Mobilização

Esquerda deve ter estratégias de comunicação para vencer extrema direita, diz pesquisadora

Sem expectativa de mudanças reais devido à crise no capitalismo, esquerda precisa ganhar corações

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Lula e Alberto Fernández, presidente de esquerda da Argentina - Casa Rosada

A despeito da derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições presidenciais no ano passado, o bolsonarismo continua expressivo na sociedade. O resultado da eleição presidencial de 2022 é um exemplo disso: a distância entre os percentuais de votos entre o ex-presidente e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno foi ínfima, de apenas 1,8%.

Para a esquerda e o Partido dos Trabalhadores, esse quadro impõe o desafio que é fazer a disputa ideológica entre os setores da sociedade que estão alinhados ou ainda podem se aliar ao bolsonarismo. Camila Rocha, cientista política e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), cita os trabalhadores com renda entre dois e salários-mínimos como um dos grupos mais disputados. 

"Uma coisa que salta aos olhos é que uma boa parte desses trabalhadores, principalmente do Sul e Sudeste do país, se sentiram traídos pelo PT devido às denúncias de corrupção e à prisão de Lula. Então a questão da corrupção continua forte", disse a cientista política durante o seminário "A disputa ideológica em tempos de neofascismo e agronegócio", promovido pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), na 4ª edição da Feira Nacional da Reforma Agrária, em São Paulo, nesta quinta-feira (11). 

"Além disso, esses trabalhadores se sentem abandonados pelo PT e pelo governo de hoje. Há uma narrativa de que o PT historicamente sempre se preocupou com os trabalhadores, mas que hoje estaria somente voltado para minorias. E aí vêm todos esses pânicos morais em relação aos movimentos feminista, negro e LGBTQIAP+", afirma Camila.  

Para reverter esse quadro e alavancar na disputa desse e outros setores da sociedade, a pesquisadora do Cebrap aposta que o PT deve investir em estratégias de comunicação que aproximem a sigla aos grupos sociais. 

"Uma coisa que eu tenho percebido é a importância fundamental da comunicação. Em todos esses setores que faço pesquisa com a professora Esther Solano, a gente percebe como que desde o início do governo do PT tem falhas sistemáticas e graves de comunicação com as pessoas", conta Rocha. 

"Durante o governo Bolsonaro, toda semana o Bolsonaro fazia aquelas lives. Estava sempre se comunicando, na mídia, dando declarações, sempre dando entrevistas, mesmo com todo aquele ódio aos jornalistas, aquele cercadinho. Mas o Bolsonaro sempre estava falando. E as pessoas sentem essa falta. Mesmo as pessoas que votaram no Bolsonaro querem ouvir o Lula. As pessoas sentem que tem uma desorientação muito grande e que o governo não tem plano para lidar com os problemas. As pessoas se sentem muito ansiosas e desamparadas", afirma. 

"Mesmo os trabalhadores que votaram em Bolsonaro em 2018 e 2022 buscam no Lula e no governo essa orientação. Esperam do governo um projeto, um acolhimento, um cuidado e essa comunicação mais próxima. As pessoas estão demandando muito isso. E pela comunicação a gente consegue reconquistar muitas pessoas para um projeto progressista."

Crise do modelo capitalista 

A pesquisadora explica que a comunicação é estratégica principalmente diante das questões estruturais econômicas que se apresentam não somente ao Brasil, mas a todos os países democráticos, e que estão relacionadas à "decepção" que as classes trabalhadoras sentem em relação aos grupos de esquerda que governaram o país no início dos anos 2000.  

"Também existem questões estruturais à emergência da extrema direita e que estão ligadas a essa decepção que as classes trabalhadoras sentem em relação aos partidos de esquerda e à referência de social-democracia, que desmoronou", diz.  

As crises econômicas cada vez mais intensas e frequentes, diante das quais as classes dominantes encontram não mais que soluções temporárias, vão esgarçando progressivamente a qualidade de vida desses trabalhadores. Nesse cenário em que os velhos remédios para as crises não são substituídos por novos, porque ficam cada vez mais fracos em relação à força das crises, são os trabalhadores cada mais marginalizados.  

Consequentemente, à medida que a vida da classe trabalhadora não tem ganhos significativos, a extrema direita se aproveita para disputar corações e mentes.  

Edição: Thalita Pires