Empurrões, socos, murros na cabeça, mão apertando o pescoço. Foi assim que Luís*, um entregador biker de 25 anos, afirma ter sido colocado para fora do estabelecimento iFood Pedal por um segurança, na última sexta-feira (9), no bairro paulistano de Pinheiros.
Na noite desta segunda-feira (13), mesmo embaixo de chuva, alguns entregadores de app fizeram um buzinaço no local, em protesto contra a violência deste caso específico e também contra a forma "preconceituosa" com que a categoria muitas vezes é tratada no cotidiano de trabalho.
O conflito aconteceu porque Luís não se conformou que, mesmo chegando antes do horário limite para pegar uma bicicleta - cujo aluguel ele já tinha pago -, ele foi impedido de retirar o instrumento de trabalho. E mesmo de ficar dentro do local.
"Estou procurando os meus direitos. Depois de ter sido espancado, perdi meu direito de trabalhar", expôs Luís, com um adesivo anti-inflamatório no pescoço. "Estou aqui com essa rapaziada que me deu apoio, se não fossem eles eu poderia ser mais um que teria que aguentar calado."
Esta unidade do iFood Pedal é uma das seis lojas de aluguel de bicicletas existentes no país, criadas há cerca de dois anos a partir de uma parceria entre a gigante do ramo do delivery e a empresa TemBici. As bicicletas elétricas podem ser usadas por até quatro horas seguidas pelo valor semanal de R$ 32 e, em troca, o espaço funciona como ponto de apoio para que entregadores possam sentar, beber água, carregar o celular, usar o banheiro. De acordo com a empresa, cerca de 18 mil entregadores no Brasil estão cadastrados no iFood Pedal.
"Eu fui empurrado para fora do estabelecimento, ele continuou batendo na minha cabeça com força, sem parar. A ponto de eu começar a perder minha consciência", relata o entregador. "Porém, eu procurei me manter firme de pé, porque eu pensei comigo mesmo 'se eu cair aqui no chão, na raiva que ele está, vai pisar na minha cabeça e me matar'", afirma.
Entenda o que aconteceu
O desentendimento do segurança da empresa terceirizada Águia com Luís aconteceu algumas horas antes do jogo da Copa do Mundo em que a Croácia eliminaria o Brasil. Durante a parte da manhã, só podem retirar bicicletas os trabalhadores que tenham feito agendamento até meia noite do dia anterior. Depois, é possível alugar bikes no período da tarde sem agendamento até as 14h30.
Luís, que trabalha para o iFood desde agosto e tem essa como sua única fonte de renda, chegou no estabelecimento às 13h44. Devolveu a bicicleta que usou, com agendamento, e pretendia pegar outra, para seguir trabalhando. Segundo conta, o segurança disse que era preciso esperar a manutenção das bicicletas.
A espera durou até 14h31, quando foi dito que ninguém mais poderia retirar bicicleta nenhuma. O segurança mandou Luís ir embora. Ele disse que ficaria, que precisava trabalhar e que pagava para poder usar o estabelecimento. Em pouco tempo, a discussão descambou para agressão física. Um boletim de ocorrência foi registrado no 63º Distrito Policial da Vila Jacuí.
"Eu pago um plano de R$ 32 por semana. Porém, nunca sai exatamente R$ 32 por semana", explica Luís. "Porque a cada vez que eu pego a bicicleta eu pago uma taxa. Por exemplo, de R$1,99. Se eu tiver um atraso e passar das quatro horas, eu pago uma multa. Então eu costumo pagar por semana em torno de R$45, o que dá quase R$200 por mês", descreve.
"Fiz uma reclamação porque eu pago para utilizar aquele serviço. E simplesmente fui agredido, espancado, humilhado. Na frente de todo mundo. Foi um momento difícil para mim, desde então eu não saí para trabalhar porque fiquei com medo", conta.
"E o preconceito continua"
O Brasil de Fato entrou em contato com o gerente desta unidade do iFood Pedal e com a assessoria do estabelecimento, que informou em nota, que a TemBici "repudia qualquer tipo de violência e mantém treinamentos e acompanhamento constante de todos os colaboradores e terceirizados, prezando sempre pelo respeito nas relações e nos ambientes em que opera".
A nota diz, ainda, que a empresa tem ciência do episódio, que "solicitou o afastamento do colaborador terceirizado envolvido para apuração dos fatos e que todas as medidas necessárias serão aplicadas".
Fábio Júnior faz entregas de moto pelo iFood e foi até Pinheiros em solidariedade a Luís. Na visão dele, o caso não é isolado. "Racismo, racismo total com os motoqueiros", opina, ao relatar sobre restaurantes que impedem que entregadores esperem do lado de dentro, possam se sentar ou usar o banheiro.
Recentemente, segundo conta, Fábio foi retirado à força por um segurança quando entrou em um restaurante no bairro da Mooca para retirar um pedido. "Na maior arrogância, estupidez, nem com cachorro você faz isso", se indigna. "E assim vai e o preconceito continua. Tratam nós igual lixo", resume Fábio. "A gente tem que se unir para ir para frente e acabar com isso", defende.
Apesar do afastamento do segurança do iFood Pedal da rua Cardeal Arcoverde, Luís não se sente seguro para voltar a frequentar o espaço. O mal estar estremeceu a relação com dois entregadores que trabalham ali e que acham que o segurança teve razão, já que a discussão começou depois das 14h31.
Depois de sair do emprego em uma padaria, Luís conta com a remuneração das entregas por app para sustentar suas duas filhas. Uma tem quatro anos e a outra, prestes a completar dois meses, se alimenta de fórmula infantil, produto que pesa no seu orçamento. Para se deslocar até o protesto, ele teve de pegar dinheiro emprestado para custear o transporte público de São Miguel Paulista até Pinheiros. Agora, um grupo de entregadores pretende organizar uma vaquinha para tentar comprar para ele a própria bicicleta.
*Nome alterado para preservar a fonte.
Edição: Nicolau Soares