O Palácio do Planalto deverá protocolar ainda nesta quinta (9), no Congresso Nacional, os três projetos de lei (PLs) divulgados na quarta-feira (8) pelo presidente Lula (PT) no âmbito do pacote de medidas anunciadas para as mulheres. O governo editou propostas que tratam de equidade salarial entre homens e mulheres, concessão de auxílio-maternidade para integrantes do programa Bolsa Atleta e instituição do Dia Nacional Marielle Franco. As três medidas deverão iniciar a tramitação pela Câmara dos Deputados.
A proposta de igualdade salarial altera um dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para estipular que homens e mulheres que exerçam a mesma função tenham remuneração igual. "Na hipótese de discriminação comprovada por motivo de gênero, raça ou etnia, além do pagamento das diferenças salariais devidas, o juízo determinará o pagamento de multa cujo valor equivalerá ao décuplo do maior salário pago pelo empregador, elevado em cem por cento em caso de reincidência", diz o texto do PL.
A medida fixa ainda a possibilidade de imposição de indenização por danos morais à empregada que tenha esse direito desrespeitado. Também prevê mecanismos de transparência, reforço na fiscalização para que seja garantida a equidade salarial, aplicação de sanções administrativas em caso de verificação de não cumprimento da norma, entre outras medidas. Empresas com vinte ou mais empregados deverão publicar relatórios de transparência que demonstrem o cumprimento da regra e permitam a "comparação objetiva" entre salários de homens e mulheres, resguardando o direito à proteção de dados pessoais, conforme a legislação que trata do assunto.
Ainda de acordo com o PL, quando for caracterizada a desigualdade na comparação divulgada pelo empregador, a organização precisará apresentar e implementar um plano de ação voltado à mitigação da desigualdade. O plano deverá fixar metas e prazos, bem como garantir a participação de representantes das entidades sindicais e das trabalhadoras e dos trabalhadores no local de trabalho.
Se a empresa não cumprir essas regras, ficará sujeita à aplicação de uma multa administrativa de valor equivalente ao quíntuplo do maior salário pago pelo empregador em questão, podendo ainda a penalidade ser elevada em 50% caso haja reincidência. Se for aprovada pelo Congresso, a legislação deverá ser posteriormente regulamentada por meio de um ato do ministro do Trabalho, Luiz Marinho.
A deputada Benedita da Silva (PT-SP) disse que a proposta será alvo de um trabalho de articulação do governo na Casa e que tem grande relevância para o segmento das mulheres. Ela destaca os dados do estudo divulgado na última segunda (6) pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) a partir de números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre desigualdade de gênero no mercado.
"Pra você ter uma ideia, a diferença hoje é de 21% em relação ao salário do homem para mulher exercendo a mesma função. Em se tratando de mulher negra, isso vai pra 31% de diferença salário. Se a maioria da população brasileira é feminina, se a maioria da população feminina é de negras, pelo amor de Deus. Então, esse projeto é realmente um PL que vai atender [a uma necessidade]".
Marielle Franco
Já o segundo PL transforma o 14 de março em Dia Nacional Marielle Franco de Enfrentamento da Violência Política de Gênero e Raça, em referência à vereadora do PSOL que foi morta no Rio de Janeiro em 2018 junto com o motorista Anderson Gomes. A data proposta pelo projeto é a mesma das mortes, que provocaram uma onda de indignação pelo país por conta da suspeita de retaliação em virtude do trabalho desenvolvido pela parlamentar, cuja atuação incomodava milicianos e outros grupos. O caso Marielle virou símbolo da luta contra a violência política no país, em especial a violência contra mulheres negras.
Auxílio
O terceiro projeto que figura no pacote de Lula para mulheres altera a Lei nº 10.891/2004, que criou o programa Bolsa Atleta, para determinar que beneficiárias da política também tenham direito a uma licença-maternidade. "A comprovação de plena atividade esportiva não será exigida das atletas na prestação de contas referente aos recursos financeiros recebidos no âmbito da Bolsa-Atleta durante o período da gestação ou do puerpério", acrescenta a proposta.
O auxílio deverá ser garantido durante a gestação mais o intervalo de até seis meses após o nascimento do bebê. O PL estabelece que o período adicional do benefício não pode ultrapassar a marca de quinze parcelas mensais consecutivas. Os direitos assegurados a gestantes ou puérperas do programa também são válidos para a hipótese de adoção de crianças. Em caso de chancela do Congresso, a proposta precisará ser regulamentada posteriormente pelo Ministério do Esporte.
O PL também insere atletas gestantes ou puérperas na lista dos perfis que têm prioridade para a renovação da bolsa, assim como já ocorre com medalhistas olímpicas e paralímpicas e atletas da categoria Atleta Pódio. "A mulher que é atleta não pode ser prejudicada porque engravida, então, ela tem que ter toda a proteção antes, durante e após a gravidez pra que ela tenha a obrigação de, como uma profissional, poder dar continuidade às suas atividades", argumenta Benedita da Silva.
Para a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP), a proposta representa um grande avanço. "A gente precisa avançar cada vez mais na concepção de que é preciso dividir os cuidados com os bebês, sobretudo os recém-nascidos, mas tem um segundo aspecto, que é a saúde do bebê. A amamentação é preconizada no mínimo por seis meses como alimento exclusivo. Como garantir isso se a mulher não tem condições de licença pra cuidar exclusivamente do seu filho? Então, garantir que haja licença inclusive pras atletas pra que elas não percam a sua remuneração é um passo fundamental pra saúde do bebê e o exercício pleno delas como trabalhadoras que são também."
Na avaliação da parlamentar, há terreno fértil na Câmara para se tentar garantir a aprovação da proposta, apesar da maioria conservadora que domina as cadeiras da Casa. "A bancada mais bolsonarista vai se opor a qualquer projeto que diga respeito aos direitos das mulheres, mas com o restante da Câmara eu acho que há espaço [de diálogo]. Acho que a bancada mais liberal pode alegar que isso vai trazer prejuízo pras empresas, mas aqui a gente está falando de uma política de governo, de Estado. Não interfere na liberdade das empresas de definirem [algo] sobre isso ou não", argumenta.
"E também tem um clima político na sociedade de discutir o tema da maternidade, reforçar os direitos das mulheres. Então, acho, na verdade, que os três projetos têm condições de avançar, inclusive porque são temas que apareceram muito durante a campanha eleitoral", emenda Sâmia.
Edição: Thalita Pires