Investigação

Pacheco confirma instalação de CPMI dos Atos Antidemocráticos e governo já articula integrantes

Para analistas políticos, criação de colegiado se tornou inevitável e traz desafios para gestão Lula

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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"Estou convencido de que essa CPMI vai ser um tiro no pé dos bolsonaristas", disse nesta quinta (20) deputado Lindberg Farias - Edilson Rodrigues/Agência Senado

O presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), confirmou nesta quinta-feira (20) que irá instalar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Antidemocráticos na próxima quarta-feira (26). "No dia 26, vai acontecer aquilo que deveria ter acontecido no dia 18, que é a leitura [do requerimento] da CPMI. Eu nunca me furtei a isso em qualquer circunstância. Seria esse o encaminhamento mesmo da leitura da CPMI, considerando que ela preenche os requisitos", disse o pessedista, em entrevista concedida durante uma agenda em Londres.

A confirmação de Pacheco vem após a reviravolta ocorrida no jogo político desde quarta-feira (19) em relação à posição do governo Lula diante da pauta. A gestão era contra a criação do colegiado por entender que os Poderes Executivo e Judiciário têm feito o seu trabalho na investigação dos atos golpistas de 8 de janeiro e principalmente por avaliar que a CPMI bagunçaria os planos do governo, atrapalhando as agendas de votação no Congresso.

Os aliados do Planalto, no entanto, mudaram de ideia após a CNN veicular imagens que mostraram a presença do então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), o general da reserva Marco Edson Gonçalves Dias, no Palácio do Planalto durante os ataques dos extremistas pró-Bolsonaro. A revelação das imagens constrangeu o Palácio e atiçou o jogo em torno da CPMI, fazendo com que interlocutores importantes do governo passassem a vocalizar a defesa da comissão.


Gonçalves Dias e Lula / Ricardo Stuckert/PR

Foi o que ocorreu ainda na quarta (19) com a presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, e com o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder do governo no Congresso. Outros diferentes governistas fizeram acenos pró-CPMI nas últimas 24 horas, após o episódio envolvendo Dias, como é o caso do deputado Lindberg Farias (PT-RJ), que concedeu coletiva nesta quinta junto com outros deputados para tratar do tema.

"Estou convencido de que essa CPI vai ser um tiro no pé dos bolsonaristas, porque uma coisa eles não vão conseguir mudar com falsas narrativas: todos sabem que foram as bases bolsonaristas que atuaram naquele dia 8 de janeiro. Nós vamos com muita energia pra essa CPI. Estamos separando os melhores quadros para estarem lá", disse.

Mudança de rumos

Com o vazamento do vídeo e a demissão de Dias, a leitura de interlocutores próximos a Pacheco passou a ser de que seria difícil evitar a criação da CPMI. Diante do novo cenário, o governo tenta agora exercer alguma liderança nos movimentos pró-comissão, como forma de tentar controlar os rumos do processo a seu favor. O pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Danilo Morais observa que a demora em aceitar a criação do colegiado trouxe problemas para a gestão.

"O retardamento teve como consequência mais prática alimentar a narrativa bolsonarista de que a invasão às sedes dos três Poderes seria uma iniciativa do próprio governo pra se vitimizar e se fortalecer e, ao mesmo tempo, emparedar a oposição, o que não faz nenhum sentido, já que os ataques manifestadamente partiram dos opositores do atual governo. Portanto, esse retardamento serviu de alguma maneira pra conferir substância a essa narrativa completamente fantasiosa", analisa o pesquisador, que também é mestre em Poder Legislativo pelo Cefor, o programa de pós-graduação da Câmara dos Deputados.


Gonçalves Dias: primeiro ministro a deixar o cargo no terceiro mandato de Lula na presidência da República / José Cruz/Agência Brasil

Outros aspectos também concorreram para que os governistas mudassem de postura diante da pauta. "Aquilo que era inconveniente para o governo antes, depois da divulgação das imagens, tornou-se imperativo, ou seja, vai ter que se fazer [a CPMI], inclusive para tentar desfazer essa impressão que ficou, a partir das imagens, de que tinha gente do governo de algum modo envolvido nisso", comenta o analista político Antônio Augusto de Queiroz (Toninho), ex-diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Composição

Diante da iminência de instalação da CPMI, o Palácio do Planalto já estuda nomes para comporem o colegiado e cuidarem da defesa da gestão. São cogitados senadores que atuaram na CPI da Covid durante a pandemia e parlamentares que se sobressaem na tropa do governo no Congresso. É o caso dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Eliziane Gama (PSD-MA) e Humberto Costa (PT-PE) e dos deputados Lindbergh Farias, Rogério Correia (PT-MG), Guilherme Boulos (PSOL-SP) e Orlando Silva (PCdoB-SP).

"O governo precisa tentar fazer tanto a presidência quanto a relatoria porque, se ele não colocar alguém da sua confiança principalmente nesses postos, pode ser que em algum momento perca poder", sublinha o cientista político Enrico Ribeiro. Com relação à composição geral, Danilo Morais observa que governos de coalizão costumam reunir maioria nos colegiados do Congresso Nacional, inclusive em CPIs.

"Só que talvez o governo não tenha a oportunidade de escolher os nomes que vão efetivamente compor a CPMI, porque essa é uma decisão dos líderes partidários, portanto, o entrosamento do governo vai ter que se dar muito mais com as lideranças partidárias do que com os parlamentares que são mais ou menos simpáticos à sua agenda. A iniciativa está acertada, mas ela depende de um ajuste com as lideranças partidárias e depende sobretudo de um ajuste na coalizão governista, que tem mostrado até aqui bastante debilidade", pondera.

Embaraço

Se por um lado a CPMI pode ajudar o governo a pelo menos enfraquecer a narrativa bolsonarista de que a administração Lula seria responsável pelos estragos do 8 de janeiro, por outro o Palácio do Planalto pode enfrentar embaraço no desenrolar da sua agenda de governo por conta da energia a ser gasta na futura comissão. Em geral, CPIs atraem muitos holofotes e acabam dando palanque para personagens de oposição que podem complicar a vida do governo de plantão.

"É muito ruim para um governo que acabou de começar e acabou de completar cem dias já ter que enfrentar uma CPMI, então, eu acho que isso tem potencial pra desgastar bastante o governo, e aí pautas como a reforma tributária, por exemplo, podem acabar ficando pra votação posterior. Votação de projetos de lei e acordos voltados para votação de medidas provisórias também podem eventualmente ser prejudicados nesse processo", projeta Ribeiro.


Atos golpistas do dia 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três Poderes, em Brasília / Joedson Alves/Agência Brasil

Já em outra linha de raciocínio, o ex-diretor do Diap calcula que a CPMI pode também trazer algum favorecimento para o governo. Ele acredita que o jogo no âmbito do colegiado pode distrair os parlamentares mais extremistas e deixar os espaços de formulação de políticas públicas mais livres para a atuação da gestão Lula e sua agenda.

"Talvez seja até bom que os radicais bolsonaristas se concentrem na CPI e parem de atrapalhar a agenda legislativa que interessa ao país. Então, ao contrário de atrapalhar, porque são espaços distintos, pode até facilitar a vida do governo, porque vai tratar do tema e do conteúdo das políticas públicas somente quem quer tratar de conteúdo de política pública, enquanto aqueles que quiserem fazer luta política vão se dedicar mais à CPMI. Acredito que a pauta que interessa ao país vai andar de qualquer maneira, tendo ou não cobertura midiática", avalia.

Edição: Thalita Pires