Nesta quinta-feira (12), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que está "convencido" de que as forças de segurança deixaram os golpistas invadirem os prédios dos Três Poderes, em Brasília, na tarde do último domingo (8).
"Teve muito agente conivente. Teve muita gente da PM conivente. Muita gente das Forças Armadas conivente. Eu estou convencido que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar, porque não tem porta quebrada, ou seja, alguém facilitou a entrada deles aqui", disse o presidente.
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O petista também criticou, enquanto acompanhava a invasão remotamente, de Araraquara, no interior de São Paulo, a atuação de seu ministro da Defesa, José Múcio, e do ministro-chefe do Gabinete da Segurança Institucional (GSI), o general Marco Edson Gonçalves Dias, para conter os ataques.
Para o presidente, as proporções do ato criminoso foram subestimadas pelas autoridades responsáveis pela segurança: o Gabinete da Segurança Institucional, o governo do Distrito Federal, a Secretaria de Segurança e a Polícia Militar do DF e o próprio Exército Brasileiro.
Polícia Militar
Segundo Adilson Paes de Souza, mestre em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e tenente-coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo, faltou o compartilhamento de informações prévias e em tempo real entre as forças responsáveis, bem como a construção de um planejamento em comum.
A suspeita de omissão ficou ainda mais evidente após se tornar público o relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), com diversos alertas sobre a possibilidade de atos violentos, distribuído por meio do Sistema Brasileiro de Inteligência, que reúne 48 órgãos. "Mantêm-se convocações para ações violentas e tentativas de ocupações de prédios públicos, principalmente na Esplanada dos Ministérios", avisou a agência por meio de um despacho obtido pelo Folha de S. Paulo.
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"Conforme a ANTT [Agência Nacional de Transportes Terrestres], houve aumento do número de fretamentos de ônibus com destino a Brasília para este final de semana. Há um total de 105 ônibus, com cerca de 3.900 passageiros", diz outro trecho do documento.
Por parte da PMDF, Souza elenca apenas três de algumas medidas que a corporação deveria ter concretizado antes da invasão: "posicionar a tropa de choque e a cavalaria na praça dos Três Poderes, colocar barreiras com policiais na extensão das vias que levam ao local e fazer sobrevoos com helicópteros", afirma. "Ou seja, presença ostensiva para demonstrar a intenção de impedir o acesso, o que não houve."
Gabinete de Segurança Institucional
Juliano Cortinhas, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e assessor de Defesa da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República entre 2012 e 2013, afirma que os erros foram compartilhados, inclusive com a responsabilidade do governo Lula.
"Houve uma série de erros do próprio governo atual. Essa movimentação era planejada, vinha sendo anunciada, sabia-se que uma quantidade enorme de ônibus, mais de 100, chegariam a Brasília. A segurança pública do Distrito Federal e as Forças Armadas, que guardam o Batalhão da Guarda Presidencial, deveriam estar em alerta máximo naquele dia", afirma Cortinhas.
O professor explica que o GSI trata tanto da segurança dos indivíduos que compõem as instituições do Estado, principalmente a Presidência da República, quanto dos edifícios e patrimônios. Portanto, havia competência direta na segurança dos prédios dos Três Poderes. Logo abaixo do GSI, está a própria Abin, que produziu o relatório com alertas, ainda que tenham sido desconsiderados em diversas esferas.
Também é responsabilidade do GSI agir para conter uma ameaça. "E houve uma falha terrível nesse sentido, né. As pessoas chegaram às portas do gabinete do Lula. Isso é muito grave", afirma o professor da UnB.
Segundo apuração do Estadão, o GSI dispensou um pelotão de 36 militares do Batalhão da Guarda Presidencial cerca de 20 horas antes da invasão de bolsonaristas aos prédios dos Três Poderes, em Brasília, no último domingo (8). O batalhão é formado por militares - logo, subordinado às Forças Armadas -, mas seu acionamento é competência do GSI.
É o governo do DF e as Forças Armadas que guardam o Batalhão da Guarda Presidencial, que deve ser acionado pelo GSI.
No sábado, o pelotão, responsável pela segurança física dos Palácios do Planalto, Alvorada, Jaburu e da Granja do Torto sem a necessidade de acionar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), estava reforçado.
