VALE DO JAVARI

Após dois meses, mortes de Bruno e Dom ainda deixam perguntas sem respostas

Indigenistas cobram investigação de mandantes e dizem que caso não pode cair na vala comum de escândalos bolsonaristas

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |

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Protesto em São Paulo (SP) pela demarcação de terras indígenas e por justiça pelas mortes de Bruno Pereira e Dom Phillips - Nelson Almeida/AFP

As mortes do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips atraíram olhares de todo o mundo para os riscos que correm os defensores da Floresta Amazônica. Quase dois meses depois, porém, a insegurança persiste no Vale do Javari, e não se sabe se houve mandante dos crimes. 

A dupla se locomovia de barco para a cidade de Atalaia do Norte, no Amazonas, quando desapareceram quase sem deixar vestígios, no dia 5 de junho. Com a ajuda dos povos indígenas do Vale do Javari, as autoridades encontraram o barco usado por eles e o local dos corpos na mata.

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As investigações não revelaram um possível mandante, mas chegaram a três pescadores ilegais que teriam participado diretamente dos assassinatos. Eles estariam descontentes com o monitoramento de crimes ambientais conduzidos pelo indigenista. Ambos estão presos e viraram réus por homicídio.

Ao denunciar os pescadores à Justiça, o Ministério Público Federal (MPF) escreveu que o duplo homicídio teve motivo fútil, pois foi cometido por causa de uma foto tirada por Dom Phillips do barco onde estavam os suspeitos.

O único suspeito de ser o mandante dos crimes é o homem conhecido como Colômbia, um financiador da pesca ilegal no Vale do Javari. Ele apresentou documentos falsos, e a Polícia Federal não sabe qual é sua identidade real. Até agora, ele não foi acusado formalmente de nenhum crime. 

"Não podemos deixar o assunto esfriar", diz Sydney Possuelo

Indígenas e indigenistas que defendem o Vale do Javari seguem desprotegidos. A Força Nacional foi enviada, mas não tem barcos nem armas de grosso calibre. As tropas se restringem a patrulhar a área urbana. Na floresta, servidores seguem vítimas de ameaças e foram orientados a afrouxar a fiscalização para evitarem conflitos com criminosos. 

Um dos mais respeitados indigenistas do Brasil, o ex-presidente da Funai Sydney Possuelo afirma que as mortes do indigenista e do jornalista não podem cair na vala comum dos escândalos sucessivos produzidos pelo governo de Jair Bolsonaro

"A primeira coisa é não deixar esse assunto esfriar. É criar situações para a gente estar sempre lembrando e para ativar as nossas autoridades e também o engajamento do homem brasileiro comum que se preocupa com os povos indígenas e com a grande Floresta", afirmou Possuelo.  

Amigo de Bruno pede que se chegue a mandantes

Amigo de Bruno Pereira e ex-chefe da Funai no Vale do Javari, o indigenista Armando Soares diz que fará tudo para as mortes não serem esquecidas. Ele aponta que é preciso esgotar todas as linhas de investigação em busca de um mandante.

Os conflitos na região, segundo Soares, são normalmente motivados por questões econômicas envolvendo a atuação de caçadores e pescadores ilegais. 

"Cadê o trabalho da Polícia Federal com os homens que financiam essas atividades lá dentro? Com os políticos locais que sabidamente têm relação com isso. Como o 'Pelado' conseguiu aquele barco de 50 a 60 mil reais?", diz o servidor aposentado. 

"Pelado" é o apelido de Amarildo Oliveira, que confessou participação nas mortes. Segundo indígenas do Vale Javari ouvidos pelo Brasil de Fato, a pesca ilegal conduzida por ele era financiada por pessoas ligadas ao narcotráfico e a políticos locais, personagens que não foram implicados pelas investigações.  

Falta de apoio provocou mortes, diz indigenista 

O ex-chefe da Funai no Vale do Javari afirma temer que a impunidade resulte em mortes de mais colegas de trabalho. Ele considera que a situação só vai melhorar quando a Funai superar o desmonte promovido pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) e voltar a ser respeitada.

"Eu tive algumas situações de risco, fiz várias apreensões de pescado e carne de caça. Chegaram a cogitar, na cidade de Atalaia do Norte (AM), de me matar. Mas não fizeram porque sabiam que eu tinha o apoio da Polícia Federal e Exército?"

"Eu só posso chegar à conclusão de que, se o Bruno estivesse lá na minha época [início dos anos 2000], ele não teria morrido", lamenta Soares. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho