As últimas pesquisas sobre as eleições para o governo da Bahia mostravam um cenário relativamente confortável para ACM Neto (União Brasil) até aqui. No levantamento divulgado pelo Datafolha no último dia 21 de setembro, ele aparecia com 48%, vantagem razoável sobre os 31% de Jerônimo Rodrigues (PT).
No entanto, uma verificação sobre o histórico recente das disputas pelo governo da Bahia mostra que essa situação está longe de ser definitiva.
Nas eleições de 2006, pesquisa Ibope (atual Ipec) de 25 de setembro trazia o ex-governador Paulo Souto (então no antigo PFL, hoje União Brasil) com 48%, à frente do petista Jaques Wagner, que tinha 31% - percentuais exatamente iguais aos trazidos pelo Datafolha do dia 21.
Souto era um representante do grupo político construído por Antônio Carlos Magalhães, o ACM "original", avô do atual candidato e um dos principais líderes políticos do cenário nacional naquele período. Na Bahia, o carlismo havia emplacado todos os governadores desde 1990, quando ACM derrotou Roberto Santos (PMDB).
Wagner já vinha em trajetória de alta: ele tinha 16% em 14 de agosto e passou a 26% em 11 de setembro, sempre em pesquisas do Ibope. Já Souto trilhava caminho inverso: começou com 52%, passou para 50% e chegou aos 48% de meados de setembro. No dia 30, a distância havia diminuído mais: 44% a 36%.
Nas urnas, o resultado foi de 52,89% para Jaques Wagner a 43,03 para Paulo Souto, decretando a primeira derrota do carlismo em 16 anos já no primeiro turno. Naquele ano, Lula se reelegeu presidente.
Cenário semelhante aconteceu em 2014 - ano em que Dilma Rousseff conquistou a reeleição -, quando o petismo enfrentava o desafio de eleger uma nova liderança: Rui Costa, então secretário da Casa Civil de Wagner.
Pouco conhecido, Costa começou a eleição em situação ainda pior que seu antecessor. Em 23 de julho, ele tinha 8%, segundo o Ibope, atrás de Lídice da Mata (PSB), que tinha 11% e do mesmo Paulo Souto, com 42%. Em 27 de agosto, ele aparecia com 15% e já tinha ultrapassado Lídice, com 9%. Souto tinha 44%.
Em 24 de setembro, a situação era novamente semelhante à atual: Souto com 43% e Costa com 27%. No final, nova vitória do PT em primeiro turno, com Costa recebendo 54,53% dos votos contra 37,39% do candidato do Democratas, novo nome do antigo PFL.
Neste ano, novamente o PT lança um candidato que era relativamente desconhecido, o ex-secretário de Educação de Rui e professor licenciado da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) Jerônimo Rodrigues, que disputa sua primeira eleição.
Na primeira pesquisa Ipec, divulgada em 25 de agosto, ele aparecia com 13%, contra 56% de ACM Neto. Em 24 de setembro, essa vantagem caiu de 43 para 15 pontos percentuais. Novamente, um petista em ascensão contra um legítimo herdeiro do carlismo em trajetória descendente. E em um ano em que, mais uma vez, um petista é favorito a chegar ao Planalto.
Nova virada?
Para o cientista político Claudio André de Souza, o crescimento de Jerônimo está associado a três fatores: a boa avaliação do governo Rui Costa, que recebeu 49% de ótimo e bom no último Datafolha; apoio de grande quantidade de prefeitos, aliados à base governista; e os reflexos do cenário nacional. "Há um contexto histórico de comportamento eleitoral, de competição, escolha eleitoral dos baianos em torno de Lula e também do PT. A força do PT na Bahia tem se estabilizado no âmbito eleitoral", afirma.
"Entendo que esses três fatores associados levaram Jerônimo a um crescimento, já considerável, sendo que a gente está falando de um candidato que nunca disputou eleição, nem pra vereador. Ao mesmo tempo, também não foi colocado como uma liderança da gestão de Rui Costa, ou seja, não foi preparado para a sucessão de Rui. Então tudo isso atrasou talvez um desempenho mais consistente em intenção de votos", afirma.
