Nilton Cavalcanti, 54, motorista de aplicativo há mais de dois anos, resolveu entrar no ramo na época em que as empresas de transporte individual de passageiros estavam chegando a Curitiba. A atividade parecia promissora para complementar a renda, por conta da liberdade e flexibilidade de horário.
Contudo, com a piora da crise econômica, o que era para ser uma opção acabou virando uma das poucas garantias de renda. E, agora, com rendimento menor por conta do alto preço da gasolina.
"Cheguei a tirar um bom dinheiro com o aplicativo em outros tempos. Hoje, com o valor da gasolina e a inflação, está ficando difícil", analisa. Com o valor da gasolina acima de 7 reais, por conta da dolarização dos preços promovida pela Petrobras, a realidade do motorista é semelhante a de milhões de brasileiros.
Tentando evitar novos aumentos em ano eleitoral, mas sem desagradar ao "mercado", o governo Bolsonaro vem buscando impulsionar uma agenda econômica de retirada de impostos federais e pressionando os governadores dos estados para que zerem a alíquota do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre o valor final do combustível.
Com o corte do governo federal sobre os tributos nacionais, postos de gasolina vêm reduzindo os valores na bomba, com uma variação média saindo de R$ 7,60 o litro para R$ 6,83 em alguns postos da capital paranaense.
Cavalcanti vê um alívio temporário com a redução, mas ainda é pessimista em relação ao longo prazo. "É claro que ajuda, mas como está tudo muito caro, o efeito acaba sendo menor do que poderia", diz.
Rosi Milani, 57 anos, também motorista de aplicativo, cita que a queda de preços foi um alívio, mas pontua que ainda está longe do ideal. "Esse preço do combustível ajudou, eu cheguei a fazer 260 quilômetros com 100 reais, sendo que antes fazia 180 quilômetros com 100 reais. Mas o ideal era fazer 300 quilômetros, porque nossos gastos não se limitam ao combustível", relata.
Medida de curto prazo
Para o economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese-PR), Sandro Silva, a medida pode ser benéfica no curto prazo. Mas sem que a Petrobras altere sua política de preços, nacionalizando os custos, os efeitos para o futuro podem ser piores.
"Essas medidas não resolvem o principal problema, que vincula o preço do mercado interno ao internacional. Essa redução de impostos federais e a limitação do ICMS acabam não resolvendo, porque o país continua à mercê do cenário internacional. Ela ameniza em certo ponto. O ideal era o governo abandonar a atual política de preços'', analisa.
Para Silva, a lógica do governo Bolsonaro é privatizar o setor de energia, com a entrega de refinarias. Sobre a questão tributária, o economista alerta que o debate deve ser mais profundo.
"Retirar o ICMS do combustível tem representação significativa para estados no financiamento da saúde e educação, por exemplo. É claro que a carga tributária é elevada, mas não é a partir de uma canetada sem planejamento que vai resolver. Precisamos de um debate sobre a carga tributária, reduzindo sobre o consumo e aumentando sobre a renda, acabando com esse sistema regressivo, em uma discussão mais ampla'", aponta.
17 bilhões
No Paraná, a Assembleia Legislativa (Alep) cancelou o recesso de julho, transferido para setembro, para que a casa vote a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2023 e o corte do ICMS no preço do combustível.
Para o deputado estadual Requião Filho (PT), a medida pode significar perda de recursos. "O Paraná concede de forma sigilosa R$ 17 bilhões em renúncia fiscal e, agora, diante da nova Lei Federal que trata dos ICMS sobre os combustíveis, o Estado perderá mais de 6 bilhões em seu orçamento", afirma.
Atualmente a alíquota de ICMS sobre a gasolina é de 29%. De acordo com o governador Ratinho Junior (PSD), o estado tende a seguir o governo Bolsonaro.
"Nós vamos acompanhar a lei federal. A procuradoria, junto com a Secretaria da Fazenda, está fazendo agora todo o estudo jurídico, porque possivelmente a gente vai ter que apresentar uma lei na Assembleia Legislativa autorizando seguir a lei federal, mas isso já está apaziguado", disse, em coletiva de imprensa.
Bomba eleitoral
A queda de impostos federais sobre combustíveis e a redução do ICMS são verdadeiras bombas eleitorais. No caso do ICMS, além da queda atual, Bolsonaro defende que a cobrança do imposto seja suspensa até o final do ano exclusivamente sobre combustíveis e gás, de 1º de julho a 31 de dezembro – período final de seu mandato.
A proposta, que custaria cerca de R$ 30 bilhões, já foi classificada como “mambembe”, improvisada e desesperada por economistas e integrantes de movimentos populares.
Fonte: BdF Paraná
Edição: Frédi Vasconcelos e Lia Bianchini