Apesar do término oficial da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27) na sexta-feira (18), as negociações relacionadas ao acordo final a ser assinado entre os países seguem até este sábado (19), segundo informações divulgadas pela agência da ONU. Os participantes buscam um consenso sobre, por exemplo, o apoio a países menos desenvolvidos e a meta de evitar que a temperatura média global suba acima de 1,5º C.
Maior evento sobre o tema, a COP ocorre em Sharm el-Sheikh, no Egito, e reúne interlocutores de governos de diversas partes do mundo, parlamentares, integrantes da sociedade civil organizada, entre outros atores. A conferência tem como foco a busca por soluções que enfrentem as mudanças climáticas pelas quais passa o planeta.
O presidente da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), viajou para participar da conferência e, na ocasião, conversou com a rádio Brasil de Fato sobre o assunto. O pessebista chamou a atenção para os riscos que o aumento da temperatura global oferece não só à biodiversidade, mas à própria vida humana.
Também destacou a importância do Brasil no processo de contenção de políticas destrutivas para o meio ambiente e no debate sobre a mudança de modelo de desenvolvimento.
“O Brasil está no lugar certo, na hora certa pra ser um exemplo pro mundo, pra ser a grande potência ambiental que vai gerar emprego e renda, que vai distribuir prosperidade e proteger o meio ambiente”, afirma. Confira a seguir os principais trechos da conversa.
BdF - A COP é uma referência mundial em termos de debates sobre a agenda ambiental, assim como a Frente Ambientalista também cumpre um papel importante no Legislativo federal em termos de articulação contrária ao desmonte de políticas nessa área. A ida à COP 27 ajuda a escolher melhor o norte de atuação dos parlamentares que lidam com esse tema? Isso qualifica a atuação de vocês?
Sem dúvida. A participação na COP mostra aos parlamentares a dimensão do que se espera do Brasil. Num encontro como esse, conversando com parlamentares de vários outros países, fica claro pra gente o tamanho da expectativa que o mundo tem sobre o Brasil. Isso certamente contribui pra aumentar o nosso senso de responsabilidade e a nossa determinação em perseguir, em buscar uma legislação que garanta a proteção ambiental do Brasil que faça com que o Brasil cumpra o seu papel perante a espécie humana, ajudando no combate ao aquecimento global e, portanto, contribuindo para a sobrevivência da espécie humana e das gerações daqueles que ainda não nasceram.
BdF - O senhor já está há alguns dias aí no Egito e a COP evoca diferentes subtemas ligados à questão do clima, como aquecimento global, impacto climático, o papel do agronegócio nesse cenário, as políticas econômicas que podem reduzir esses impactos, etc. O que destacaria aqui pra gente em relação aos debates que têm visto até o momento?
Eu acho que o mundo está passando por um momento de tomada de uma decisão de implementar as políticas públicas em todos os países necessárias pra evitar que o mundo ultrapasse o limite de 1,5º C de aquecimento da temperatura média acima da temperatura média pré-industrial. Pra quem não entende esses dados, até porque é uma linguagem técnica complicada, o que o mundo entendeu com todos os estudos científicos feitos até agora é que o máximo que a temperatura média do planeta pode aumentar em relação à temperatura média antes da Revolução Industrial é de 1,5º C.
Se o mundo passar desse aumento, a vida na Terra começa a ficar comprometida. E, se passar de 2º C, a tragédia será imensa. Só pra dar um exemplo, se nós aceitarmos o aquecimento médio de até 1,5º C, o que já é bastante difícil porque a tendência é que se ultrapasse esse valor, vamos perder cerca de 70% dos corais do mundo porque a temperatura do mar vai ser elevada. O problema é que os corais, além da sua beleza, têm um impacto na vida marinha, ou seja, isso vai prejudicar a sobrevivência de várias outras espécies. E, se o mundo se aquecer em 2ºC, nós vamos perder 100% dos corais.
A diferença entre 1,5º C e 2º C não é apenas de 0,5º C, mas significa acabar com os corais nos oceanos de toda a Terra. Esse 0,5º C, que pode parecer pouco, é mais ou menos aquele 0,5º C que faz com que alguém esteja com febre. Por que 0,5º C é tão importante? Bom, na própria temperatura do corpo, 0,5º C a mais significa que você não está bem, está doente, com febre. Então, é um esforço enorme que o planeta precisa fazer pra evitar que a gente passe de 1,5º C.
Se nós fizermos todos os esforços imediatamente, não será fácil limitar o aquecimento global a 1,5º C. Se não fizermos, a gente certamente vai passar de 2º C, e isso pode significar que a espécie humana vá desaparecer em algum momento. Não é que o planeta vai acabar. O planeta vai continuar existindo, mas nós vamos destruir milhões de espécies, inclusive a nossa. É muito grave, é um momento muito delicado. Então, esta COP é uma COP em que se chega a essa conclusão, em que se percebe que ou se faz alguma coisa imediatamente ou pode ser tarde demais.
BdF - Isso nos remete a outros pontos, como a proteção aos povos indígenas e a busca por um modelo de desenvolvimento sustentável. Temos um processo de transição de governo agora no Brasil e a pauta de meio ambiente integra a agenda política do momento. A frente ampla que se criou em torno da eleição do presidente eleito Lula (PT) é bastante ampla, reúne agentes políticos de tendências muito distintas. O senhor acredita que o Brasil possa, apesar disso, seguir um rumo mais equilibrado do ponto de vista ambiental a partir de agora?
