“Ancestralidade e resistência: regularizar, captar, sobreviver”. Este é o tema do 2º Encontro Moviafro/Fenacab de Sacerdotes e Sacerdotisas das Religiões Afro-brasileiras, que será realizado nesta sexta-feira (23), às 20h, de forma virtual. Aberto para adeptos, pesquisadores e simpatizantes das religiões de matriz africana, a atividade poderá ser acessada através da plataforma Google Meet e as inscrições devem ser feitas pelo Whatsapp 75 98283-7418.
Um dos objetivos do encontro é debater as diferentes estratégias de resistência das religiões afro-brasileiras no Brasil. Dentre elas, a luta contra o racismo religioso é um desafio central. A Lei nº 9.459, de 15 de maio de 1997, classifica como crime a prática de discriminação ou preconceito contra religiões. De acordo com o quinto artigo da Constituição, a liberdade de crença é inviolável e está assegurada em lei. O Estado Democrático de Direito está estruturado pelos princípios do respeito, mas a prática está bem longe do papel. Para a Mãe Graça de Nanã, Yalorixá do Ylê Axé Gilodefan, o seu terreiro sofreu perseguição logo na chegada.
“Nós sofremos intolerância na ocasião de abertura do terreiro. Isso aconteceu há 17 anos. Na época, conversamos com a pastora, com a comunidade religiosa local e graças a Olodumare, ficamos na paz”, declara.
Hoje, Mãe Graça vive e coordena o culto em Feira de Santana, onde vive e testemunha diversas violências. “Aqui, a intolerância é gritante. Sempre há um terreiro depredado, xingado, sendo ameaçado pelos intolerantes. Só neste ano já tivemos dois casos de intolerância na cidade”, denuncia.
A organização Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço atua há quase 30 anos com comunidades negras tradicionais, povos de terreiro e comunidade remanescentes de quilombo e realizou em 2018 uma pesquisa que mapeia a intolerância por motivação religiosa na Bahia e destaca também alguns marcos nesta luta.
O estudo registra, dentre outras coisas, o caso de Mãe Gilda, Yalorixá do Ilê Axé Abassá de Ogum, terreiro de candomblé localizado em Itapuã, Salvador, que faleceu em decorrência de perseguição. “Este caso deu origem ao dia de combate à intolerância religiosa que é visibilizado em 21 de janeiro e é também o primeiro caso no Brasil onde os povos de terreiro conseguem condenar a Igreja Universal pela prática intolerante”, explica Ana Gualberto, Diretora Executiva de Koinonia.
Ana chama atenção de que, no Brasil, a base dessa intolerância religiosa é propagada contra as religiões de matriz africana e também contra os povos indígenas, de acordo com a sua espiritualidade. “A gente precisa compreender que o fundamento para essa prática da intolerância é racial. Então existe uma questão mais profunda aí que precisa ser discutida”, declara.
“Hoje em dia a gente pesquisa intolerância religiosa, racismo religioso e ódio religioso. Infelizmente, a gente tem que trazer essa palavra do ódio porque a quantidade de casos tem sido cada vez mais frequente e mais violenta”, afirma Gualberto.
Ana defende que a questão religiosa vira um problema, especialmente, a partir da chegada de uma prática religiosa que propaga a necessidade de combater o inimigo, o diferente. “Um governo que propaga o estado teocrático, que propaga o ódio e que afirma categoricamente que essa identidade negra precisa ser combatida, tudo o que diz respeito a esse grupo precisa ser combatido. Isso dá força para que as ações de ódio aconteçam”, reforça.
Por falar em governo, Mãe Graça também faz um apelo para as pessoas neste ano eleitoral. “Nós esperamos que o povo brasileiro escolha governantes que busquem políticas públicas para todos. Que olhem com prioridade para saúde, para educação, para moradia. O nosso povo precisa de um estado laico, de verdade, onde as leis da constituição sejam cumpridas por todos eles”, salienta a sacerdotisa.
Regularização dos terreiros
Mãe Graça nos lembra que outro desafio que se impõe urgente nas agendas pela liberdade religiosa é a regularização dos terreiros. Com casa localizada na Cascalheira do Muringue, em Oliveira dos Campinhos, distrito de Santo Amaro da Purificação e, hoje, com endereço fora da cidade de origem, ela aponta que regularizar os territórios é o caminho para afirmar as suas práticas e existências.
“Estamos participando como coordenação e como sacerdotisa afro-religiosa da Federação Nacional do Culto Afro-brasileiro - FENACAB. Precisamos não só nos regularizar com essa instituição como também com a prefeitura e com outros órgãos em que os povos de terreiros sejam contemplados”, declara.
Gualberto defende que para pensar na questão do direito territorial dos terreiros é preciso discutir uma questão fundamental nas áreas urbanas que é a ocupação das terras e dos espaços. “Salvador foi uma cidade que cresceu sem planejamento urbano e isso traz uma série de questões que vai repercutir nessa ocupação”, afirma.
“O crescimento nos bairros e a especulação imobiliária vai fazer com os terreiros percam as suas áreas. Hoje em dia a gente tem na cidade de Salvador terreiros espremidos pelas outras casas, por empreendimentos. Áreas que tradicionalmente eram usadas para os cultos, hoje, já não estão mais de posse dessas comunidades” destaca Ana com preocupação.
Ela alerta que desde 2014 a Bahia tem o Estatuto da Igualdade Racial de Combate à Intolerância Religiosa, que garante questões referentes à regularização fundiária das áreas de terreiro. No entanto, mesmo com este instrumento não se tem uma regularização dessas práticas.
“É urgente discutir como a gente vai garantir a permanência dos terreiros e mais ainda como a gente vai impedir que áreas sagradas, utilizadas para os cultos não sejam perdidas”, alerta Gualberto, que milita há muitos anos nesse campo.
“Na capital, a implementação do BRT derrubou árvores centenárias e aterrou ainda mais rios. Essas áreas também são utilizadas para culto. Toda área que a gente possa comungar com a natureza também é sagrada” acrescenta Ana, que faz um apelo para que as pessoas participem dessa discussão. “Para que todos possam professar a sua fé e conviver em harmonia para construção de uma sociedade com equidade”, conclui.
Fonte: BdF Bahia
Edição: Lorena Carneiro