A inflação oficial do país recuou em março e, pela primeira vez desde janeiro de 2021, ficou dentro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para o índice. Para analistas ouvidos pelo Brasil de Fato, o resultado retira argumentos do Banco Central (BC) e abre espaço para a queda da taxa de juros.
De acordo com dados divulgados nesta terça-feira (11) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou o mês de março em 0,71% – abaixo dos 0,84% registrados em fevereiro e abaixo também da previsão de analistas de bancos, que esperavam cerca de 0,77%.
Com a desaceleração, a inflação acumulada em 12 meses caiu para 4,65% – abaixo do limite de 4,75% fixado pelo CMN para o IPCA em 2023.
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O CMN é um grupo formado hoje pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), pela ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), e pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. Ele formula políticas de crédito e relacionadas à moeda visando à estabilidade do sistema monetário nacional.
O CMN definiu que a inflação deve ficar em 3,25% ao final de 2023, com tolerância de 1,5 pontos para mais ou menos – ou seja, de 1,75% a 4,75%.
É perseguindo as metas de inflação fixadas pelo CMN que o BC mexe na taxa básica de juros, a Selic. Quando ele aumenta os juros, em tese, reduz a demanda da economia e contribui para queda de preços. Quando baixa, estimula compras e investimentos, possibilitando o aumento de preços.
Hoje, a Selic está em 13,75% ao ano, a maior taxa básica de juros real (descontando a inflação) entre todos os países do mundo. Isso atrapalha o crescimento da economia e a geração de empregos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem reclamado há meses da Selic e de Campos Neto, que foi nomeado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
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O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC se reúne nos dias 2 e 3 para debater a Selic. Para economistas ouvidos pelo Brasil de Fato, a redução da inflação ratificou que há espaço para queda no mês que vem.
"A não ser que haja uma reversão muito grave do cenário externo, já há motivos absolutamente incontestáveis para reduzir a taxa de juros na próxima reunião", afirmou o economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), André Roncaglia. "Ficaria muito difícil o Copom fugir dessa decisão sem reforçar a suspeita de que ele vem agindo politicamente para tentar dificultar a vida do governo federal."
Gasolina no radar
De acordo com o IBGE, dos 0,71% da inflação em março, 0,39 pontos vieram somente do aumento da gasolina, que subiu 8,33% em março. Esse aumento foi ocasionado pelo fim da desoneração temporária dos combustíveis concedida por Bolsonaro antes da eleição.
A economista Juliane Furno, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), disse que, sem a gasolina, a inflação estaria ainda mais baixa e mais dentro da meta. Para ela, está claro que Selic precisa cair.
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"Os preços dos combustíveis não subiram porque teve muita gente demandando, mas porque os impostos federais voltaram a incidir sobre eles", disse Furno. "Se o motivo não é demanda, então a taxa de juros tem efeito nulo na inflação, com elevado custo social."
"A inflação está caindo porque não há renda para consumo, por conta do endividamento das famílias, porque as pessoas não têm crédito e o desemprego está alto", ratificou Miguel de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
Histórico de altas
A taxa de juros começou a subir no país em março de 2021, após a pandemia, quando a inflação começava a dar sinais de aumento. Um mês antes, em fevereiro, a inflação acumulada em 12 meses havia subido a 5,2% – acima da meta. O BC, então, subiu os juros de 2% ao ano – menor patamar da história – para 2,75% ao ano.
De lá para cá, foram outros 12 aumentos, sempre com o argumento de tentar reduzir a inflação. Em setembro de 2022, os juros chegaram aos atuais 13,75% ao ano. Mesmo assim, ao final de 2021 e de 2022, o IPCA fechou acima da meta.
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Segundo Oliveira, o BC tende a dizer que foi bem sucedido no combate à inflação, já que ela agora entrou dentro da meta. Para Oliveira, ele pode até manter a taxa de juros argumentando que persegue o centro da meta do índice de aumento de preço e não só o limite superior.
No entanto, assim como os outros economistas ouvidos pelo Brasil de Fato, Oliveira diz que a redução da Selic é necessária para a retomada da atividade econômica no país. Para ele, a Selic é um "remédio" que pode estar matando o "paciente", a economia nacional, por doses excessivas.
Edição: Nicolau Soares