A jornalista Débora Pinho, de 33 anos, viveu momentos de terror dentro de seu apartamento, no condomínio Edifício Terracota, no bairro de Mirandópolis, na zona sul de São Paulo, durante o período eleitoral. Ela, que tem adesivos a favor de Lula (PT) na porta de sua casa, e foi ameaçada de morte, além de receber injúrias de seu vizinho de andar Luís Fernando Fray Ferreira, de 50 anos, que se apresenta como apoiador de Jair Bolsonaro (PL).
O pior momento foi em 15 de outubro, um dos quatro ataques contra a jornalista. Neste dia, as ameaças cresceram tanto que Pinho foi à polícia. Além de um boletim de ocorrência, ela pediu no 16º Distrito da Polícia Civil de São Paulo uma medida protetiva.
Débora e seu advogado, Bruno de Oliveira, não sabem dizer, entretanto, em que pé está o inquérito, porque a escrivã responsável pelo caso saiu de férias sem antes digitalizar tanto a petição quanto o depoimento de testemunhas.
Ataques
No total, foram quatro ataques, nos dias 9 de setembro, 15 e 26 de outubro e 26 de novembro. “Nesse 15 de outubro, que foi o mais grave, eu vivi cenas dignas de um filme de terror, porque ele chegou no prédio já gritando, bem transtornado. Aí ele chegou no hall falando um monte de besteira, provocando a minha cachorra e continuou falando dentro da casa dele. Isso começou por volta da meia-noite e meia e foi até cerca de duas horas da manhã”, afirma Débora.
Ao ouvir as ameaças e xingamentos, a jornalista colocou um gravador de som próximo à porta de seu apartamento e se fechou no quarto com a sua cachorra. Dali de dentro, acionou a síndica, os vizinhos e familiares. “Foram duas horas de muito terror, porque ele fez ameaças muito graves, que foram escalando.”
Entre as frases desferidas contra Débora, Luis Fernando Fray Ferreira disse que é “militar há 15 anos” e que é “Bolsonaro”. “Você vai ver se eu não sento o dedo, bando de filha da puta, baianada do caralho. Seu cachorrinho vai rodar, viu, baianinha. Você é locatária. Eu sou proprietário, baianinha. Vou te ensinar quem é gente aqui, petista do caralho. Vai tomar no teu cu, baianinha do caralho, petista, saco de bosta. Vem que eu tô no apetite. Vou te ensinar quem é homem aqui nessa bosta”, diz o agressor em um dos trechos gravados por Débora.
Em outro momento, Ferreira intimida a jornalista a se mudar do local e ameaça agredir seu cachorro. “Seu cachorrinho vai rodar, viu, baianinha. Ou você muda ou você morre. Puta que pariu. É um saco de bosta. Sabe o que você tem que fazer? Muda de lugar. Vai morar na Brasilândia, Paraisópolis… Vai morar nessa bosta aí. Você é inquilina, saco de bosta”, disse em outro trecho. Débora está no condomínio desde agosto de 2020. Ferreira teria se mudado para o local no segundo semestre do ano passado.
Ferreira também afirma que já “matou dois” e lamenta por não poder sair armado. "Vai… Eu já matei dois. Dois. Se eu trombar, o bagulho vai ficar estranho. Cai para dentro, filha da puta. Mano, é 40 anos de área. Vamos ensinar a baianada aqui a ser gente. Petista do caralho. Pena que eu não posso sair armado. Se não você ia ver só. Eu ia deitar fácil. Saco de bosta. Filha da puta. Vai trabalhar, baianinha do caralho”, disse.
Diante das ameaças, Débora Pinho decidiu deixar o apartamento naquela madrugada e só voltou para fazer as malas para uma viagem e em outras ocasiões para fazer a mudança. “Eu não posso continuar aqui, porque eu não tenho peito de aço. Eu não sei, pelo nível de ameaças que ele fez, se realmente tem uma arma. Eu passeio com a minha cachorra todos os dias. Esse bairro é muito ermo. E ele sabe que eu passei com a cachorra. Acho que foi a melhor coisa que eu fiz”, afirma Débora.
Nos dias em que a jornalista esteve fora de seu apartamento, os vizinhos afirmaram que os episódios de ameaças, xingamentos e gritos cessaram, o que, para Débora, reforça que os ataques são dirigidos a ela, a única mulher do andar.
Reclamações anteriores aos ataques
Antes de iniciar os ataques dirigidos à Débora, Luís Ferreira teria sido alvo de reclamação pelo barulho excessivo que costuma fazer de dentro de seu apartamento, segundo a jornalista. “Ele é uma pessoa que faz muito barulho de madrugada. Ele começa a surtar, jogar coisa no chão, dar murro na parede, xingar alto, colocar música no último volume. Ele dá um soco na parede tão forte que eu escuto do meu lado. Ele já foi alvo de reclamação por causa de barulho”, diz.