Eu não tenho dúvida de que o rumo do Brasil vai mudar com a assunção à presidência da República por Lula. Eu acho que ele tem toda a clareza do que o mundo espera dele e de tudo o que ele pode fazer. Eu percebo o Lula muito consciente desse seu papel, da expectativa e da responsabilidade que recai sobre os seus ombros e tenho plena convicção de que ele vai estar à altura disso.
Então, tenho uma enorme expectativa também, como todo o planeta, de que a política ambiental brasileira vá mudar radicalmente, de que teremos um governo comprometido com a proteção ao meio ambiente e com o enfrentamento à crise climática, ao aquecimento global. Isso, como você disse bem, significa não apenas combater o desmatamento, o que é indispensável pro Brasil, mas, ao lado disso, é preciso também tomar outras medidas, como, por exemplo, adotar um novo modelo de desenvolvimento.
Isso significa uma transição do modelo econômico atual, baseado no petróleo e no carbono, pra um modelo econômico verde, com energia limpa, com atividades industriais de uma indústria moderna, intensiva em ciência e tecnologia, com eletrificação das frotas, com transportes públicos de massa limpos, com uma agricultura de baixo carbono, com recuperação de pastagens degradadas, e assim por diante. São muitas medidas que podem contribuir pra essa transição de uma economia poluente pra uma economia que não sacrifique a vida do planeta.
Isso é plenamente possível e, mais do que isso, eu diria que a grande novidade é que ficou claro pro planeta que isso é uma oportunidade de criação de emprego e renda, prosperidade, geração de riqueza. Portanto, a proteção ambiental, que alguns anos atrás era vista como um empecilho, uma barreira, ultimamente tem sido vista como uma oportunidade de um outro tipo de desenvolvimento, que gere riqueza, renda, prosperidade e que, ao mesmo tempo, proteja o planeta. É isso que está claro pro mundo.
E o Brasil está no lugar certo, na hora certa pra ser esse exemplo pro mundo, pra ser a grande potência ambiental que vai gerar emprego e renda, que vai distribuir prosperidade e proteger o meio ambiente. É tudo o que o mundo quer do Brasil e é tudo o que a gente quer do Brasil e do mundo, ou seja, a gente está com a faca e o queijo na mão, e eu tenho certeza de que o Lula vai chutar essa bola pra dentro do gol e vai fazer esse gol.
BdF - O Brasil vem seguindo nos últimos anos um rumo contrário a essa expectativa, e o Congresso passa a ter uma configuração um pouco mais conservadora a partir do ano que vem. Essa matemática legislativa pode ser um entrave muito grande à promoção de avanços nessa área da agenda ambiental?
Sem dúvida, esse é o maior desafio. A maior luta pra essa agenda ser vitoriosa vai ser dentro do parlamento porque teremos um governo progressista e um parlamento de outra tendência política majoritária. Mas eu não considero esse desafio insuperável. Eu acho que, com diálogo e com capacidade de construção de pontes, de soluções, ou seja, com política, é possível construir consensos e tornar o parlamento parceiro desse avanço.
Pra isso, é preciso saber apresentar essas pautas da forma correta, com uma linguagem que mostra que isso é a solução pra todos os setores, porque isso não prejudica um setor econômico. Isso é benefício pra todos os setores. Naturalmente, significa uma adaptação de todos eles, mas que, ao fim e ao cabo, vai gerar prosperidade e riqueza pra todos.
Então, certamente, o maior desafio pra isso está no parlamento, mas não considero isso insuperável. Acho que, com política bem feita, com diálogo, com construção de pontes, é possível mostrar que esse é o melhor caminho para o Brasil, portanto, pra todos os setores sociais.
BdF - De algumas semanas pra cá, entidades civis chamaram a atenção para o risco de a bancada ruralista conseguir aprovar ainda agora no final do ano um combo de propostas que são consideradas perigosas ao meio ambiente, como o PL da Grilagem e o PL do Veneno. A eleição do Lula dificulta isso?
Eu não acredito que haja mais ambiente pra se votar qualquer coisa dessas. O ditado diz “rei morto, rei posto”, quer dizer, o governo Bolsonaro já acabou. Ele não vai acabar no dia 31 de dezembro. Bolsonaro já é praticamente um ex-presidente. O seu tempo passou. Ele perdeu a oportunidade de ajudar o Brasil, de fazer o Brasil melhorar e dedicou o seu governo às piores ações – ridicularizou as pessoas que morreram por falta de ar, desprezou a vida, destruiu o meio ambiente, isolou o Brasil na política externa, fez um péssimo governo.
Portanto, não há mais ambiente pra que ele ou os seus parceiros implementem a política que foi derrotada nas urnas. Eu acho que esse fim de governo é um fim melancólico pro Bolsonaro e seus aliados e acho que essas propostas que representam um ataque ao meio ambiente não têm mais ambiente pra serem aprovadas neste final de ano. Eu acho que esse debate vai ficar pra próxima legislatura, e aí, com um novo governo, nós temos tudo a favor pra fazer o Brasil voltar a avançar.
Edição: Raquel Setz