Nova gestão

Com superministério, governo argentino cede à direita em contexto de crise

Sergio Massa assume nesta quarta (3) e irá aos Estados Unidos e Qatar em busca de dólares para as reservas argentinas

Brasil de Fato | Buenos Aires, Argentina |

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O retrato da aprovação: desta vez, Cristina Kirchner publicou uma foto em seu gabinete com o escolhido ministro da Economia, Sergio Massa. - Senado Argentina

Sergio Massa deixou a presidência da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (2), na Argentina, para assumir os rumos econômicos do país. 

Político de trajetória na ala à direita do peronismo, Massa assumirá o chamado superministério a partir desta quarta (3): uma fusão entre os ministérios da Economia, do Desenvolvimento Produtivo e da Agricultura, Pecuária e Pesca, nesta que é a segunda reformulação de ministérios do governo da coalizão Frente de Todos (FdT), encabeçado por Alberto Fernandéz.

Ele será o segundo ministro da Economia em apenas um mês. Silvina Batakis, designada em meio à crise desatada no governo com a renúncia inesperada de Martín Guzmán em 2 de julho, terminou sendo uma ministra de transição diante da pressão de setores econômicos do país. Desde a crise desencadeada nos últimos meses, a corrida cambial que afetou o dólar não cessou, o que se refletiu em um aumento exponencial de preços na Argentina nos últimos 20 dias.

:: Batakis sai de Ministério e Fernandéz funde pastas de Economia, Produção e Agricultura ::

A indicação de Massa ao Executivo, na última quinta-feira, conseguiu frear a especulação financeira diante das incertezas sobre a gestão econômica do governo, com a queda do valor dólar em pesos argentinos nos últimos dias.

Com foco em controlar as contas públicas e visando novos créditos para enfrentar a falta de dólares no país, o nome de Massa não parece trazer políticas essencialmente diferentes das de Guzmán ou Batakis. No entanto, soa mais simpático ao poder econômico concentrado.

Após apenas três semanas na pasta, Batakis foi realocada como titular do estatal Banco Nación. Daniel Scioli, por sua vez, voltará à embaixada no Brasil, cargo que havia deixado para assumir o ministério de Desenvolvimento Produtivo após a demissão de Matías Kulfas por uma troca de acusações públicas com a vice-presidenta Cristina Kirchner.

Os ministérios de Desenvolvimento Produtivo, que abarca comércio, energia, mineração e indústria; e o de Agricultura, Pesca e Pecuária, foram reduzidos a secretarias, agora sob Massa.

A mudança também recaiu sobre a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência. O agora ex-secretário Gustavo Béliz, próximo ao presidente e que ocupava o cargo desde o início do mandato da FdT, apresentou sua renúncia durante os dias em que a nomeação de Massa como ministro ainda se tratava de um rumor.

O fator crise

Todas as mudanças importantes na gestão da FdT foram, em sua maioria, impulsionadas pela crise no interior da coalizão, protagonizada pelo embate entre o presidente e a vice sobre como enfrentar a crise econômica pós-macrismo.

“A escolha de Massa para esse superministério é a aceitação da realidade por parte de Alberto Fernández e Cristina Kirchner”, aponta a analista política María Esperanza Casullo ao Brasil de Fato.


Sergio Massa e Alberto Fernández se reuniram para discutir novo ministério. / Presidência

“Há 9 meses, a situação política na Argentina está marcada pelo enfrentamento entre ambos. E perceberam que podem vetar um ao outro, mas nenhum tem a força necessária para eliminar o outro. Cristina pode criticar a Alberto Fernández, mas não pode tirá-lo. E Alberto pode sustentar seus ministros e suas decisões, mas é muito vulnerável às críticas de Cristina”, ressalta a pesquisadora.

