Na semana seguinte ao Carnaval e com o país registrando quase 50 mil novos casos em média por dia, governos estaduais e prefeituras começam a anunciar em cascata o fim da exigência do uso de máscara de proteção contra a covid-19.
Embora o ritmo de propagação do coronavírus no Brasil não seja mais tão intenso quanto em outros momentos da emergência sanitária, especialistas consideram que a medida pode trazer impactos indesejáveis no controle da doença no Brasil.
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A possibilidade de que sejam criados bolsões de contaminação, com consequências graves a populações que ainda não tiveram acesso à vacina acende o alerta. Além disso, as medidas anunciadas pelas gestões de estados e municípios podem levar brasileiros e brasileiras à falsa sensação de que a pandemia está controlada e que os cuidados se tornaram irrelevantes.
Onde as máscaras estão caindo?
Em todo o estado de São Paulo já não é mais obrigatório usar o equipamento de segurança ao ar livre desde quarta-feira (9). A máscara continua necessária em ambientes fechados, a exemplos de salas de aula, transporte público, supermercados, hospitais, prédios públicos, escritórios, cinemas, teatros, shoppings e lojas em geral.
Ainda assim, há a expectativa de que até o fim deste mês a medida se estenda para mais locais, incluindo os não abertos. Atualmente, o estado tem mais de 83% da população totalmente vacinada. Nos últimos 30 dias, os casos caíram 54% e as internações 76,6%.
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No Distrito Federal, o acessório não é mais exigido em nenhum espaço, decisão tomada por meio de decreto na quinta-feira (10). O DF também observa queda na velocidade de propagação do coronavírus e tem mais de 80% das pessoas imunizadas.
Mesmo com a trajetória da covid-19 em queda, que se repete em outros lugares do Brasil, desobrigar o uso de máscaras é uma medida "precoce", na opinião da biomédica Mellanie Dutra, cientista que integra o time Halo, iniciativa da ONU para combate a pandemia.
"Os efeitos do pós-carnaval ainda não estão sendo totalmente vistos. Receio que a gente precise de mais uma semana para começar a dimensionar isso. Poderia ter esperado mais uma ou duas semanas para começar a pensar em tirar a máscara".
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Nos anúncios dos governos de São Paulo e do Distrito Federal, membros de ambas as gestões ponderaram que a população precisa continuar evitando aglomerações. Para paulistas, a recomendação também é de que pessoas não vacinadas ou que apresentem sintomas de gripe mantenham o uso do equipamento segurança, o que também vale para quem tem comorbidades.
Ainda assim, a especialista em saúde coletiva, Beatriz Klimeck, que pesquisa o uso das máscaras desde o início da pandemia e criou o canal @qualmascara nas redes sociais, afirma que o efeito das medidas governamentais no imaginário da população é preocupante.
"A liberação em espaços abertos não é uma grande preocupação do ponto de vista do aumento de casos, mas sim em relação à mensagem que ela envia". Ela dá como exemplo a primeira vez em que a exigência deixou de vigorar na cidade do Rio de Janeiro, em outubro do ano passado, quando a medida foi associada ao fim dos riscos de contaminação.
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Para ela, o recado é contraditório, "em vez de insistir que existem espaços onde a máscara ainda é muito importante, a mensagem é 'está quase lá, estamos quase liberando tudo'. Costuma ser uma mensagem de que as coisas estão melhores e o risco diminuiu."
O médico de família e comunidade Aristóteles Cardona, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares também demonstra preocupação com as percepções que as medidas podem gerar.
"A forma com que está sendo feita a flexibilização está atabalhoada e precipitada no conjunto. Parece que há uma intenção de angariar simpatia com a população. Se começasse apenas em locais abertos, amplos, de acordo com a evolução das próximas semanas e mesmo assim mantendo uma campanha de prevenção, mas nem isso está acontecendo", alerta.
Outras regiões do Brasil estão tomando decisões semelhantes, o que potencializa a ameaça. Em Goiás, municípios que já têm mais de 75% da população vacinada poderão dispensar o equipamento em ambientes abertos. A Secretaria de Saúde do estado informou que, a depender da evolução da pandemia nas próximas semanas, a medida pode se estender para ambientes fechados.
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Em Manaus, capital do Amazonas, o acessório também deixará de ser obrigatório a partir do próximo dia 16. Até lá, a prefeitura vai avaliar o ritmo de avanço do coronavírus e se houver qualquer mudança pode rever a decisão.
As capitais Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Cuiabá, Distrito Federal, Boa Vista e São Luís também liberaram a obrigatoriedade do item de segurança ao ar livre. Na Baixada Fluminense (RJ), pelo menos cinco municípios já desobrigaram a utilização do equipamento, inclusive em locais fechados.
Reação
Frente ao efeito dominó de anúncios sobre o fim da exigência das máscaras, o Comitê Extraordinário de Monitoramento COVID-19 da Associação Médica Brasileira (CEM COVID/AMB) divulgou comunicado em que recomenda cautela.
A entidade entende que o uso do equipamento de segurança deve ser mantido, especialmente em locais fechados. "Uma flexibilização indiscriminada pode ampliar os riscos à população, ainda mais à parcela não vacinada ou com esquema incompleto e principalmente os imunocomprometidos', diz o texto.
"A despeito desse cenário melhor comparado a outros que já vivemos, o CEM COVID_AMB compreende que temos um país de proporções gigantescas e com coberturas vacinais regionais muito díspares e, portanto, precisamos ter cautela quanto à questão do uso opcional de máscaras na prevenção de infecções respiratórias", ressalta a AMB.
Edição: Vivian Virissimo