Sushi, sashimi, hossomaki, uramaki... Esse foi o cardápio de pelo menos duas cerimônias de trocas de comandos militares das Forças Armadas nos últimos anos. As informações constam no Portal da Transparência e foram obtidas pelo Brasil de Fato.
Nesta semana, a reportagem obteve fotos de um dos eventos, realizado em Porto Alegre (RS), na virada de 2018 para 2019. No ano seguinte, os militares repetiram a dose: novamente, contrataram um banquete de comida japonesa para um evento de troca de comando militar na região Sul do país.
:: Defesa usou R$ 150 milhões de verba do SUS para conserto de aeronaves, denuncia relatório ::
As imagens obtidas mostram, em primeiro plano, a variedade dos pratos servidos aos militares. Pelo menos dois tipos de sashimi (filés de peixe cru) estiveram no cardápio (salmão e atum). Em segundo plano, é possível ver militares fardados acompanhados, provavelmente, de familiares.
Nas duas ocasiões, a empresa contratada estava registrada em nome de Fernanda Gabriela Pereira Alves. O preço do jantar ficou em R$ 2.500 cada. De acordo com o Portal da Transparência, pelo menos 1.250 fatias de peixe foram servidas durante as cerimônias de trocas de comandos militares.
Como o valor está abaixo do limite que exige a necessidade de concorrência pública entre empresas fornecedoras, a compra foi feita por "dispensa de licitação". O procedimento é previsto em lei federal e não configura uma ilegalidade.
Além dessas duas oportunidades para os jantares de final de ano, a firma foi contratada, ao todo, 26 vezes por unidades militares do Comando do Exército. O valor total de recursos do governo federal recebidos pelo empresa chegou a R$ 82.614,00.
Nas redes sociais, o responsável pelos jantares servidos aos militares se identifica como Chef Rui Kiriyama. O cozinheiro, especialista na culinária nipônica, ministra cursos de cortes de sushi e sashimi na capital gaúcha e participa de eventos temáticos em todo o estado.
:: Gasto militar mundial bate recorde e supera US$ 2 trilhões em 2021, aponta relatório ::
Mais comida japonesa
No Portal da Transparência, o Brasil de Fato localizou os registros de oito compras de itens ligados à comida japonesa promovidas pelo Executivo Federal desde 2014. Sete foram feitas pelo Comando do Exército e uma pelo Comando da Aeronáutica. As últimas duas contratações do tipo ocorreram em 2019.
O filtro utilizado no Portal da Transparência para a obtenção das informações foi a utilização da palavra-chave "sashimi" no campo de busca. O resultado apresenta as compras públicas e comprovantes de pagamentos – entre eles, os relativos aos dois jantares realizados pelo Comando do Exército no Rio Grande do Sul.
As duas licitações mais caras para compra de comida japonesa pelo Executivo Federal foram feitas pelo Comando do Exército e superam os R$ 7 mil. Uma delas, em 2019, custou R$ 7.100 e foi realizada pelo Colégio Militar de Santa Maria (RS). A outra foi realizada pelo 9º Regimento de Cavalaria Blindado, com valor recorde de R$ 7.350.
Em 2014, o Comando da Aeronáutica contratou um curso de sushi e sashimi para militares da Base Aérea de Campo Grande (BACG), na capital do Mato Grosso do Sul. O custo foi de R$ 500 e as atividades foram ministrados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).
Outro lado
O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa do Ministério da Defesa, que orientou a reportagem a entrar em contato com o Centro de Comunicação Social do Exército. Um e-mail foi enviado ao órgão na tarde de terça-feira (26). Até o momento, o Exército não acusou recebimento da mensagem. O espaço segue aberto para manifestações.
Enquanto isso, nos quartéis...
Em agosto de 2021, o Comando do Exército enviou nota à coluna do jornalista Guilherme Amado, do Metrópoles, afirmando que a inflação e a pandemia levaram ao desabastecimento de alimentos em quartéis da Força em Brasília.
O fato foi noticiado pelo veículo dias antes. Uma reportagem expôs a falta óleo de cozinha, arroz e feijão nas unidades militares. À época, para evitar que os soldados ficassem sem refeições, o Comando Militar do Planalto cogitava exigir apenas meio expediente de trabalho.
“Aspectos conjunturais, como a pandemia da Covid-19, associada ao atual cenário da economia, têm ocasionado uma variação significativa de valores de diversos itens a serem adquiridos (...) Isso provocou o desabastecimento de alguns gêneros alimentícios”, disse o Exército.
No mês seguinte, em setembro, quartéis do Exército passaram realmente a cobrar apenas meio expediente de trabalho de soldados. De acordo com nova reportagem no Metrópoles, "o desabastecimento nos quartéis se intensificou: além de arroz, feijão e óleo, começou a faltar carne".
Gastos do Ministério da Defesa explodem
Em 2022, o Ministério da Defesa passou a ser o principal destino dos recursos públicos no Executivo Federal, abocanhando 21% dos R$ 42,3 bilhões previstos no orçamento sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) no fim de janeiro. Em 2012, a fatia detida por essa área era de 15%, 6 pontos percentuais a menos que hoje.
Com o ganho de espaço, a Defesa superou Transporte e Educação e passou a ocupar o primeiro lugar da lista, conforme o levantamento feito pelo consultor legislativo do Senado Vinícius Amaral nas bases de dados do SIGA Brasil e do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP) e publicado na BBC News Brasil.
Despesas militares no mundo têm alta
Apesar da pandemia de covid-19, o gasto militar mundial pela primeira vez na história ultrapassou US$ 2 trilhões (quase R$ 10 trilhões), segundo levantamento publicado nesta segunda-feira (25) pelo Instituto Estocolmo para a Paz Mundial (SIPRI).
Em 2021, cerca de 2,2% do PIB global foi direcionado ao setor militar - um aumento nominal de 6,1% em relação à 2020 e de 0,7% em termos reais, considerando a variação da inflação no mesmo período. O valor destinado ao setor de defesa é quase dez vezes superior à meta de arrecadação estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para combater a emergência sanitária global.
Os países que lideram o ranking são Estados Unidos (US$ 801 bilhões/R$ 3,9 trilhões), China (US$ 293 bilhões/R$ 1,4 trilhão), Índia (US$ 76,6 bilhões/R$ 370 bilhões), Reino Unido (US$ 68,4 bilhões/R$ 333 bilhões) e Rússia (US$ 65,9 bilhões/R$321 bilhões), que juntos concentram 61,7% do total de US$ 2.113 trilhões (cerca de R$11,6 trilhões).
O Brasil lidera a lista da América Latina, concentrando 1% do valor total, e a previsão do governo federal é de R$ 11,8 bilhões em verbas para o Ministério da Defesa em 2022, um aumento de R$ 132 milhões em relação a 2021.
Mais da metade dos novos investimentos estatais em 2022 se destina a cinco ações do Ministério da Defesa, com R$ 627,5 milhões.
Entre os principais projetos está a aquisição do cargueiro militar KC-390, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), o Projeto Forças Blindadas e o desenvolvimento de sistemas de tecnologia nuclear da Marinha. Juntas, estas quatro ações terão um incremento de R$ 956 milhões em comparação com a divisão de verbas de 2021.
Edição: Rodrigo Durão Coelho