O ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, recompôs a Comissão de Anistia em portaria publicada na edição desta terça-feira (17) do Diário Oficial da União (DOU). Foram reconduzidos ao colegiado antigos membros, com trajetória reconhecida na defesa de garantias fundamentais. Entre eles, perseguidos políticos pela ditadura civil-militar e especialistas em justiça de transição.
O ato normativo também exonerou os militares que haviam sido indicados à Comissão de Anistia pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em seu primeiro ano, a então ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, desmontou o colegiado com a indicação de nomes publicamente hostis a qualquer iniciativa de reparação ou memória às vítimas da ditadura. Para presidente da Comissão, por exemplo, foi nomeado o advogado João Henrique Nascimento de Freitas, autor de ação que terminou com decisão judicial de anular atos da Comissão, de 2007, de pagamento de indenização para viúva e filhos de Carlos Lamarca.
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Freitas também moveu ação contra indenização a camponeses vítimas de tortura durante a Guerrilha do Araguaia, conforme reportou a RBA na época. Agora, com o ato de reformulação, a Comissão passa a ser presidida pela professora da Universidade de Brasília (UnB) Eneá de Stutz e Almeida. A docente é referência no debate sobre justiça de transição e integrante da Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia. Eneá também já havia sido conselheira do colegiado entre 2009 e 2018.
Papel constitucional da comissão
Ao todo, o novo ministro indicou 13 novos nomes para compor a Comissão de Anistia. Entre eles, está Rita Maria Miranda Sipahi, também integrante do Conselho Diretor da Coalizão e presa política em 1971, pela Operação Bandeirante, por atuar em movimento estudantil contra o regime militar. Assim como Márcia Elayne Berbich Moraes; Ana Maria Lima de Oliveira; Vanda Davi Fernandes de Oliveira; Prudente José Silveira Mello; José Carlos Moreira da Silva Filho; Virginius José Lianza da Franca; Manoel Severino Moraes de Almeida; Roberta Camineiro Baggio; Marina da Silva Steinbruch; Egmar José de Oliveira; Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto e Mario de Miranda Albuquerque.
Os integrantes da Comissão, segundo a portaria, não serão remunerados. A participação, diz o texto, é uma "prestação de serviço público relevante, não remunerada". A medida acrescenta que os representantes do Ministério da Defesa e dos anistiados serão designados em ato posterior.
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Criada em 2002, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), a Comissão de Anistia foi fruto de acordo entre os ministérios da Justiça e do Exército. Por lei, ela deve cumprir determinação constitucional de reconhecer a responsabilidade do Estado brasileiro no desaparecimento e na morte de presos políticos durante a ditadura. A legislação também destaca que a Comissão só pode ser extinta quando localizar e identificar todos os mortos e desaparecidos por motivações políticas daquele período.
Desmonte no governo Bolsonaro
Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania do governo Lula informou que, durante a gestão bolsonarista, 95% dos pedidos de reparação integral foram negados. Ou seja, dos 4.285 processos julgados pela Comissão de Anistia, 4.081 foram indeferidos. Entre eles, o pedido da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT), presa e torturada por militares.
"Com a missão de reverter a interferência política propagada desde 2019 – no sentido de paralisar os trabalhos do grupo por meio da omissão do Estado brasileiro –, em 2023, o Poder Executivo reitera o compromisso de que os trabalhos a serem realizados pela Comissão de Anistia contarão com transparência e respeito à democracia brasileira", afirmou a pasta.
Movimentos celebram reformulação
A reorganização institucional da Comissão de Anistia também foi celebrada por movimentos sociais, entre eles, a Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia. A avaliação é que a partir de agora, o colegiado "tem plenas condições de retomar o rumo virtuoso e voltar a desempenhar esse papel central na elaboração e na promoção de políticas de reparação, memória e verdade", destacou a entidade.
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Levantamento divulgado pela RBA, em julho do ano passado, apontou a estimativa de que em 27 anos, apenas 10% do trabalho tenha sido realizado. A coalizão observa, porém, que a anistia que a comissão trata "é a promoção da memória das violações aos direitos humanos como forma de garantir sua não-repetição".
"Assim, trata-se do oposto de uma anistia pautada no esquecimento e na impunidade. Por isso, ao mesmo tempo em que saudamos a Comissão de Anistia e a reconstrução das políticas públicas de memória, verdade, justiça e reconhecimento, reforçamos a chamada para o grito de 'sem anistia' para os que atentaram e atentam contra nossa democracia no passado e no presente."