Impasse

Pacientes, ativistas e médicos protestam por uso terapêutico de maconha e contra CFM

Alvo de críticas, nova resolução do Conselho Federal de Medicina restringe a prescrição de canabidiol no Brasil

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
No Conselho Regional de Medicina de SP, manifestantes afirmam que restrição ao uso terapêutico da maconha fere o direito à saúde - Gabriela Moncau

Pacientes que fazem uso terapêutico de maconha, médicos e ativistas fizeram um ato em São Paulo nesta sexta-feira (21) contra a nova resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), que restringe ainda mais o uso da cannabis no país. Protestos também aconteceram em Brasília e no Rio de Janeiro.

Publicada na última sexta-feira (14), a Resolução 2324/22 do CFM, autarquia presidida desde abril pelo médico bolsonarista José Hiran da Silva Gallo, determina que o canabidiol (CBD) - princípio ativo da maconha - só poderá ser prescrito para tratar de epilepsias bastante específicas de crianças e adolescentes. Além disso, define que só podem ser receitadas depois que tratamentos convencionais tiverem falhado. São elas as síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut ou o complexo de esclerose tuberosa.

Na capital paulista, os manifestantes se reuniram em frente ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), na região da Consolação.

Na entrada do prédio, penduraram uma camiseta com o nome de algumas das tantas condições de saúde cujos tratamentos com maconha tem eficácia cientificamente comprovada. Entre elas, fibromialgia, Parkinson, depressão, autismo, Alzheimer e insônia. Nenhuma está contemplada na resolução do CFM.

:: Canabidiol: "Decisão do CFM é bolsonarista e tentou incidir sobre eleições", diz deputado ::

Até a publicação da nova norma, médicos no Brasil poderiam avaliar o risco e o benefício da prescrição de derivados da cannabis e assumir a responsabilidade pelo tratamento indicado.


Em 2022, a Anvisa já recebeu 58.245 pedidos de importação de produtos derivados de cannabis por pessoas físicas para fins terapêuticos / Gabriela Moncau

"A cannabis terapêutica desempenha um papel fundamental no acesso à saúde, para além da medicina alopática. A gente defende que as pessoas tenham o direito de escolher seu próprio tratamento", afirma Kleber Carvalho, da Associação Brasileira de Cannabis e Saúde (Acolher).

Cremesp afirma que vai se posicionar 

A presidente do Cremesp, Irene Abramovich, recebeu os manifestantes em uma reunião que durou cerca de uma hora. Abramovich afirmou que os conselhos regionais, apesar de terem independência administrativa, não podem, por lei, desrespeitar resoluções federais. Também disse não ser possível impedir a cassação de registros profissionais.

O Cremesp se comprometeu, no entanto, a fazer uma consulta pública a respeito do tema com médicos, especialistas e membros da sociedade civil. Abramovich afirmou que, em seguida, a autarquia regional vai se posicionar publicamente e ao Conselho Federal.


Em conversa com a presidente do Cremesp, pacientes e médicos pedem que Conselho Regional se posicione / Gabriela Moncau

Ações para derrubar a resolução do CFM 

No Congresso Nacional, dois projetos de decreto legislativo (PDL) para suspender a resolução foram apresentados. Na Câmara dos Deputados, um de autoria do deputado Paulo Teixeira (PT) e, no Senado, da senadora Mara Gabrilli (PSDB).

Além disso, na segunda-feira (17) o Ministério Público Federal (MPF) instaurou um procedimento preparatório para apurar se a resolução contempla ou fere o direito constitucional à saúde. O procurador Ailton Benedito de Souza solicitou que o CFM apresente documentos que justifiquem a medida.

:: Maconha para fins terapêuticos: entenda a decisão do STJ que liberou cultivo para três pessoas ::

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) afirmou, em nota, que mantém a autorização do uso de produtos medicinais a base de cannabis independente da norma do CFM.

O Brasil de Fato pediu um posicionamento do CFM a respeito do tema e dos atos, mas não recebeu um retorno até o fechamento desta matéria. O espaço continua aberto caso o órgão queira se manifestar.

"Tire o seu preconceito do meu remédio"

Eunice Assunção é avó de Estela, que tem paralisia cerebral, e foi ao ato em frente ao Cremesp. Depois de anos vivendo com as convulsões da neta e incontáveis idas ao hospital, atualmente Eunice tem um Habeas Corpus (HC) que dá a ela o direito de plantar maconha e produzir o óleo que dá para Estela outra qualidade vida.


Eunice Assunção conheceu as propriedades terapêuticas da maconha por meio do curso de Padre Ticão, ativista que faleceu em 2021 / Gabriela Moncau

Evangélica, Eunice conta que era "uma pessoa preconceituosa'. Há cerca de três anos e meio, diante da ineficácia dos tratamentos que havia tentado até então, ela ouviu falar que havia um curso sobre o uso terapêutico da maconha oferecido pelo Padre Ticão na Paróquia São Francisco, no extremo leste paulistano. "Resolvi fazer esse curso para saber do que se tratava essa tal da maconha."

"Hoje, após três anos de estudo, eu cuido totalmente da minha neta. Ela não convulsiona, não toma nenhum remédio de farmácia", relata Eunice. "E é por isso que estou aqui, gritando não só pela minha neta, mas por tantas outras que precisam também deste remédio", afirma.

"E a gente sabe da eficácia. Enquanto eles lá em cima ficam só falando besteira, aqui a gente sabe na prática", critica Eunice: "Porque somos nós que convivemos com as crianças, os idosos, os problemas. A gente que passa a noite em claro. Eles não, dormem muito bem tranquilos".

Edição: Nicolau Soares