A favor de Jerônimo pesa a ampla relação com prefeitos estabelecida pela coalizão que sustenta sua candidatura. Um mapeamento realizado por Souza detectou apoio de mais de 260 prefeitos para o candidato petista, de um total de 417 municípios no estado.
"A força dos prefeitos é enorme, sobretudo porque em um determinado município, até por uma questão socioeconômica, a prefeitura exerce um poder elevado porque é a principal empregadora, exerce de fato o poder na contratação de pessoal, induz um crescimento econômico diante de políticas públicas que influenciam a dinâmica geral de uma determinada cidade", afirma. "Claro que todo prefeito tem uma oposição, mas de fato ter a prefeitura é um diferencial nessa reta final."
Para ele, a conjugação desses três fatores torna possível que Jerônimo repita as trajetórias anteriores de candidatos estreantes do PT. No entanto, é preciso levar em conta a força de ACM Neto, que Souza considera um adversário superior em relação a Paulo Souto, que ele enxerga como "uma figura que foi ocupando esse espaço reservado para ACM Neto" nas eleições anteriores.
"Ele [Neto] também foi um gestor da capital, ex-prefeito de Salvador muito bem avaliado, elegeu seu sucessor. E está em campanha há mais tempo, se organizando, dialogando com lideranças políticas, prefeitos, lideranças que estão fora das prefeituras, mas que tem voto, influência política nos municípios baianos", afirma.
Com dois concorrentes fortes, que concentram quase 80% dos votos do estado, é possível Jerônimo alcançar ACM Neto ou, até, virar consistentemente a ponto de resolver a eleição em um único turno, como seus antecessores? Cláudio André acha cedo para afirmar.
"Vai depender muito da força de Lula e da capacidade de reverter votos lulistas de ACM Neto para Jerônimo. Se essa for uma tendência a se colocar, de fato a gente tem tudo para ter um resultado no primeiro turno. Eu ainda penso que a tendência que está colocada pelas pesquisas é de termos um segundo turno", avalia.
"Afroconveniente"
Um ponto de destaque no debate eleitoral da Bahia tem sido a mudança de autodeclaração racial de ACM Neto, que se declarou pardo à Justiça Eleitoral.
O tema apareceu com força no debate realizado pela TV Globo, na terça-feira (27). Jerônimo declarou "solidariedade ao povo negro da Bahia e do Brasil pelo uso inconveniente, inclusive pelo ex-prefeito, que votou, o seu partido votou contra as cotas raciais e agora está se utilizando disso".
Terceiro colocado, o bolsonarista João Roma (PL) foi mais agressivo, ao chamar Neto de "afroconveniente". Ele lembrou o histórico de relações com o ex-prefeito que é padrinho de sua filha e de quem já foi chefe de gabinete. "Nesses 20 anos de convivência que ele falou, ele nunca me disse que era 'negão'."
"Me autodeclarei pardo, porque assim me vejo", rebateu ACM Neto. No entanto, suas respostas não têm sido suficientes para que o tema seja deixado de lado. E em um estado com 81,1% de pretos e pardos segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2018, a questão pode ter um impacto relevante.
"Essa polêmica em torno de ACM Neto de fato causa um estrago na sua imagem, até porque deixa ele na defensiva, tendo que apresentar justificativas e questões que o motivaram a se assumir, se identificar como pardo", analisa Souza.
No entanto, ele avalia que os fatores estruturais, como o "histórico de competição eleitoral em torno do PT e de Lula" e a boa avaliação do governo Rui Costa, são preponderantes.
"Acho que essa polêmica em que ACM Neto se envolveu não tem um caráter determinante, mas obviamente que causa impacto político, porque coloca ele na defensiva e parte da população pode vir a enxergar, teria que ter uma pesquisa específica, como um oportunismo eleitoral, uma atitude oportunista", sustenta.
Edição: Rodrigo Durão Coelho