O anúncio da renúncia ao governo de São Paulo seguida da confirmação da pré-candidatura à Presidência por parte de João Doria na quinta-feira (31) conseguiu atrair holofotes da mídia que habitualmente não estariam tão voltados a ele em outro tipo de situação. No entanto, mostrou também o grau de fragilidade do atual governador paulista.
A visibilidade de um dia passa logo, os efeitos da atitude de Doria não. Seja para seu partido, cujo presidente, Bruno Araújo, se viu constrangido a declarar apoio ao vencedor das prévias realizadas em novembro, seja para o potencial eleitor que pode perceber nele hesitação ou, pior, um ato teatral com a finalidade de iludir.
As movimentações para minar as pretensões presidenciais de Doria devem continuar no PSDB. Primeiro porque, ainda que ganhe pontos em uma eventual próxima pesquisa por conta da desistência de Sergio Moro, o governador deve continuar com índices baixos. Percentuais, aliás, que são os menores para qualquer candidato presidencial tucano desde 1989 a esta altura da eleição. E candidatos à Presidência com desempenhos pífios são tóxicos para candidatos a governador e o próprio tucano bem sabe, já que isso o fez aderir a Bolsonaro nas eleições de 2018.
O presidenciável tucano afirmou em entrevista que utilizou de uma “estratégia” para unir a legenda e houve quem o comparasse a Jânio Quadros, que em 1960 chegou a renunciar à sua candidatura presidencial para conseguir carta branca da UDN no comando de sua campanha. A diferença fundamental é que Jânio era a alternativa mais viável da direita à época e o governador paulista está bem longe dessa condição. Os udenistas cederam por conta da força do então candidato, os tucanos que se opõe a Doria não o farão.
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Doria, um desagregador
A atitude não só não deverá apaziguar seus opositores no PSDB como também lança uma névoa de dúvidas sobre seus aliados. Rodrigo Garcia viu sua campanha ameaçada, já que não ocuparia a cadeira de governador. Mas não seria a primeira vez que o hoje presidenciável entraria em colisão com um colega de legenda.
Em 2016, venceu prévias conturbadas após Andrea Matarazzo, uma das figuras históricas do PSDB, desistir e sair do partido atirando. "Vimos compra de votos sem cerimônia com gravações para comprová-la, transporte de eleitores, constrangimento de pessoas, seguranças dentro dos locais de votação e uso da máquina pública", disse em nota, à época, acusando Doria.
Prometeu reiteradas vezes cumprir seu mandato como prefeito de São Paulo até o fim. Mas logo em seu primeiro ano de mandato, 2017, viajou a diversas cidades do país buscando viabilizar sua candidatura à presidência já em 2018. Porém, nem mesmo a antipolítica poderia permitir um salto desses em tão pouco tempo. Sua desatenção em relação à cidade custou em termos de popularidade, mas não o impediu de sair candidato ao governo do estado.
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Como candidato em 2018, evitou ligar seu nome ao do presidenciável de seu partido, Geraldo Alckmin, mas não hesitou em abraçar o então postulante do PSL, cunhando o termo Bolsodoria. Eleito na disputa mais difícil que o partido vivenciou para chegar ao governo paulista, ampliou seu domínio no tucanato e trouxe seu vice, Rodrigo Garcia, do DEM para o PSDB. Àquela altura, já tinha brigado com outras figuras históricas da legenda como o ex-governador Alberto Goldman, a quem chamou de "fracassado" e "improdutivo".
Também ganhou a antipatia do atual senador paulista José Aníbal. “É um horror esse cara. Ele é o ovo da serpente dentro do PSDB. Ganhou as prévias, mas não levou”, acusou o parlamentar, em entrevista ao portal Congresso em Foco. Também colecionou desafetos fora de São Paulo, como o ex-presidenciável e atual deputado federal Aécio Neves e o senador e ex-governador do Ceará Tasso Jereissati.
:: Ninguém reparou, mas o PSDB morreu ::
A guinada do PSDB
Acostumado a duelar com o PT desde 1994 em eleições presidenciais, o PSDB amarga um apequenamento na corrida ao Planalto, com um desempenho ruim em 2018 e que se projeta ainda pior em 2022. Isso não é à toa e se dá muito em função da guinada à direita dada pelo partido. A campanha de Aécio Neves em 2014 recorreu a um antiesquerdismo exacerbado, buscando inclusive nas redes sociais o apoio de grupos extremistas que mais tarde reforçariam a construção da candidatura de Jair Bolsonaro. Após a eleição, contestou o resultado e deu ainda mais força à radicalização.
Doria seguiu o mesmo figurino. Sem a radicalização política que abriu espaço a extremistas, provavelmente sequer teria chegado à prefeitura de São Paulo em 2016. Sua eleição foi marcada por um fato inédito, a primeira vez em que uma disputa na capital paulista foi decidida no primeiro turno, muito em função de ser um cenário distinto de qualquer outro desde a redemocratização. Após o impeachment fraudulento da ex-presidenta Dilma Rousseff, o antipetismo e a antipolítica passaram a dominar a cena, facilitando a entrada na política institucional de figuras como a de João Doria, que se dizia não um político, mas um "gestor", ainda que tenha sempre transitado na zona cinzenta que mistura empresários, financistas e políticos (foi um dos criadores do malfadado Cansei, em 2007, contra o governo Lula).
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Fez no segundo turno da corrida ao governo de São Paulo uma das campanhas mais agressivas contra a esquerda. Apelidou seu adversário, Márcio França, de "Márcio Cuba", buscou associá-lo ao PT atacando a legenda (como de hábito), apelando ao mesmo ideário extremista de Bolsonaro. Ganhou, mas logo que rompeu com o presidente, sentiu o peso da impopularidade em meio àqueles que haviam lhe dado o voto.
Doria, hoje, pode sofrer o mesmo que seu desafeto Aécio experimentou. Estimulou e aderiu à extrema direita, mas foi abandonado por ela. Em São Paulo, o tucanato tem seu domínio ameaçado e o bolsonarismo que ajudou a levar Doria ao governo do estado pode decretar a primeira derrota da legenda desde 1994 no estado. O custo do oportunismo irresponsável para o PSDB pode ser sua derrocada.
*Glauco Faria é jornalista e editor executivo do Brasil de Fato.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo