De caneta na mão poucas horas após a posse, o agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu diversas pastas com algumas das primeiras medidas tomadas na volta ao Palácio do Planalto. A maioria das medidas assinadas foi recebida com entusiasmo. Mas a alegria não seria completa se não fosse ouvida uma palavra: "sigilo". E ela veio.
"O presidente da República assina despacho que determina que a Controladoria-Geral da União reavalie, no prazo de 30 dias, as decisões que impuseram sigilo indevido sobre informações e documentos da administração pública", disse a mestre de cerimônias.
Lula assinou despacho que prevê que a Controladoria-Geral da União reavalie, no prazo de 30 dias, as decisões do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que impuseram sigilo indevido sobre documentos e informações da administração pública. pic.twitter.com/nNvhAx2Yvu
— Brasil de Fato (@brasildefato) January 2, 2023
O texto, recebido sob aplausos e gritos entusiasmados dos presentes ao Palácio no último domingo (1º), representava o início do cumprimento de uma promessa de campanha. Ainda antes do primeiro turno das eleições, Lula disse ao então presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) que, se voltasse à presidência, ia assinar um decreto "acabando com seu sigilo de 100 anos, para saber o que tanto você quer esconder por 100 anos".
Entre os temas cuja verdade Bolsonaro trabalhou para esconder estão questionamentos sobre a atuação da Receita Federal no processo de "rachadinha" contra o filho Flávio Bolsonaro, senador pelo PL do Rio de Janeiro; as visitas ao Planalto de pastores acusados de comandarem um esquema de propina no ministério da Educação; e o cartão de vacinação do próprio ex-presidente, que, em teoria, se recusou a se vacinar contra a covid-19.
O advogado Bruno Morassutti, conselheiro fiscal da agência Fiquem Sabendo, afirma que o despacho assinado por Lula ao tomar posse é um "primeiro passo" para rever decisões equivocadas tomadas pela gestão bolsonarista com base na Lei de Acesso à Informação.
"A questão toda é que a gente não tem acesso aos fundamentos de algumas decisões. Algumas a gente sabe que são realmente equivocadas por que utilizam a Lei de Acesso de forma errada, mas outras podem estar corretas. Eventualmente, decisões do Banco Central, ou reuniões do Copom [Comitê de Política Monetária]. Essas informações podem estar restritas por razões razoáveis e legítimas do ponto de vista jurídico", explica.
Para o advogado, mesmo que a curiosidade seja grande, é preciso conter a ansiedade. Ele explica que o prazo dado por Lula no despacho assinado no primeiro dia de mandato é fundamental para que todos os decretos sejam avaliados de maneira criteriosa pelos integrantes do governo antes de decidir sobre a publicação ou não de informações colocadas sob sigilo.
"Por mais que a gente tenha, com certeza, interesse na maior transparência possível, poderia ser irresponsável simplesmente tornar tudo público automaticamente. É importante que haja uma avaliação adequada dessas informações para que a gente possa saber que informações ali foram colocadas sob sigilo de forma errada e aquelas que foram de forma correta", complementa.
Morassutti aposta que algumas informações terão o sigilo totalmente suspenso, outras podem ter o prazo de restrição diminuído e outras virão a ser parcialmente divulgadas — um dispositivo previsto pela Lei de Acesso à Informação.
Entre os assuntos que o especialista aponta que haverá divulgação total está o processo administrativo do Exército contra o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por participação em manifestação pública ao lado de Bolsonaro. A presença de militares em atos políticos é vedada.
Por outro lado, há dúvida sobre o destino das informações a respeito do cartão de vacinação do agora ex-presidente. Segundo o colunista Daniel Cesar, do iG, esse é um assunto de grande interesse de Bolsonaro, que já teria afirmado a aliados que acionaria o Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar a divulgação das informações.
"Na minha opinião, não só o cartão de vacinação do próprio Bolsonaro, mas informações médicas, de forma geral, de qualquer presidente da República deveriam ser públicas. A gente deveria ter o direito de saber a situação de saúde dele até para que possa confiar nas condições dele exercer o cargo mais importante do país", pondera Morassutti.
O especialista diz ainda que o governo que está começando tem a oportunidade de mudar os rumos da Lei de Acesso e evitar que, no futuro, outras pessoas venham a usar do mesmo expediente de Bolsonaro.
"Talvez isso seja mais importante que rever os casos de sigilo: evitar que aconteça de novo. Agora é o momento, estamos no início do mandato, temos tempo pra discutir isso de forma adequada. Inclusive o próprio governo de transição durante os relatórios apontou por onde poderia começar o trabalho. Esperamos que o governo se aproprie dessas sugestões que a sociedade civil apresentou", conclui.
Edição: Glauco Faria