O primeiro 21 de março após o fim do governo de Jair Bolsonaro (PL) ficará marcado por iniciativas que mostram que vivemos novos tempos na postura do poder público federal em relação a questões raciais. No Dia Internacional de Luta contra a Discriminação Racial de 2023, o governo, agora chefiado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), vai conceder títulos de terra a três comunidades quilombolas. Além disso, foi confirmada no Diário Oficial da União (DOU) a nomeação do advogado João Jorge Rodrigues para a presidência da Fundação Palmares.
Um dos fundadores do Olodum, João Jorge, que também trabalha como produtor cultural, foi indicado por Margareth Menezes para o cargo antes mesmo de ela assumir o Ministério da Cultura, em dezembro de 2022. Filiado ao PSB, partido da base do governo, ele é mestre em direito público e militante do movimento negro.
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A mudança de chefia representa uma guinada importante nos rumos da Palmares. Fundada em 1988 para promover a preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos da influência negra na formação da sociedade brasileira, a entidade foi entregue por Bolsonaro a Sérgio Camargo, que, entre outras coisas, chamou o movimento negro de "escória maldita" formada por "vagabundos".
Deturpando a função da própria instituição, Camargo atacou artistas como Taís Araújo, Gilberto Gil e Martinho da Vila, afirmou não haver "racismo real" no Brasil e disse que a escravidão foi "benéfica". Ao fim de seu mandato na presidência da fundação, se candidatou a deputado federal pelo PL de São Paulo e não foi eleito.
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Ao ser nomeado, ainda em dezembro, João Jorge anunciou revogação de uma das medidas simbólicas que foram atacadas por Camargo: o novo presidente se comprometeu a colocar novamente o machado de Xangô na logomarca da Fundação. O símbolo foi retirado pelo bolsonarista.
"Sou filho de Xangô e as insígnias do orixá voltarão a Palmares, assim como o que tiver de qualquer outra religião. É liberdade religiosa e estado laico. Não é para ficar censurando nada", disse, em entrevista ao jornal O Globo. "Assumo com orgulho e responsabilidade por poder levar para o Brasil o trabalho que estamos fazendo na Bahia em prol da cultura negra, do candomblé e dos mais pobres. Um filho de Xangô volta a Palmares".
À frente do Olodum, João Jorge foi um dos responsáveis por criar, ainda na década de 1980, o projeto Rufar dos Tambores, que mais tarde se tornaria a Escola Olodum, instituição que oferece escola formal e ações educacionais pautadas pela história negra.
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Títulos a quilombolas
Em evento no Palácio do Planalto, o governo vai entregar cinco títulos de terras a representantes de três comunidades quilombolas que aguardam há mais de uma década pelo avanço nas titulações: Brejo dos Crioulos (em Minas Gerais), Lagoa dos Campinhos e Serra da Guia (ambas em Sergipe).
A data marca ainda os 20 anos de criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), primeiro órgão com status de ministério voltado para a questão racial no Brasil. Fundada no primeiro mandato de Lula, em 2003, a Seppir foi antecessora do Ministério da Igualdade Racial, criado no atual mandato de Lula.
Hoje celebraremos no Palácio do Planalto os 20 anos das políticas de igualdade racial no Brasil com o lançamento de um pacote de medidas de combate ao racismo. Não deve existir espaço para a intolerância na democracia. Combateremos o racismo juntos. Bom dia.
— Lula (@LulaOficial) March 21, 2023
Entre as outras medidas que serão formalizadas nesta terça-feira estão a criação do Programa Nacional de Ações Afirmativas, para ampliar o acesso e a permanência de estudantes negros no ensino superior; a criação do Plano Juventude Negra Viva, para reduzir os assassinatos e a vulnerabilidade social na população negra entre 15 e 29 anos; e a formulação de ações de combate à violência a representantes de religiões de matriz africana.
Edição: Vivian Virissimo