No dia seguinte, porém, a Esplanada amanheceu com um efetivo menor e praticamente sem equipamentos utilizados para conter atos de civis, como escudos, bombas de gás e balas de borracha. Somente no início da tarde de domingo o Comando Militar do Planalto (CMP), subordinado ao Exército, reenviou o pelotão que havia sido dispensado por iniciativa própria.
No entanto, a quantidade foi 15 vezes menor do que o contingente escalado para reprimir a ação de manifestantes contra o então presidente Michel Temer (MDB), em maio de 2017, e, diante do cenário de ataque aos prédios, foi necessário enviar mais militares do Exército.
Após a primeira tentativa da Polícia Militar de conter os golpistas, às 14h30, o general Geraldo Henrique Dutra Menezes, chefe do CMP, enviou uma tropa de 113 homens e equipamentos de choque. Mesmo após esse envio, duas outras levas de militares foram enviadas aos prédios dos Três Poderes a pedido do GSI: uma de 93 e outra de 118 homens.
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Esses cenários levaram a um quadro reduzido de agentes, tanto da PM quanto do Exército, o que acabou contribuindo para a invasão dos bolsonaristas.
"Se os bolsonaristas chegassem à Esplanada e tivesse um número elevadíssimo de policiais, Tropa de Choque postada, fazendo linha, enfim, e mostrando força, possivelmente eles não tivessem partido para o ataque. Um número excessivo de policiais bem postados aguardando uma multidão, ele inibe a violência. Essa seria a situação ideal. Mas não foi o que ocorreu", afirma Juliano Cortinhas.
"Foi um erro de planejamento muito grande, tanto do Ibaneis [governador afastado do DF e responsável, em última instância, pela PMDF] quanto das forças federais de segurança."
Exército Brasileiro
O quadro de inação do GSI e da PM diante dos ataques se soma à suposta conivência de militares do Exército Brasileiro com os golpistas que destruíram as sedes. Alguns vídeos que circulam das redes sociais mostram soldados do Exército impedindo que bolsonaristas fossem presos pela Polícia Militar do DF. Em outras publicações, os soldados proíbem a entrada da PM no acampamento de bolsonaristas em frente ao quartel-general da Força, em Brasília, logo após os atos criminosos, no domingo à noite.
Talvez uma das razões para a morosidade do Exército em agir contra os golpistas, principalmente nos acampamentos, seja ter familiares e amigos nesses espaços. Nos últimos dias, por exemplo, circulou um vídeo da esposa do ex-comandante do Exército e general da reserva Eduardo Villas Bôas, Maria Aparecida Villas Bôas, entre os bolsonaristas acampados em frente ao QG do Exército, em Brasília.
O próprio ministro da Defesa José Múcio, que tem histórico de aproximação com Jair Bolsonaro, afirmou que os acampamentos em frente aos quartéis são "manifestação da democracia". "Eu falo com autoridade porque tenho parentes lá. No de Recife, tenho alguns amigos aqui [Brasília]. É uma manifestação da democracia. A gente tem que entender que nem todos os adversários são inimigos, a gente tem até inimigos correligionários. Eu acho que daqui um pouquinho aquilo vai se esvair e chegar a um lugar que todos nós queremos", disse Múcio na ocasião.
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Nesta quinta-feira (12), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que "não é normal" ver a presença de familiares das Forças Armadas nesses espaços. "Nós vimos no acampamento mulher de general, mulher e filha de general gritando 'golpe'. Isso não é normal", disse Lula.
O professor Juliano Cortinhas afirma que não consegue compreender como os acampamentos permaneceram em frente aos quartéis-generais do Exército por tanto tempo, desde o fim do processo eleitoral.
"Não é uma área de entretenimento, mas uma área de segurança militar. As pessoas não podem ficar paradas ali. Se alguém for na frente de um quartel e montar uma barraca, certamente será retirado. O Exército não tolera, normalmente, esse tipo de manifestação. Não há razão dessas pessoas acamparem na frente de um quartel do Exército, a não ser que elas estejam, justamente, se sentindo protegidas pela instituição militar. E esse foi o caso, claramente", afirma o professor.