Débora, inclusive, afirma que um dos possíveis motivos que a fez ser alvo do vizinho bolsonarista é uma multa que ele teria recebido após barulho excessivo. Para ela, Luis Ferreira acredita as reclamações teriam partido dela.
No próprio dia 15 de outubro, Luis Ferreira colocou música em volume suficiente para os vizinhos reclamarem do barulho em um grupo de WhatsApp. Uma das moradoras questionou se “alguém do 4º andar tá ouvindo música alta??”. Outra moradora disse que “o cara estava completamente transtornado, perigoso demais. Muitos gritos, socos na parede. Terrível”.
Diante das mensagens, Débora comentou que não eram somente gritos e socos, mas ataques e xingamentos dirigidos a ela. Os moradores demonstraram preocupação e orientaram pela abertura de um boletim de ocorrência, como foi realizado. “Na verdade, no prédio está todo mundo com medo e acuado.”
Débora também conta que, pela regra do condomínio, Luís Ferreira deveria ter recebido uma segunda multa com o dobro do valor da primeira, mas até agora a medida não teria sido efetivada. O Brasil de Fato entrou mandou uma mensagem para a síndica do condomínio sobre as providências tomadas contra Luis, mas até o momento não houve uma resposta. O espaço está aberto para pronunciamento.
Polícia
No 16º Distrito da Polícia Civil de São Paulo, Débora Pinho afirma que foi vítima mais uma vez. Além dos documentos que não foram digitalizados, a escrivã responsável pelo caso teria “ficado o tempo todo ressaltando que estava saindo de férias” e que, portanto, não teria tempo para transcrever as gravações das agressões. O trabalho de ouvir todo o áudio e transcrevê-lo ficou sob responsabilidade da própria Débora.
“Ela falou que não tinha como ouvir esses áudios no computador da delegacia e que não tinha tempo, como sempre, porque ela ia sair de férias, e aí ela me pediu para eu ouvir e transcrever as partes mais importantes”, afirma.
“Ou seja, eu tive que reviver a minha violência. Eu escutei esses áudios tendo taquicardia. Eu escutei passando mal, porque eu não gosto de ouvir esses áudios. Eu escuto, fico com o meu coração disparado na hora. Eu vou no meu apartamento e eu escuto qualquer movimentação, o meu coração dispara.”
A escrivã também teria questionado a autodeclaração de raça de Débora. “Num determinado, depois do final do depoimento, ela virou pra mim e falou assim: ‘É, mas a senhora não é negra, né? A senhora é parda’, questionando a minha autodeclaração e tipo como se ela tivesse uma régua para dizer quem é negro e quem não é”, disse Débora. A escrivã também teria dito também é filha de baianos, mas não votou no mesmo candidato que a jornalista, em Lula. “Achei bem desnecessário a ter enfatizado isso.”
Segundo Bruno de Oliveira, advogado de Débora Pinho, teoricamente todos os documentos deveriam estar digitalizados. Sem a digitalização, tanto o advogado como a vítima não têm acesso aos autos do processo. Mas não só isso. “Eu pedi uma medida protetiva. Em que pese a Lei Maria da Penha somente para relacionamentos domésticos, já há entendimento aqui no estado de São Paulo por juízes e alguns promotores, que pode ser aplicada a Lei Maria da Penha em relação vizinhos”, afirma Oliveira.
O advogado solicitou a instauração de um inquérito policial com base na acusação contra Luis Fernando Fray Ferreira por injúria qualificada ao chamar Débora de “baianinha” e por ameaça.
De acordo com o Código Penal, em seu artigo 140, injuriar alguém significa ofensa à dignidade de, com base em elementos referentes à sua raça, cor, etnia, religião, idade ou deficiência. A pena é reclusão de um a seis meses ou multa. Já o crime de ameaça está previsto no artigo 147 do Código Penal e consiste em ameaçar alguém, por palavras, gestos ou outros meios, de lhe causar mal injusto e grave. A pena também é de reclusão de um a seis meses ou multa.
Os outros lados
O Brasil de Fato buscou Luís Fernando Fray Ferreira, tanto por telefone como por mensagem de whatsapp, mas ele preferiu não se manifestar. O espaço está aberto caso resolva explicar seu lado na história.
A reportagem também entrou em contato com a escrivã responsável pelo caso. Ela informou por telefone que o acusado foi ouvido, o inquérito, instaurado e que não poderia dar detalhes sobre o caso.
Foi contatada ainda a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo com questionamentos sobre a conduta da escrivã e a tramitação do processo. Em nota, a pasta informou que o caso é investigado por um inquérito policial.
“O pen drive com os áudios foi encaminhado para a perícia do Instituto de Criminalística (IC) para transcrição. Já foram colhidos os depoimentos da vítima, da testemunha e do investigado. A autoridade policial solicitou para a Justiça mais prazo para a conclusão do inquérito”, informou.
Edição: Rodrigo Durão Coelho