e suplentes, sendo 40 deputados ruralistas, ligados à Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a bancada do agronegócio, e 14 governistas - veja aqui a lista completa.
Na primeira sessão, os parlamentares discutirão e votarão a convocação de depoentes à CPI. Entre os nomes enviados pela oposição, estão João Pedro Stédile, líder do MST; Flávio Dino (PSB), Carlos Fávaro (PSD) e Paulo Teixeira (PT), ministros da Justiça, Agricultura e Desenvolvimento Agrário, respectivamente; além da surpreendente solicitação do deputado federal Alfredo Gaspar (UB-AL) que pede a intimação de Ricardo Lewandowski, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Os governistas da CPI agiram e protocolaram 10 pedidos de convocação. Entre eles, Nabhan Garcia, ex-secretário nacional de Assuntos Fundiários do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Veja a lista completa de pedidos de convocação:
Governistas:
Luana Carvalho, da Direção Nacional do MST
Siderlei de Oliveira, membro da Central Única dos Trabalhadores (CUT)
José Maria Bortoli, sócio da empresa de soja Bom Futuro
Renato Eugenio de Rezende Barbosa, da empresa de cana-de-açúcar Campanário S/A
Nabhan Garcia, ex-secretário nacional de Assuntos Fundiários
Ela Wiecko, pesquisadora da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
Deborah Duprat, especialista do Ministério Público Federal
Carlos Frederico Marés, doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná
Raquel Rigotto, especialista
José Geraldo de Souza Junior, graduado em Ciências Jurídicas e Sociais
Oposição:
João Pedro Stédile, líder do MST
José Rainha, líder da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL) e um dos fundadores do MST
Flávio Dino, ministro da Justiça
Carlos Fávaro, ministro da Agricultura e Pecuária
Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário
Cesar Fernando Schiavon Aldrighi, presidente do INCRA
Claudia Maria Dadico, diretora do departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do Ministério de Desenvolvimento Agrário
Raul Jungmann, ministro do Desenvolvimento Agrário no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso
Miguel Soldatelli Rossetto, ministro do Desenvolvimento Agrário no primeiro governo Lula
Ricardo Lewandowski, ex-ministro do STF
Ivan Xavier, integrante do MST
Nelcilene Ramos, ex-integrante do MST
Marcos Antonio 'Marrom' da Silva; coordenador da Frente Nacional de Luta (FNL)
Kelli Cristine de Oliveira Mafort, Secretária Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas - SNDS/SG/PR e ex-coordenadora nacional do MST
Claudio Ribeiro Passos, líder da FNL
Luciano de Lima, líder da FNL
João Paulo Rodrigues, líder do MST
Histórico da CPI
Alardeada como possibilidade por bolsonaristas desde o começo do ano, a CPI do MST se tornou realidade no mês de abril, período em que acontece a já tradicional jornada de lutas dos sem-terra em memória ao Massacre de Eldorado do Carajás, quando o movimento ocupa áreas improdutivas e sem função social em diversas regiões do país.
Entre os governistas, a expectativa é que a CPI seja transformada em um circo, com discursos inflamados para as redes sociais e a tentativa de impôr narrativas. A largada foi dada pelo relator da comissão, Ricardo Salles, que afirmou nesta terça-feira, na chegada ao Congresso Nacional, que pretende "estabelecer a ideia de que existe uma lei no Brasil que protege a propriedade privada".
Desde que surgiu a notícia da instalação da comissão, advogados de diversas partes do país passaram a oferecer ajuda ao movimento. Entre eles, o Grupo Prerrogativas, do qual faz parte Marco Aurélio Carvalho, que falou ao Brasil de Fato sobre a linha de defesa do movimento na CPI, que contradiz a tese do relator.
"A ideia é usar a oportunidade de mostrar para o país e o mundo o que o texto constitucional já traz em seu vernáculo, que é a função social da propriedade. Vamos mostrar também o papel do MST no combate à fome no Brasil, já que 33 milhões de seus habitantes voltaram a sofrer com a fome. É possível que os pequenos agricultores desse país voltem a alimentar a população", explicou Carvalho.
No dia 2 de maio, a Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD) divulgou uma nota condenando a criação da CPI. De acordo com o movimento, a comissão tem "duvidosa constitucionalidade", pois foi instaurada "sem fato determinado e com a indevida finalidade de 'investigar' pessoa jurídica de direito privado".
A iniciativa seria, de acordo com a ABJD, "mais um passo no processo protagonizado pela direita neoliberal de perseguição, descrédito e demonização dos movimentos sociais", diz a nota dos juristas, para quem a CPI se dá "como palco de disputas políticas sobre temas como a luta pela terra e território e a estratégia de criminalização das lideranças dos movimentos que organizam os trabalhadores rurais, tidos como inimigos".
Para João Pedro Stédile, a CPI foi criada para tentar desestabilizar o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Eles querem enquadrar o governo. [A CPI é] muito mais, do ponto de vista da luta política, contra o governo do que contra nós. É como dizer ao governo: 'não avance na reforma agrária, não apresente plano de reforma agrária, não ajude o MST'", complementou.
Em nota divulgada na última segunda-feira (22), o MST também criticou a instalação da comissão. "Querer criminalizar nossa luta por meio de uma CPI é estratégia para omitir as reais mazelas do campo brasileiro: crescente desmatamento, grilagem de terra, queimadas, violência no campo, uso de mão de obra análoga à escravidão, destruição e contaminação dos bens naturais pelo uso de agrotóxicos."
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Suspeitos
Eleito presidente da CPI do MST, o deputado Tenente Coronel Zucco virou alvo de apuração da Polícia Federal, autorizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na última quarta-feira (18), por suspeitas de ter incentivado atos antidemocráticos no ano passado, após a vitória de Lula sobre Bolsonaro, nas eleições de 2022.
De acordo com o ministro Alexande de Moraes, Zucco "estaria perpetrando crimes mediante patrocínio e incentivo a atos antidemocráticos, seja em território gaúcho, seja na cidade de Brasília".
Zucco, que se apresenta como amigo pessoal do clã bolsonarista, foi investigado em 2022 por apoiar o fechamento de rodovias no Rio Grande do Sul após a derrota de Jair Bolsonaro nas urnas.
Anti-MST e ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Salles deve ser um dos provocadores da CPI. Na primeira reunião, de organização e formação da comissão, Sâmia Bomfim bateu boca com o bolsonarista.
:: Salles afirma que "infelizmente" não conseguiu "passar a boiada" ::
A deputada do PSOL lembrou que o relator é investigado pela Justiça do Pará por suspeita de corrupção e exportação ilegal de madeira quando ocupou o cargo de ministro do Meio Ambiente.
"Ele tem um interesse ideológico, político e econômico, pois os financiadores do deputado Ricardo Salles querem que ele preste contas do dinheirão que o trouxe até aqui", afirmou Sâmia Bomfim.
A Comissão
A CPI tem um tempo previsto de duração de 120 dias, sendo possível a prorrogação por mais dois meses. Na primeira reunião, é definida a formação da comissão e a eleição do presidente, vices e relator.
No segundo encontro, previsto para esta terça-feira, o relator apresenta o cronograma de trabalho com os procedimentos administrativos e anuncia a linha de investigação proposta pela CPI.
A CPI poderá inquirir testemunhas, ouvir suspeitos, prender (somente em caso de flagrante delito durante a sessão), requisitar do poder público documentos e informações sobre temas coordenados com a atuação da comissão, deslocar-se a qualquer parte do país para investigações, requisitar a participação de servidores públicos na investigação e quebrar sigilos bancário, fiscal e de dados.
Edição: Nicolau Soares