Secretaria de Segurança do DF
Também está sendo criticada a omissão de autoridades do governo do Distrito Federal, que foi além da sua responsabilidade sobre a PM. No domingo de manhã (8), a Secretaria de Segurança do DF informou aos militares do Batalhão da Guarda que o protesto seria pacífico.
O secretário de Segurança Pública em exercício, Fernando de Sousa Oliveira, também enviou um áudio para o governador afastado Ibaneis Rocha (MDB) afirmando que a manifestação golpista dos bolsonaristas estava "totalmente pacífica" pouco antes da invasão às sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Oliveira afirmou que negociou com os bolsonaristas que estavam acampados em frente ao quartel-general do Exército uma caminhada "pacífica" e "organizada" até a Esplanada dos Ministérios, acompanhada pela Polícia Militar do DF. O secretário também informou que "nenhum informe de questão de agressividade".
"Governador, [vou] passar o último informe, do meio-dia, para o senhor. Tudo tranquilo. Os manifestantes estão descendo do SMU [Setor Militar Urbano], controlado, escoltado pela polícia. Tivemos uma negociação para eles descerem de forma pacífica, organizada, acompanhada. Toparam", disse o secretário no áudio divulgado pelo Metrópoles.
"Está um clima bem tranquilo, bem ameno. Uma movimentação bem suave. E a manifestação totalmente pacífica. Até agora. Nossa inteligência está monitorando e não há nenhum informe de questão de agressividade, ligada a esse tipo de comportamento."
"Esse é o último informe para o senhor. Tem aproximadamente 150 ônibus já no DF, mas todo mundo de forma ordeira e pacífica. No final da tarde eu passo outro informe para o senhor", concluiu.
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Fernando de Sousa Oliveira foi nomeado secretário-executivo da pasta do DF pelo então secretário Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Mas, como Torres estava fora do Brasil no dia dos ataques golpistas, era Oliveira quem estava no comando. Ainda durante o ocorrido, o governador afastado Ibaneis Rocha exonerou Torres e oficializou Oliveira em seu lugar.
Torres estava fora porque supostamente estava de férias nos Estados Unidos. Segundo o interventor no Distrito Federal, Ricardo Cappelli, no entanto, Torres não deveria estar de férias. "Viajou, inclusive sem estar de férias. As férias dele, publicadas no Diário Oficial, valiam a partir do dia 9. Então no dia 8, o secretário de segurança pública do Distrito Federal ainda era o senhor Anderson Torres", disse.
Afastamentos e prisões
Na terça-feira (10), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou a prisão do agora ex-secretário Anderson Torres e do ex-comandante-geral da Polícia Militar do DF Fabio Augusto Vieira, que estava à frente da corporação no domingo, mas foi exonerado um dia depois.
As prisões de ambos foram solicitadas pela Polícia Federal, que indicou que os atos criminosos ocorrem com a anuência dos responsáveis pela segurança pública do Distrito Federal.
Moraes também afastou o governador Ibaneis Rocha do cargo por 90 dias. Nesta decisão, o ministro afirmou que os "agentes públicos (atuais e anteriores) que continuarem a se portar dolosamente dessa maneira, pactuando covardemente com a quebra da Democracia e a instalação de um estado de exceção, serão responsabilizados".
Antes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já havia decretado intervenção federal na Segurança Pública do DF. O interventor Ricardo Cappelli afirmou que a manifestação golpista só foi possível devido a uma "operação de sabotagem" nas forças de segurança locais.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, atribuiu ao governo do DF a responsabilidade pelos atos criminosos. De acordo com ele, houve uma mudança de planejamento na estratégia de segurança que não foi informada. Em reunião entre as forças federais e distritais, ficou acertado que o acesso à Esplanada dos Ministérios e à Praça dos Três Poderes estaria bloqueado, o que não ocorreu no domingo.
"Infelizmente, houve uma avaliação das autoridades locais de que seria possível, na última hora, mudar o planejamento. Esse planejamento foi modificado e isso ensejou que essas pessoas descessem até próximo do Congresso Nacional e, em seguida, o descontrole que vocês viram", afirmou Dino.
Edição: Nicolau Soares