CRISE INSTITUCIONAL

Oposição no Equador deve resistir à dissolução do Parlamento

Presidente Guilhermo Lasso convocou as Forças Armadas como 'intérpretes da Constituição', avalia professor

Brasil de Fato | Botucatu (SP) |
Após o anúncio do decreto presidencial, as Forças Armadas se postaram em frente à Assembleia Nacional do Peru - Rodrigo Buendia / AFP

Os partidos de oposição ao governo de Guillermo Lasso consideram ilegal o decreto emitido nesta quarta-feira (17), que dissolve o Parlamento, e devem apresentar recurso à Justiça. Caso o Tribunal Constitucional [Corte Constitucional] anule o decreto, o Parlamento teria que retomar as atividades, o que seria um choque institucional do mais alto nível. É isso que explica o apoio declarado pelo alto comando das Forças Armadas ao decreto, logo após o anúncio presidencial.

Essa é a linha de raciocínio de Franklin Ramírez, professor de Sociologia Política na Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO Equador). Na opinião dele, Lasso recorreu aos militares e os colocou como “intérpretes constitucionais”, para se precaver em caso de conflito institucional. A manifestação militar deixa antever algo que outros atores políticos já haviam manifestado, ou seja, que não há formas de justificar a decisão da ‘morte cruzada’, que, portanto, poderá ser anulada. Este nome, ‘morte cruzada’, deve-se ao fato de que o decreto prevê eleições antecipadas tanto para o Legislativo quanto para a Presidência, dentro de seis meses.

Na terça (16), Lasso havia apresentado sua defesa no processo de impeachment que enfrenta no Congresso. Segundo o professor, o presidente foi “escuso” e sequer mencionou as acusações centrais de corrupção que pesam contra ele, o que “revela seu desprezo pela democracia, mas também parecia confirmar que teria os votos para se salvar”. Ou seja, estaria tranquilo. Mas na manhã seguinte, surpreendentemente, surge o anúncio do decreto de 'morte cruzada'.

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Presidente Lasso anuncia o decreto "morte cruzada", um dia após se defender no processo de impeachment / Bolivar Parra / Ecuadorian Presidency / AFP

Mas se Lasso previa se salvar do impeachment, por que não esperar pela absolvição e seguir seu mandato? “É uma grande incógnita”, responde Ramírez. “Até ontem, parecia que ele tinha os votos para se salvar do impeachment. Não podemos saber se o governo estava tentando ‘comprar’ os parlamentares, se eles começaram a elevar seus preços e o governo se cansou disso e daí lançou a 'morte cruzada' porque não queria ceder mais. Também pode ser que, com 90 votos contrários — o governo não tem maioria no Parlamento — e nenhuma margem de manobra na Assembleia, ele percebeu que não teria uma correlação de forças que o permitisse governar e preferiu garantir mais 6 meses de governo, nos quais poderá se proteger das acusações e proteger sua fortuna; aprofundar as reformas neoliberais; tratar de assegurar o voto popular com políticas clientelísticas”, explica Franklin Ramírez.

O professor explica que o presidente equatoriano não soube cuidar da articulação política. Como sua bancada no Parlamento é pequena, seu Movimento Político Criando Oportunidades (Creo) tem menos de 10% dos deputados, no começo do seu mandato criou um bloco de governabilidade com Pachakutik, Esquerda Democrática, ambos de centro, e Suma e mais outros partidos pequenos de direita. Mas o presidente o “dinamitou”. Otros partidos relevantes como o Social Cristão e a Revolução Cidadã (correismo) que se aliaram no começo do mandato Lasso, votaram em algumas poucas ocasiões a favor das PL do governo.

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“Ele sempre se viu como um presidente que tem um apoio popular enorme e pode governar por cima dos partidos. Nunca reconheceu que não tinha maioria, sempre desqualificou os opositores como golpistas, até narcotraficantes. Então, a 'morte cruzada' tem a ver com esse cenário de inviabilidade de pactos institucionais. Ele também se revelou um presidente ruim, que não sabe gerir a coisa pública, e a crise econômica, política e de segurança do Equador tem a ver com isso”.

Homicídios em alta

A equatoriana Pilar Troya, pesquisadora do Instituto Tricontinental, traz detalhes que esmiúçam esses problemas. A criminalidade, diz ela, chegou a níveis inéditos. A taxa de homicídios por 100.000 habitantes, que era de 5,8 em 2017 — uma das menores do continente, no patamar de Chile e Uruguai —, chegou a 24,1 em 2022. Nas pesquisas de opinião, a população identifica a insegurança como o maior problema do país, seguido pela corrupção e a pobreza.

“O governo não fez nada para resolver isso e só dizia que tudo era culpa do [ex-presidente Rafael] Correa, mesmo após seis anos do fim do seu governo. E teve protestos muito fortes”, lembra a pesquisadora.

Em junho de 2022, o movimento indígena liderou manifestações de massa que paralisaram o país durante uma semana. Foi quando a Assembleia Nacional tentou decretar a ‘morte cruzada’, que pode ser uma iniciativa tanto do presidente quanto do Parlamento. Mas não conseguiu. Precisava de 92 votos, teve 80.

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Apesar da gravidade da situação, Lasso não tomou nenhuma medida na área social e continuou tentando privatizar serviços, segundo Troya. Em suma, a pesquisadora avalia que a gestão de Guillermo Lasso tem se limitado e “continuar o programa neoliberal começado pelo ex-presidente Lenín Moreno (2017-2021). Todo o receituário do consenso de Washington”.

Edição: Vivian Virissimo