As invasões e ataques às sedes dos três Poderes ocorridos em Brasília no último dia 8 de janeiro por movimentos golpistas despertaram o repúdio de diversos países. Na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro e o chefe do Legislativo, Jorge Rodríguez, classificaram os atos como fascistas e expressaram apoio ao governo Lula.
Partidos políticos e movimentos populares venezuelanos também se manifestaram, afirmando que a estratégia violenta adotada pela extrema direita brasileira, que foi vista como algo inédito por muitos setores no Brasil, não é novidade na Venezuela.
As marchas de direita convocadas durante o golpe de Estado contra o ex-presidente Hugo Chávez em 2002 e até os protestos violentos de 2014 e 2017 conhecidos como "guarimbas" foram citados como exemplos por militantes da esquerda venezuelana ouvidos pelo Brasil de Fato.
"Existem semelhanças na forma de atuação dos grupos de ultradireita do Brasil e da Venezuela, assim como de outras partes do mundo, quando falamos de violência e transtornos de rua", afirma o deputado do PSUV Roy Daza.
Para o parlamentar, "a primeira vez que isso foi empregado na Venezuela foi precisamente antes do golpe de 2002, quando se utilizou como fato político uma marcha sobre o palácio Miraflores, sede do Executivo, com o objetivo de derrubar o presidente Chávez".
Naquela ocasião, as marchas convocadas por partidos de direita que ocorreram com mais força no dia 11 de abril de 2002 não conseguiram invadir a sede da Presidência venezuelana pois forças de segurança que se mantiveram leais ao presidente e milhares de apoiadores de Chávez se concentraram em frente ao edifício, inibindo os atos.
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A militante chavista Alina Lyon, que era uma das manifestantes defendendo o Miraflores no centro de Caracas durante os eventos, afirma ao Brasil de Fato que o objetivo das ações era invadir o palácio e gerar o caos como justificativa para derrubar o governo.
"Eles tinham alguns franco atiradores em lugares estratégicos justamente por conta da mobilização do povo. Eles sabiam que o povo ia se mobilizar para defender o governo, tinham certeza de que o povo sairia às ruas e por isso tinham que semear o terror, pois o que mais aterroriza é uma morte repentina, um impacto, claro, para gerar caos, medo e então desmobilizar", diz.
Já nas chamadas "guarimbas", que ocorreram em 2014 e 2017, o foco era exigir a saída do atual presidente Nicolás Maduro. O estopim das marchas da oposição foram as declarações dadas em 2013 pelo então candidato opositor à presidência, Henrique Capriles, dizendo que não reconhecia a vitória de Maduro e convocando a população a protestar contra os resultados eleitorais.
Ao longo dos meses, as marchas foram se radicalizando e escalaram para episódios violentos que envolveram invasões e incêndios contra prédios públicos e sedes de partidos de esquerda.
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Os episódios se repetiram três anos mais tarde, em 2017, quando partidos de direita voltaram a convocar apoiadores às ruas para derrubar o governo. Ônibus e automóveis incendiados, fachadas de prédios públicos vandalizadas e vias de diversas capitais do país bloqueadas foram algumas das táticas utilizadas pelos participantes desses atos.
Os protestos de 2017, no entanto, duraram mais tempo e se mostraram ainda mais violentos que os de 2014. Segundo a versão do governo, ao menos seis pessoas foram mortas e 23 foram atacadas durante os atos por serem simpatizantes ou apoiadores chavistas.
O caso mais emblemático desse tipo de violência ocorreu em maio daquele ano, quando o jovem de 22 anos Orlando Figuera foi linchado, esfaqueado e teve seu corpo incendiado após ser acusado de ser chavista por apoiadores da direita durante uma marcha na zona leste de Caracas. Segundo o relato da mãe do rapaz, que o encontrou no hospital ainda com vida, os participantes da marcha perguntaram a Figuera se ele era chavista e o jovem respondeu que sim. "O apunhalaram, lincharam, colocaram gasolina e queimaram. O queimaram vivo porque ele era negro e porque era chavista", disse a mãe em uma entrevista ao jornal Público.