Para Casullo, há também outra realidade que ambos aceitaram: que esse impasse teria consequências catastróficas para o governo. “É uma gestão que está praticamente imobilizada por esse veto mútuo”, afirma. Uma paralisia que, entre a sócia majoritária da coalizão, Cristina Kirchner – com maior capital político e autoridade na fórmula –, e o segundo, Alberto Fernández, com o poder institucional da presidência, só poderia ser resolvida pela terceira força da coalizão, que mantinha o diálogo com as outras duas partes: Sergio Massa.

Na segunda-feira (1), Massa anunciou sua nova equipe, com nomes de sua confiança e com um histórico na gestão das contas públicas e finanças do país. Exemplo disso foi a escolha de Raúl Rigo para a Secretaria de Fazenda, primeiro nome anunciado por Massa, alguém que foi funcionário de Economia em nível nacional e provincial em outras gestões. O objetivo será, como afirmou o novo superministro, “ordenar e cuidar das contas públicas”.

“Quando Guzmán renuncia, um dos pedidos que qualquer convidado para assumir a pasta teria era começar, de novo, unificar o que, em outro momento histórico, estava somente sob o Ministério da Economia, mas que hoje está dividido entre os diferentes atores do governo”, aponta o sociólogo e analista político Gabriel Vera Lopes, editor da Agência Latino-americana de Informação (Alai), ao Brasil de Fato.

As diferenças políticas entre presidente e vice geraram uma descoordenação e a crise da coalizão, o que se refletiu na própria gestão de Guzmán. “Quando Guzmán quis lançar a segmentação de tarifas de serviços, foi uma parte do kirchnerismo que bloqueou a medida”, aponta Lopes.

Agora parece haver um consenso – que, antes, tudo indicava. aconteceria sob o comando de Batakis – ao redor do nome de Massa. Respeitado pelo establishment e próximo aos Estados Unidos, ele se torna a solução à direita dentro da coalizão peronista.

“Se ele conseguir estabilizar a economia, há uma chance de que seja o candidato no ano que vem”, observa Lopes. “Porque, nos últimos meses, Cristina vem criticando o governo por uma perspectiva de esquerda, termina tirando Guzmán e Batakis, mas parece que acaba lançando o governo à direita. Se o eleitorado estará disposto a acompanhar isso, é uma grande pergunta.”

Um candidato à direita no peronismo?

Analistas apontam para a possibilidade de um ofuscamento real do presidente, política e efetivamente. 

Massa, uma figura mais à direita dentro do amplo espectro do peronismo, foi integrante do Partido Renovador que rompeu com Cristina em 2013 e, até entrar na coalizão governista atual, dedicou-se a criticar duramente o kirchnerismo. Foi candidato à presidência em 2015 e ficou em terceiro lugar no primeiro turno, com 21% dos votos.

Ao deixar de lado sua ambição presidencial para compor a fórmula da Frente de Todos lançada por Cristina Kirchner, Massa também foi alvo de críticas de antigos sócios e da desconfiança política de parte de seu eleitorado. Assim, mesmo que consiga estabilizar a economia até a eleição de 2023, o apoio por parte da população seria incerto.

O controle sobre o aumento do dólar, pelo menos por enquanto, parece apontar a um cenário um pouco mais favorável para a governabilidade do novo ministro que assume nesta quarta. 

“Os atores econômicos na Argentina são muito reativos a um governo que demonstra debilidade”, observa Casullo. “Paradoxalmente, hoje, esses atores na Argentina, em um contexto de grande incerteza mundial, preferem um governo que tome decisões e possa sustentá-los, sem essa imprecisão que apresentou Alberto Fernández nos últimos meses.”

A pergunta de fundo que surge, então, é até que ponto a nova gestão poderá ser firme em suas decisões, mas, ao mesmo tempo, equilibrar os setores industrial e exportador que pressionam por uma desvalorização da moeda diante de uma população cada vez mais insatisfeita  e com dificuldade para viver com o impacto diário da inflação sobre os preços, e, por fim, viabilizar a reeleição da coalizão em 2023.

Edição: Arturo Hartmann