O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deverá se debruçar, nesta terça-feira (6), sobre um tema que está entre os de maior preocupação na área de meio ambiente: a distância entre cultivos de milho transgênico e plantações de milho crioulo, este último ligado à reprodução natural dos recursos ambientais, ou seja, sem intervenção de técnicas de modificação genética.
O tema está em debate na 1ª turma da Corte por meio de um recurso especial protocolado por organizações civis que questionam a Resolução Normativa nº 4, de 2007, produzida pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
O dispositivo estipula um intervalo de 100 metros entre as lavouras de milho crioulo e as que cultivam o vegetal na versão transgênica.
As entidades argumentam que a distância é insuficiente porque não é capaz de oferecer proteção para os produtos de origem crioula, camponeses e consumidores contra a contaminação causada por transgênicos.
“Os agricultores que vêm tentando seguir essa norma estão tendo as suas lavouras contaminadas. É impossível evitar a contaminação seguindo a norma, e isso é algo tão evidente, tão gritante, que o próprio Ministério da Agricultura, que teve representantes que votaram a favor dessa norma, tem uma norma distinta de controle da pureza das sementes produzidas por produtores credenciados no Mapa”, expõe o engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, destacando que a pasta exige 200 metros de intervalo.
“E ainda querem que se mantenha essa regra dos 100 metros. É uma coisa tão tola que isso desconsidera, por exemplo, as condições do vento. O vento chega a carregar pólen a 600 metros, 800 metros”, salienta o especialista, que integra a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e já foi membro da CNTBio.
A assessora jurídica Naiara Bittencourt, da ONG Terra de Direitos, acrescenta que a norma não segue parâmetros legais já fixados anteriormente no país.
“A resolução viola várias lei brasileiras, mas também tratados e convenções que são assinados e ratificados pelo Brasil, e a gente pode citar alguns. Por exemplo, a Constituição Federal de 1988, garante a necessidade de o poder público preservar a integridade e a diversidade do nosso patrimônio cultural e genético”, assinala.
“Temos também a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que garante o princípio da prevenção e da precaução, a Convenção sobre a Diversidade Biológica, o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, que trata justamente sobre a obrigação de redução de riscos dos organismos vivos modificados”, enumera Naiara.
Histórico
A discussão que será pauta de julgamento na 1ª turma do STJ remonta ao ano de 2007, quando, após uma série de polêmicas, foi aprovado pelo CTNBio o cultivo de milho transgênico do tipo Liberty Link. O aval não veio acompanhado de estipulação de regras e análise de riscos envolvidos no processo.
As preocupações relacionadas a essa questão foram parar na Justiça por meio de uma ação civil pública assinada pela Terra de Direitos em parceria com a Associação Nacional de Pequenos Agricultores (Anpa), a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
As entidades processaram a União e três grandes empresas – Bayer S/A, Monsanto do Brasil Ltda. e Syngenta Seeds Ltda. – por falta de critérios prévios de análise de risco e carência de pesquisas executadas nos biomas do país para que se pudessem aprovar o cultivo e a venda de milho transgênico da espécie.
Nos meses seguintes, foi aprovada pela CTNBio a Resolução nº4/2007. Especialistas e as entidades civis em questão apontaram, no entanto, que a discussão que levou à confecção da norma careceu de debate aprofundado e estudos detalhados, motivo pelo qual o colegiado teria adotado a distância de 100 metros como referência entre os dois tipos de cultivo.
Agora, por meio do recurso protocolado pelas organizações, a Corte terá a oportunidade de analisar os parâmetros determinados pelo CTNBio e avaliar se considera ilegal o artigo que determina esse intervalo entre as plantações. As entidades pedem normas mais rígidas e adequadas à legislação nacional.
“É algo que nos parece bem sensível e que deve ser considerado pelos ministros do STJ no julgamento desta terça-feira”, afirma Naiara Bittecourt.
Edição: Leandro Melito