A proposta do presidente Jair Bolsonaro (PL) de zerar impostos estaduais para baixar o preço da gasolina e do diesel foi classificada como uma solução mambembe, desesperada, improvisada e ineficiente por quem acompanha o mercado de combustíveis do país.
Anunciada na noite de segunda-feira (6), a ideia de Bolsonaro reduz em até R$ 50 bilhões a arrecadação pública para conter o efeito dos reajustes já aplicados pela Petrobras. Não há, entretanto, nenhuma sinalização de mudança direta na política de preços da estatal, apesar de o governo ser o controlador da empresa.
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"Isso é mais um anúncio improvisado de Jair Bolsonaro para tentar enganar a população a quatro meses das eleições presidenciais", afirma o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, sobre a proposta. "O problema é a equivocada política de Preço de Paridade de Importação (PPI)", diz ele sobre a precificação adotada pela Petrobras em 2016.
"O governo quer resolver um problema complexo com uma solução improvisada", ironizou Wallace Landim, o Chorão, caminhoneiro e presidente da Associação Brasileira de Condutores de Veículos Automotores (Abrava).
Chorão foi um dos líderes da greve dos motoristas de caminhão deflagrada em 2018 justamente por conta do aumento do preço do diesel. Ele também fez campanha pela eleição de Bolsonaro naquele ano. Hoje, critica seu governo e avisa que os caminhoneiros podem parar o país de novo se o combustível não baixar.
"O presidente Bolsonaro está preocupado com sua reeleição. Os caminhoneiros e o povo brasileiro estão preocupados em colocar comida na mesa de suas famílias", diz.
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Perda para estados
A ideia anunciada por Bolsonaro é complementar a já prevista no Projeto de Lei 18/2022, aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 25. O projeto fixa em 17% a alíquota máxima do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado por estados sobre gasolina, diesel, gás de cozinha e energia elétrica. O PL ainda precisa passar por votação no Senado.
Atualmente, essa alíquota ultrapassa 30% em determinados casos e em certos estados. Esse imposto acaba embutido no preço final dos itens de energia.
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Bolsonaro afirmou que, se os estados zerarem a alíquota de ICMS, o governo federal transferirá aos estados recursos para compensar a redução do imposto. Afirmou também que todos os impostos federais sobre os combustíveis seriam zerados.
Ainda não há uma estimativa precisa sobre quanto essa medida custaria aos cofres públicos. Estudos do governo apontam para um valor entre R$ 25 bilhões e R$ 50 bilhões.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que recursos extraordinários que devem ser pagos ao governo ainda neste ano compensariam esse gasto. Neste mês, por exemplo, o governo pretende arrecadar cerca de R$ 30 bilhões com a privatização da Eletrobras.
Segundo Guedes, no entanto, caso um estado reduza o ICMS dos atuais 30% para zero, metade da perda não seria compensada pela União. Isso porque a compensação já considera um teto permanente do imposto em 17%, ainda que o PL que fixa a alíquota não tenha sido aprovado.
Guedes disse que acomodar a redução na arrecadação seria a contribuição estadual com um "esforço de guerra" federal para conter preços, relacionando a alta dos combustíveis com o conflito entre Rússia e Ucrânia.
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Vai funcionar?
O economista e professor Marcio Pochmann ressalta que a eventual redução de impostos não garante que os preços dos combustíveis vão mesmo baixar. A dúvida existe, segundo ele, pois a proposta de Bolsonaro não age na causa dos aumentos, que é a política de preços da Petrobras.
Adotada após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT), essa política vinculou os valores dos combustíveis vendidos pela estatal aos preços no mercado internacional, apesar de o Brasil importar só uma fração de suas necessidades em derivados de petróleo.
Por conta dessa precificação, quando o preço do barril de petróleo sobe no mercado mundial, a gasolina fica mais cara no Brasil. A Petrobras, que explora petróleo no país, vende os derivados cotados em dólar. Obtém, assim, lucros recordes.
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"A responsabilidade da formação de preços é da direção da Petrobras, indicada pelo governo Bolsonaro", explica Pochmann. "As medidas anunciadas atuam sobre consequências, não sobre as causas da inflação, produzidas pelo próprio governo."
André Roncaglia, economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também levanta dúvidas sobre a eficiência da proposta de Bolsonaro. Para ele, não há garantia de repasse do corte de tributos aos preços ao consumidor. Ou seja, pode acontecer de a desoneração acabar servindo para aumentar lucros das empresas do setor de combustível.
Desorganização fiscal
Roncaglia e Pochmann ainda apontam para o risco de a medida causar problemas para as finanças de estados. Antes da aprovação do projeto sobre a alíquota de 17% do ICMS, o Fórum Nacional de Governadores já havia alertado para o impacto da proposta sobre Saúde e Educação. Zerar o impostos, segundo eles, seria ainda mais arriscado.
"As medidas tomadas aprofundam a desorganização fiscal, comprometendo políticas públicas nos estados em ano eleitoral", disse Pochmann.
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Wellington Dias (PT), ex-governador do Piauí e ex-coordenador no Fórum Nacional de Governadores, liderou por meses as discussões sobre desonerações estaduais sobre combustíveis. Ele disse que a nova solução proposta por Bolsonaro é provisória.
"O caminho escolhido é de quem sabe quem é culpado pelo aumento dos preços dos combustíveis e não quer resolver", declarou Dias, em nota. "Parece birra contra os governadores, e o povo sofrendo."
Segundo Dias, uma solução mais duradoura seria a criação de um fundo de estabilização dos preços dos combustíveis. Esse fundo receberia parte dos lucros obtidos pela Petrobras. Em casos de aumentos, o governo poderia usar esses recursos para subsidiar o preço da gasolina e do diesel no Brasil.
"Por que não implantar o Fundo de Equalização/Compensação dos combustíveis? Não depende de ninguém, só da decisão do chefe do Executivo", cobra Dias. "Se tem esta alternativa, por que ir para o caminho do ICMS, que na verdade significa retirar dinheiro da Educação de Estados e municípios e também da Saúde e de outros serviços?"
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Sem saída
Rodrigo Leão, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), defende a criação do fundo de estabilização. Ele, porém, ressalta que criar o fundo, arrecadar os recursos e operacionalizar os descontos leva tempo. Bolsonaro, por outro lado, tem pressa.
Leão diz que há três anos e meio o presidente tenta e não consegue achar uma solução duradoura e viável para a questão dos combustíveis no Brasil. Lembra ainda que a última tentativa dele de trocar a presidência da empresa demonstrou-se difícil já que regras da governança da empresa estipulam um rito para isso.
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Para Leão, o que lhe sobrou foi mexer nos impostos. Ele ratifica que isso teria um impacto limitado no preço dos combustíveis já que nem toda desoneração acaba repassada aos consumidores. Segundo ele, o diesel seria o produto com preço mais reduzido. Isso tende a agradar aos caminhoneiros, que foram base política-eleitoral de Bolsonaro.
"Isso tenta ajudar uma base que acabou se frustrando nos últimos anos", afirmou Leão. "É uma medida claramente eleitoral, mas a única que restou a Bolsonaro no curto prazo."
Edição: Thalita Pires