O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu as contradições apontadas por organizações sociais no julgamento da Resolução Normativa nº 4, de 2007, produzida pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A resolução estabeleceu uma distância de 100 metros entre cultivos de milho transgênico e plantações de milho crioulo, este último ligado à reprodução natural dos recursos ambientais, ou seja, sem intervenção de técnicas de modificação genética.
As entidades que entraram com uma ação no STJ argumentam que a distância é insuficiente porque não é capaz de oferecer proteção para os produtos de origem crioula, camponeses e consumidores contra a contaminação causada por transgênicos.
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Os ministros, no entanto, não julgaram o mérito da ação, ou seja, a insuficiência da resolução, mas uma decisão de 2014 do Tribunal Regional Federal da 4º Região (TRF-4). Na ocasião, o TRF-4 entendeu que as normas da resolução eram suficientes.
De acordo com os ministros do STJ, os desembargadores interpretaram equivocadamente o Decreto Federal nº 4.680/2003, que regulamenta a rotulagem de alimentos e obriga a identificação de alimentos que possuem mais do que 1% de ingredientes transgênicos.
Segundo o ministro relator Manoel Erhardt, em determinado momento, os desembargadores decidiram que a presença de mais ou menos de 1% de ingredientes transgênicos nos alimentos produzidos seria o parâmetro utilizado pela resolução. Em outro momento, entretanto, os desembargadores dizem que o decreto é irrelevante.
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Antes de levar a questão para o STJ, as organizações já haviam apontado a contradição para o próprio TRF-4, que ignoraram a reclamação. “Agora as organizações têm uma nova possibilidade de trazer os argumentos ao TRF4, o qual não deverá utilizar a norma de forma contraditória, ou para atender uma posição pré-determinada”, afirma Naiara Bittencourt, advogada na Terra de Direitos, uma das entidades que entrou com a ação no STJ.
“Os agricultores que vêm tentando seguir essa norma estão tendo as suas lavouras contaminadas. É impossível evitar a contaminação seguindo a norma, e isso é algo tão evidente, tão gritante, que o próprio Ministério da Agricultura, que teve representantes que votaram a favor dessa norma, tem uma norma distinta de controle da pureza das sementes produzidas por produtores credenciados no Mapa”, expõe o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo.
Agora, o processo será encaminhado novamente para o TRF-4, mas sem data para novo julgamento.
A ação foi ajuizada em 2009 pelas organizações Terra de Direitos, Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Associação Nacional de Pequenos Agricultores e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
Histórico
A discussão remonta ao ano de 2007, quando, após uma série de polêmicas, foi aprovado pelo CTNBio o cultivo de milho transgênico do tipo Liberty Link. O aval, porém, não veio acompanhado de estipulação de regras e análise de riscos envolvidos no processo.
As preocupações relacionadas a essa questão foram parar na Justiça por meio de uma ação civil pública. As entidades processaram a União e três grandes empresas – Bayer S/A, Monsanto do Brasil Ltda. e Syngenta Seeds Ltda. – por falta de critérios prévios de análise de risco e carência de pesquisas executadas nos biomas do país para que se pudessem aprovar o cultivo e a venda de milho transgênico da espécie.
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Nos meses seguintes, foi aprovada pela CTNBio a Resolução nº4/2007. Especialistas e as entidades civis em questão apontaram, no entanto, que a discussão que levou à confecção da norma careceu de debate aprofundado e estudos detalhados, motivo pelo qual o colegiado teria adotado a distância de 100 metros como referência entre os dois tipos de cultivo.
Edição: Vivian Virissimo