O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, em seu primeiro pronunciamento após a vitória no último domingo (30), afirmou que retomará o protagonismo do Brasil na política externa. Com histórico de boas relações entre Lula e o presidente russo Vladimir Putin, cresce a expectativa sobre a condução da diplomacia do novo governo brasileiro em relação à guerra na Ucrânia e a interação com Moscou.
Ainda na semana passada, ao comentar as eleições brasileiras, o presidente russo, Vladimir Putin, destacou a parceria estratégica com o Brasil e as boas relações que sempre manteve com os governos brasileiros.
“Temos boas relações com o Sr. Lula, e temos boas relações com o Sr. Bolsonaro. Nós não interferimos nos processos políticos internos. Essa é a coisa mais importante”, disse ele ao ser questionado sobre a posição da Rússia em relação à votação no Brasil ainda antes da votação de domingo que elegeu o petista.
Por mais que a relação entre Bolsonaro e Putin tenha gozado de certa simpatia - seja pelo pragmatismo russo em manter o Brasil como parceiro estratégico, seja pela proximidade ideológica entre ambos no discurso conservador -, o tom geral da repercussão na Rússia sobre a vitória de Lula é de que as relações entre os dois países não devem sofrer alterações após a troca presidencial.
Em primeiro lugar, a política externa da Rússia em relação à América Latina sempre foi mais pautada por uma linha pragmática, sem definir alinhamentos a partir do espectro ideológico. Com o cenário de uma "nova Guerra Fria" que foi instaurado entre Moscou e o Ocidente nos últimos anos, alcançando o seu ápice com o início da guerra na Ucrânia, a Rússia elaborou em março uma lista de países “hostis” por terem aderido às sanções contra Moscou. O Brasil não foi incluído à lista.
“O consenso de interação no âmbito dos BRICS tem para nós um significado prioritário, nós partimos disso. Também temos consenso na interação com o Brasil. Nós consideramos o Brasil como o nosso parceiro mais importante na América Latina, essa é a realidade, e vamos fazer de tudo para que as relações se desenvolvam no futuro”, destacou Putin.
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Assim, a importância que a Rússia dá ao grupo BRICS se insere na busca de afirmação de protagonismo no cenário internacional em meio ao drástico isolamento que o Ocidente impôs a Moscou. Ao mesmo tempo, é muito presente na Rússia a percepção de que o período de maior projeção do BRICS no mundo se deu justamente durante os mandatos de Lula na presidência do Brasil.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor de Relações Internacionais da Universidade de São Petersburgo, Victor Jeifets, observa que “foram estabelecidas certas relações particulares” entre Putin e Bolsonaro. “Em certas questões eles se entendem muito bem, ambos se autointitulam conservadores. Por outro lado, o presidente russo também teve boas relações com o presidente Lula”, destaca.
No dia seguinte à vitória de Lula nas eleições, Vladimir Putin enviou um comunicado parabenizando o presidente eleito, destacando sua “alta autoridade política”. A chancelaria russa também emitiu uma nota destacando as perspectivas positivas de cooperação com Brasil na ONU, BRICS e G20.
Ao mesmo tempo, durante a campanha eleitoral, Luiz Inácio Lula da Silva não deixou de criticar a empreitada militar da Rússia na Ucrânia, afirmando que “é lamentável que na segunda década do século XXI a gente tenha países tentando resolver suas divergências, sejam territoriais, políticas ou comerciais por meio de bombas”.
“Eu acho que ninguém pode concordar com guerra, ninguém pode concordar com ataques militares de um pais sobre outro […] A gente está acostumado a ver que as potências de vez em quando fazem isso sem pedir licença, foi assim que os EUA invadiram o Afeganistão, invadiram o Iraque, sem pedir licença para ninguém, foi lá e invadiu. Foi assim que a França e a Inglaterra invadiram a Líbia, e é assim que a Rússia esta fazendo com a Ucrânia", disse.
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O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, também parabenizou Lula pela vitória nas eleições brasileiras, destacando que o Brasil é um “amigo da Ucrânia de longa data”. Na nota, ele afirmou que confia na “colaboração ativa” entre os países e no reforço das relações estratégicas a fim de assegurar “democracia, paz, segurança e prosperidade no Brasil e no mundo inteiro”.
Por outro lado, apesar de se manifestar criticamente à guerra que a Rússia iniciou na Ucrânia, Lula foi um dos poucos líderes mundiais que também fez críticas a Zelensky. O presidente eleito do Brasil afirmou que o líder ucraniano “quis a guerra”, que ele é “tão responsável quanto Putin pela guerra”.
Segundo o diretor do Centro de Estudos Ibero-americanos da Universidade de São Petersburgo, Victor Jeifets, a posição de Lula sobre a guerra “é um tanto particular”.
“Lula fala claramente que não apoia as ações militares [da Rússia], que ele considera isso errado, no mínimo como um erro, mas ao mesmo tempo ele considera que isso é uma continuação de um conflito que tem a participação de várias partes”, afirma.
De acordo com ele, a postura do presidente eleito “se encaixa muito na disposição de Lula fazer do Brasil um país importante como um ator global”.
“Aqui não é só uma questão de mostrar seu papel no mundo para se tornar um membro permanente no Conselho de Segurança da ONU, mas a questão é que isso se encaixa na visão de Lula sobre o mundo, que o Brasil não pode se fechar no âmbito nacional, o Brasil não pode se fechar no âmbito da América do Sul, o Brasil deve abrir-se para o mundo ativamente, e justamente assim conseguir restabelecer o crescimento econômico do Brasil”, analisa.
Ao buscar a retomada do protagonismo na política externa e não reiterando o discurso do Ocidente de condenar unilateralmente a Rússia, Lula abre uma perspectiva favorável para o Brasil exercer um papel de mediador na crise da Ucrânia.
Ainda em setembro, Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, se eleito, pretende conversar com Rússia e Ucrânia pelo fim da guerra.
"Se a gente ganhar e a guerra não tiver acabado, nós vamos conversar com eles e dizer que guerra não interessa a ninguém, apenas aos vendedores de armas, e nós queremos vender cultura, livros, comida à humanidade", disse Lula na ocasião.
Para Victor Jeifets, se Lula decidir tomar para si a iniciativa concreta de realizar negociações sobre a guerra da Ucrânia, “sua proposta poderia ser aceita tranquila e positivamente” por Moscou, “como foi aceita em seu tempo a proposta do presidente turco Erdogan”.
“Ou seja, no caso do Lula, Moscou terá a certeza de que o organizador das negociações, se assim ocorrer, não teria ‘intenções secretas’, mas genuinamente tentaria fazer com que tudo terminasse com paz”, completa.
Edição: Arturo Hartmann