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"Não é que eu sofri racismo, eu sofro racismo", diz homem ameaçado com uma arma por Zambelli

"Eu sei que o Estado não tá nem aí pra pessoas pretas da periferia, mas dessa vez foi mais explícito", diz jornalista

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Carla Zambelli corre armada pelo centro de São Paulo - Foto: Reprodução/Instagram

Ameaçado com uma arma pela deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) um dia antes do segundo turno, o jornalista Luan Araújo, de 32 anos, virou símbolo dos riscos que o extremismo político propagado pelo bolsonarismo representam para o Brasil.

Em entrevista exclusiva para o Brasil de Fato, ele diz que teme pela própria vida e pela integridade dos amigos e da família. Luan fala também sobre o racismo explicitado na cena, que aconteceu numa região nobre de São Paulo, em plena luz do dia.

"Nunca pensamos que isso pudesse escalar pra esse ponto, por conta de uma provocação ela partir pra cima com uma arma na mão. Ainda mais uma parlamentar que é uma liderança dando essa mensagem. Isso é o mais assustador. E eu sei que o Estado não tá nem aí pra mim, pra pessoas como eu, pretas da periferia, mas acho que dessa vez o negócio foi mais explícito."

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O jornalista saia de um evento com amigos, quando diz ter sido provocado pela equipe de Carla Zambelli, na porta de um restaurante. Segundo ele uma pessoa que estava com a deputada gritou "aqui é Tarcisio". Em seguida, Luan respondeu: "Amanhã é Lula, vocês vão perder."

A partir daí, a situação se agravou. A parlamentar e um segurança dela passaram a perseguir Luan pela rua. O jornalista entrou em um bar e foi cercado pela pela equipe de Zambelli.

Sob a mira de um revólver, ele foi obrigado a deitar no chão, enquanto pessoas que estavam com a parlamentar gritavam para que Luan pedisse desculpas.

Leias abaixo a conversa que Luan teve com o BdF na íntegra:

Brasil de Fato: O que aconteceu ontem à tarde com a deputada federal Carla Zambelli?

Luan Araújo: Basicamente, o que eu falei ontem no depoimento da polícia. Eu estava em um chá de bebê com uns amigos meus. Nós estávamos saindo pra ir comemorar. Estávamos indo pro carro pra sair quando avistamos ela na frente do carro.

Eu vi que era ela. Eu olhei de novo pra ela quando eu ouvi uma frase "aqui é Tarcísio", aí eu xinguei ela e começou o bate-boca. Chegou um momento em que eu fiquei irritado, eu falei coisas, ela falou coisas, até o momento em que ela veio pra cima de mim, caiu, e aí eu saí correndo porque não só ela, mas todos os seguranças dela lá foram pra cima de mim.

Eu vi que estavam com arma, aí eu ouço o tiro, um barulho perto de mim. Saí correndo mais ainda, quase fui derrubado. Vejo que a própria Carla Zambelli tá com a arma apontada pra mim, aí eu penso em ir correndo pra primeira lanchonete que eu ver. E fui pra lá.

Lá dentro, ela ficou gritando "deita no chão, deita no chão", como se fosse uma policial. Aí eu deitei. Aí com arma apontada eles ficavam falando "pede desculpa, pede desculpa", aí eu "não vou, não vou", até que pedi desculpas e fui embora com meu amigo.

Como está tua família?

Nós estamos bem, estamos seguros, eu e minha mãe. Minha namorada, que estava lá comigo, e meus amigos que estavam lá comigo também. Estamos bem, mas estamos digerindo tudo o que aconteceu.

Nunca imaginamos que isso pudesse escalar pra esse ponto, por conta de uma provocação ela partir pra cima com uma arma na mão, ainda mais uma parlamentar que é uma liderança dando essa mensagem.

Isso é o mais assustador. Eu sei que o Estado não tá nem aí pra mim, pra pessoas como eu, pretas da periferia, mas acho que dessa vez o negócio foi mais explícito.

A Sheila de Carvalho, sua advogada, falou que vocês queriam denunciar a Carla Zambelli por racismo. No final o boletim de ocorrência chegou e a delegada protegeu a Carla neste ponto, não denunciou por racismo. Na sua interpretação, você foi alvo de racismo?

Eu sou alvo de racismo. Pessoas como eu são alvo de racismo. Não é que algo que ontem eu fui alvo de racismo. Eu sou alvo preferencial do racismo estrutural, então acho que é é algo mais profundo. Não vai ser uma tipificação de crime que vai resolver isso. São políticas públicas mais efetivas.

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É o fato dela ter falando "me mandaram um negro", né? A minha condição de negro ser uma uma condição, para muitos, inferior, isso vem do racismo estrutural. Então eu acho que não é que eu sofri racismo, eu sofro racismo. 

Deu tudo certo no seu voto?

Fui votar hoje de manhã, deu tudo certo, sim. 

E daqui pra frente? Você já refletiu sobre os próximos passos?

Eu acho que estou esperando a poeira abaixar. Eu ainda estou assustado. Lógico que minha intenção é levar isso pra frente, mas, ao mesmo tempo, eu tenho muito medo com o que pode acontecer comigo, com minha família, meus amigos.

Sei que é importante levar isso pra frente. Mas no momento o que eu mais quero é ficar mais sossegado. Deixar poeira abaixar e ficar sossegado.

*Colaboraram: Nara Lacerda, Lucas Weber e Rodrigo Chagas

Edição: Nicolau Soares