Direita latino-americana tem ideias comuns
Apesar de encontrar diferenças significativas que respondem a processos políticos internos de cada país, a venezuelana Adriana Castaño Roman, pesquisadora do Instituto de Altos Estudos de América Latina da Universidade Simón Bolívar, afirma ao Brasil de Fato que existem objetivos comuns entre forças de extrema direita na região e que elas não atuam de maneira isolada.
"Há plataformas políticas comuns como o discurso anticorrupção e o questionamento através de diferentes teóricos sobre o erro da democracia das maiorias, é uma ideia que vem tomando força em escritos de opinião e teses e que vão semeando uma inquietude nas sociedades”, diz.
Para Roman, elementos como as lutas feministas e pelos direitos da população LGBTQIA+ são temas que ganharam força nos últimos anos e despertaram uma "emotividade reativa" que acabou unificando setores de ultradireita não só na América Latina, mas também no resto do mundo.
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"No Brasil, eu sei, há o elemento religioso que está ativo na política, com pastores e outras matrizes religiosas, que mais do que defender um discurso antidireitos, se baseia em uma ideia de religião portadora de verdades absolutas, uma religião que conserva os bons valores e conduzem ao correto e aí temos uma disputa importante", afirma.
A pesquisadora, no entanto, aponta algumas singularidades nas táticas da extrema direita venezuelana em relação aos grupos brasileiros como, por exemplo, a falta de apoio que encontram em "instituições não eleitas pela via direta" na Venezuela, entre elas as Forças Armadas e o Poder Judicial. Além disso, Roman destaca que a relação entre a ultradireita na Venezuela e a Casa Branca se tornou "escancarada" ao longo dos últimos anos.
"A direita venezuelana está na vanguarda desse tipo de oposição golpista desde o começo do século. Foi só depois do golpe de 2002 contra Chávez que começamos a observar golpes semelhantes em outros países da região. Mas o que acontece com a direita venezuelana? Aqui há uma relação direta e escancarada com os Estados Unidos, que financiam com muito dinheiro e dão proteção direta a essa oposição porque eles têm um objetivo estratégico na Venezuela por conta dos recursos naturais", diz.
O 'interinato' e seus golpes
A última estratégia adotada pelo setor mais extremista da direita venezuelana foi apostar na construção de um governo paralelo criando uma "presidência interina" para o ex-deputado Juan Guaidó que foi reconhecida pelos EUA, vários países da Europa e da América Latina.
Desmontado nas últimas semanas de dezembro de 2022, o "interinato" de Guaidó durou quase cinco anos e foi responsável por diversas tentativas de golpes de Estado e até de invasão ao território venezuelano. Desde a marcha utilizada para a autoproclamação do deputado como "presidente", em janeiro de 2019, até as Operações "Libertad", no mesmo ano, e "Gideón", em 2020, esse setor da direita venezuelana buscou derrubar o governo convocando militares a desertar e até contratando mercenários estadunidenses.
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O deputado Roy Daza afirma que esse grupo da direita não é novo, mas é formado pelos mesmos partidos e dirigentes que participaram do golpe de 2002 e das guarimbas de 2014 e 2017. "Muitos dos que participaram e convocaram essas marchas são hoje protagonistas da oposição venezuelana que, depois de 2017, passaram a integrar o governo de 'Narnia', que é como chamam o 'governo interino' de Juan Guaidó", explica.
Para a pesquisadora Adriana Castaño Roman, "os golpes de estado buscam cada vez mais se apresentar não como golpes, mas como uma luta pela recuperação da democracia, com uma roupagem de legalidade e legitimidade".
"Em outra época os golpes eram condenados mais rapidamente porque eram mais visíveis, mas hoje em dia há uma disputa que acontece dentro desse triângulo de poder que é formado pelos conceitos de força, legalidade e legitimidade, aos quais se somam os movimentos sociais nas ruas e na sociedade”, diz.
Edição: Thales Schmidt