Pressão por CPMI

Edição de vídeo da CNN ajuda bolsonarismo em narrativa paralela sobre 8 de janeiro

Reportagem é conduzida de modo a inferir cumplicidade do general Gonçalves Dias com o vandalismo golpista

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Reportagem da CNN Brasil não cita que imagens que mostram chefe do GSI foram captadas após a ação dos golpistas - CNN Brasil/Reprodução

O canal de telejornalismo CNN Brasil divulgou nesta quarta-feira (19) novas imagens dos atos terroristas de 8 de janeiro, desta vez envolvendo o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias. A reportagem informa que teve acesso às imagens das câmeras de segurança do Palácio do Planalto durante os ataques. Com o título "Imagens mostram ação do GSI em ataque aos Três Poderes em 8 de janeiro", a matéria inicia como uma cena em que Gonçalves Dias aparece.

"Este que aparece na imagem é o ministro-chefe do GSI, general Marco Edson Gonçalves Dias. Ele está na ante-sala do gabinete presidencial enquanto há criminosos no local", diz a locução do repórter Leandro Magalhães.

A edição é conduzida de modo a inferir cumplicidade do general da reserva Gonçalves Dias com o vandalismo. No entanto, a própria imagem mostra a presença do chefe do GSI a partir de 16h29, quando o movimento já era de dispersão da turba que depredou parte do Palácio do Planalto.

Cronologia?

A invasão da Praça dos Três Poderes começou às 14h43, pelos prédios do Congresso Nacional. A marcha dos golpistas – que estavam acampados em frente ao QG do Exército desde novembro – começa por volta de 13h. A chegada dos invasores ao Palácio do Planalto ocorre perto das 15h. Mais precisamente, como diz a própria reportagem da CNN, "às 15h01 os criminosos invadem o estacionamento do Palácio do Planalto".

A reportagem segue mostrando uma série de cenas do vandalismo, mas a ordem cronológica não é progressiva, num vai e vem adequado para a narrativa.

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O vídeo da CNN tem seis minutos, mas o trecho em que Gonçalves Dias aparece foi um dos mais recortados e distribuídos nas redes sociais. Depois da cena inicial, a reportagem leva a uma sucessão de recortes do 8 de janeiro em momentos distintos e não sequenciais.

Muitos deles com cenas já públicas, como a "clássica" da destruição do relógio doado a dom João VI. Ou da movimentação externa, colocando sob suspeita o baixo contingente e a pouca resistência policial.

O que diz o ministro

Em nota, o ministro Gonçalves Dias – que aparece no vídeo exibido pela CNN às 16h29 – afirma que as imagens mostram a atuação dos agentes de segurança "em um primeiro momento, no sentido de evacuar o quarto e terceiro pisos do Palácio do Planalto, concentrando os manifestantes no segundo andar". Ele argumenta ainda que "condutas de agentes públicos do GSI envolvidos estão sendo apuradas".

Dias ressalta que as imagens de câmeras de segurança do Palácio do Planalto fazem parte de Inquérito Policial instaurado no âmbito do STF e estão à disposição dos órgão de investigação, sob sigilo.

Confira a íntegra da declaração do ministro:

A respeito de reportagem veiculada no dia de hoje, sobre os ataques do 8 de janeiro, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) esclarece que as imagens mostram a atuação dos agentes de segurança que foi, em um primeiro momento, no sentido de evacuar os quarto e terceiro pisos do Palácio do Planalto, concentrando os manifestantes no segundo andar, onde, após aguardar o reforço do pelotão de choque da PM/DF, foi possível realizar a prisão dos mesmos.

Quanto as afirmações de que agentes do GSI teriam colaborado com os invasores do Palácio do Planalto, informa-se que as condutas de agentes públicos do GSI envolvidos estão sendo apuradas em sede de sindicância investigativa instaurada no âmbito deste Ministério e se condutas irregulares forem comprovadas, os respectivos autores serão responsabilizados.

Cabe ainda ressaltar que as imagens de câmeras de segurança do Palácio do Planalto, gravadas no dia 8 de janeiro, fazem parte de Inquérito Policial instaurado no âmbito do STF, e o GSI não autorizou ou liberou qualquer imagem que não fosse destinada aos órgãos investigativos responsáveis, tendo em vista a proteção do sigilo do inquérito, previsto no art. 20 do Código de Processo Penal.

Fatos, versões e coincidências

"Coincidência" ou não, estava programada para a tarde desta quarta-feira uma sessão da Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados. Havia uma convocação do ministro Gonçalves Dias, transformada em convite, para "prestar esclarecimentos sobre os ataques ocorridos, em 8 de janeiro, nas sedes dos Três Poderes da República em Brasília". O ministro não compareceu, alegando questões médicas.

A base bolsonarista no Congresso tem usado audiências com autoridades do governo para promover tumultos e pressionar pela instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre o 8 de janeiro. O ministro "favorito" para as hostilidades tem sido Flávio Dino, da Justiça, que já atendeu a dois convites da Câmara. Ambos marcados por questionamentos ostensivos dos parlamentares de direita.

Sob o comando de Dino, estão parte das investigações dos atos de terrorismo de 8 de janeiro e de diversas operações da Polícia Federal. Ou seja, um dos segmentos em que o governo anterior é mais "sensível", o criminal – e que torna inclusive o ex-presidente passível de prisão.

Ontem mesmo (18), bolsonaristas liderados pelos deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Bia Kicis (PL-DF) fizeram baderna no Senado. Foi quando o presidente do Congresso adiou para a semana vem a realização de nova sessão. E a possível leitura do requerimento de CPMI, com que a oposição pretende instalar palanque e destilar sua narrativa paralela sobre os atos terroristas.

Centenas estão presos, e já começam a virar réus. O ex-presidente – e não só pelo possível envolvimento no golpismo – também é um forte candidato.

Setores da imprensa, porém, se entusiasmam em comprar a tese da "entrada do governo Lula na cena do crime".

CPI ou não?

Antes da posse de Lula, o Gabinete de Segurança Institucional era chefiado pelo general Augusto Heleno. Meses depois da posse, Lula não conseguiu ainda retirar de todos os cargos existentes pessoas de confiança do governo anterior. A ponto de o governo transferir o comando da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) do GSI para a Casa Civil.

O ministro Gonçalves Dias foi nomeado por Lula em 29 de dezembro, herdando a confiança conquistada por ter trabalhado com o presidente em seus dois mandatos anteriores. Aparentemente, também Dias ainda não conseguiu "limpar a área".

A propósito de comissões de inquérito desejadas pela oposição para investigar os atos golpistas de 8 de janeiro, existe uma instalada na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Convidado para depor, o general Heleno se recusou.