Convidada da edição desta quinta-feira (28) do podcast Mano a Mano, apresentado pelo rapper e líder dos Racionais MC’s, Mano Brown, a presidenta deposta Dilma Rousseff disse que tem muito orgulho das mulheres brasileiras. “São elas as que mais me defendem e também porque são as mais críticas em relação a esse governo (Jair Bolsonaro). Toda pesquisa de opinião mostra que 60% das mulheres têm a visão de que esse governo não serve para o Brasil. Diferente dos homens, que é menos, 42%, se não me engano. Então, eu tenho muito orgulho. A mulher sabe das coisas, é crítica. Não estou falando que o homem não sabe. Estou falando que ela sabe bastante das coisas”, afirmou.
Na conversa de mais de uma hora com Mano Brown, Dilma falou sobre sua infância, em um bairro de classe média em Belo Horizonte, e até sobre aspectos religiosos, que ela não domina bem. Mas o golpe que sofreu em abril de 2016, mesmo sem ter praticado crime de responsabilidade, e as consequências nefastas para o Brasil – entre elas a eleição de Jair Bolsonaro em 2018 – permearam as perguntas e respostas.
Para Mano Brown, a primeira presidenta eleita no Brasil perdeu o cargo por ser mulher. Para ela, porém, pesou mais o aspecto político e não de gênero. Ou seja, o fato de defender um projeto de nação baseado na igualdade de oportunidades, educação, saúde, emprego e crescimento econômico com distribuição de renda como modo de superação das desigualdades sociais. E não o fato de ser mulher.
“Me sinto vítima de um golpe dado pelo fato de ter defendido um projeto. Como tentaram dar no Lula, alegando que ele era um operário sem condições. Até aventaram isso, mas pararam porque ficou claro qual era a visão que o mundo tinha de Lula. O que digo é que fui objeto do machismo e da misoginia. Só que não foi só por causa disso que levei o golpe. Levei o golpe porque representava um projeto maior”, disse a ex-presidenta.
Projetos de Lula e Dilma
Nesse "projeto maior", segundo ela, estavam as universidades e institutos federais que vinham sendo construídos a partir do governo Lula, a ampliação do programa Bolsa Família, a criação do Minha Casa Minha Vida, do Mais Médicos, a valorização do salário mínimo, a regulamentação do trabalho doméstico, a política de cotas e a descoberta do pré-sal, com a destinação de recursos para a educação e saúde pública, entre outros exemplos.
“Não um programa Minha Mansão Minha Vida, mas um programa para os mais pobres, famílias dirigidas por mulheres, com filhos. E como não havia médicos no interior do país e nas periferias das grandes cidades, fomos buscar os melhores médicos para saúde pública, em Cuba. Estava dando tudo tão certo, médico indo na casa das pessoas como tem de ser, a população dizendo que o médico cubano examinava de perto, conversa. Criamos cursos de Medicina nas federais, mas leva tempo pra formar”, lembrou.
Com os 18 mil médicos trazidos de Cuba via convênio chancelado pela Organização Pan Americana de Saúde (Opas), braço da Organização Mundial da Saúde, foi possível levar atendimento para 63 milhões de pessoas, muitas das quais nunca haviam se consultado antes. “Mas esses médicos que faziam um trabalho decente foram todos mandados embora. Veio a pandemia e morreram mais de 650 mil brasileiros. A saúde do Brasil estava desarmada, sem médicos, sem posto de saúde.”
Dilma criticou o silêncio da mídia empresarial, que nunca a defendeu dos ataques sofridos por figuras como o deputado estadual paulista Arthur do Val, cassado por falta ao decoro parlamentar ao visitar a Ucrânia e fazer comentários sexistas sobre ucranias, chamando-as de “fáceis porque são pobres”.
“Nunca vi ninguém da Globo, da Folha de S.Paulo, Estadão defenderem a primeira presidenta mulher eleita desse tipo de tratamento. Talvez porque esse tratamento deva ser aceito para mulheres que como eu fogem do padrão bela, recatada e do lar e ousam a entrar no âmbito masculino, o do poder.”