O presidente russo, Vladimir Putin, anunciou que o número de soldados das Forças Armadas do país terá um aumento de 37 mil pessoas, passando de 1,9 milhão para 2,4 milhões de militares a partir do próximo ano. Assinado na última quinta-feira (25), seis meses após o início do conflito na Ucrânia, o decreto não dá detalhes sobre os motivos da decisão.
O anúncio acontece após uma série de explosões na península da Crimeia durante o mês de agosto e em meio a relatos de que os ucranianos estariam preparando uma contraofensiva na cidade de Kherson, no sul da Ucrânia, levantando a suspeita de que Moscou poderia estar sofrendo um desgaste das tropas na frente de batalha.
Para o diretor do Instituto de Iniciativas de Manutenção da Paz e Estudos de Conflitos, Denis Denisov, o aumento das tropas está dentro do cronograma da operação militar russa.
“Não me parece que tenha sido uma decisão repentina, surpreendente, como muitos interpretam. Do ponto de vista da segurança estratégica, é uma decisão justificada. Foi planejada com antecedência e é uma resposta às demandas estratégicas de segurança que existem hoje”, disse.
Ao Brasil de Fato, o cientista político cita a expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) nas fronteiras da Rússia, com o processo da entrada da Finlândia e da Suécia na aliança militar, como um das mudanças que ocorreram nos últimos seis meses que demandaram novas "estratégias de segurança" de Moscou. "As diversas ampliações dos agrupamentos marítimos por parte dos países ocidentais também criam demandas regulares para a segurança da Rússia", complementa.
Ainda em março, o Ministério da Defesa russo anunciou a formação de doze novas unidades e formações militares no Distrito Militar Oeste com o objetivo de fortalecer o agrupamento que se opõe à expansão e fortalecimento da Otan.
Por outro lado, em artigo publicado no site oficial do Departamento de Defesa dos EUA, citando fontes anônimas oficiais do Pentágono, foi destacado que a Rússia teria perdido entre 60.000 e 80.000 soldados durante o conflito na Ucrânia. Há meses que as autoridades russa não divulgam as baixas de suas tropas. Da última vez, em 25 de março, o Ministério da Defesa divulgou que que até então a Rússia havia perdido 1.351 homens. De acordo com as fontes do Pentágono, é "improvável" que o esforço para alcançar as metas do decreto de Putin seja bem-sucedido.
"Qualquer pessoal adicional que a Rússia possa reunir até o final do ano, de fato, pode não aumentar o poder de combate russo geral", diz a publicação.
O analista sênior do International Crisis Group para a Rússia, Oleg Ignatov, diz ao Brasil de Fato que as dificuldades da Rússia na linha de frente são enormes, "sobretudo em relação à capacidade de completar as tropas, ainda há um grande déficit de infantaria". Ao Brasil de Fato, ele destacou que, ao falar que estaria iniciando uma contraofensiva no sul da Ucrânia, a Rússia deslocou muitas tropas para Kherson e Zaporozhye e reforçou a sua defesa.
Já o especialista militar Aleksei Sukonkin afirma em seu canal no Telegram que o reforço das tropas russas pode acontecer através dos referendos que estão planejados para acontecer em regiões do sul e leste da Ucrânia controladas pela Rússia. Com a possível integração de regiões como Donetsk, Lugansk e Kherson, as unidades militares desses territórios podem ser integradas às estruturas das Forças Armadas da Rússia.
:: Seis meses de guerra na Ucrânia: o que mudou e até onde vai a crise? ::
A cidade de Kherson, no sul do país, que foi a primeira grande cidade ucraniana tomada pela Rússia após o início da operação militar em 24 de fevereiro, virou o foco da tensão militar nesta semana, com representantes militares ucranianos, declarando uma contraofensiva do país em "uma operação muito poderosa e planejada".
A informação sobre uma contraofensiva ucraniana, no entanto, não chegou a ser confirmada por autoridades de alto escalão do país. O Ministério da Defesa russo, por sua vez, afirmou que "por ordem direta" do presidente Volodymyr Zelensky, "as tropas ucranianas tentaram uma ofensiva nas regiões de Mykolaiv e Kherson em três direções".
Segundo a pasta, as unidades das Forças Armadas da Ucrânia sofreram grandes perdas por conta da defesa das tropas russas.
O chefe da Crimeia, Sergei Aksyonov, chamou os relatos de uma ofensiva ucraniana como "outra propaganda ucraniana falsa, que foi prontamente captada no Ocidente".
Para Denis Denisov, a Ucrânia não tem recursos para realizar uma empreitada para retomada Kherson do controle russo.
Segundo ele, pelos dados operacionais que aparecem nos serviços de mídia, inclusive na mídia ocidental, "dificilmente podemos falar que haja uma ofensiva de grande escala no sul da Ucrânia".
“A questão é que agora a arena central de ações militares em Donbass desgastou grande parte do potencial militar da Ucrânia e preparar uma ofensiva no sul soa, mesmo para alguém que não seja especialista militar, um tanto estranho e surpreendente", afirma.
* Colaborou Serguei Monin
Edição: Thales Schmidt