O presidente Jair Bolsonaro (PL) recusou a recomendação da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) de cobrar o comprovante de vacinação contra a covid-19 para a entrada de viajantes no Brasil, tendo em vista a descoberta da nova variante, a ômicron. O governo decidiu adotar apenas uma quarentena de cinco dias para viajantes não vacinados.
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A deliberação foi anunciada nesta terça-feira (7) pelos ministros da Casa Civil, Ciro Nogueira, da Saúde, Marcelo Queiroga, e da Advocacia-Geral da União, Bruno Bianco, depois que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, deu um prazo de 48 horas, na segunda feira (6), para o governo federal se manifestar acerca das recomendações da Anvisa.
A determinação de Barroso atendeu a uma ação do partido Rede Sustentabilidade, protocolada na Corte no dia 26 de novembro, solicitando a adoção das medidas recomendadas pela agência, feitas no dia 25 de novembro.
Ainda que o governo não tenha adotado de forma integral as recomendações da Anvisa, esta não é a primeira vez que a gestão Bolsonaro realiza alguma medida no âmbito da pandemia de covid-19 somente após ser cobrada pelo STF.
Vacinas Pfizer ao estado de São Paulo
Em agosto deste ano, o ministro Ricardo Lewandowski determinou ao Ministério da Saúde o restabelecimento da distribuição de vacinas da Pfizer ao estado de São Paulo, a fim de garantir a aplicação da segunda dose.
Na decisão, Lewandowski escreveu que “mudanças abruptas de orientação que têm o condão de interferir nesse planejamento acarretam uma indesejável descontinuidade das políticas públicas de saúde dos entes federados, levando a um lamentável aumento no número de óbitos e de internações hospitalares de doentes infectados pelo novo coronavírus, aprofundando, com isso, o temor e o desalento das pessoas que se encontram na fila de espera da vacinação”.
A deliberação de Lewandowski foi fruto de uma ação feita pelo governo estadual paulista. Antes, a Secretária de Saúde do estado já havia enviado um ofício para Brasília solicitando as 228 mil doses que deixaram de ser enviadas.
Vacinação de adolescentes
Em outubro também deste ano, o plenário virtual do STF derrubou a recomendação feita pelo Ministério da Saúde para estados e municípios suspenderem a vacinação em adolescentes de 12 a 17 anos sem comorbidades.
Os ministros votaram a favor de deixar aos estados e municípios a competência pela decisão da imunização.
Segundo Lewandowski, “qualquer que seja a decisão concernente à inclusão ou exclusão de adolescentes no rol de pessoas a serem vacinadas, ela deverá levar em consideração, por expresso mandamento legal, as evidências científicas e análises estratégicas em saúde”.
O Ministério da Saúde recomendou a suspensão da vacinação depois que um adolescente de 16 anos veio a óbito em São Paulo após ser vacinado. Dias depois, no entanto, a própria pasta e a Anvisa concluíram que a causa da morte não teve relação com a imunização.
Vacinação de indígenas em áreas urbanas
O STF, em março deste ano, determinou ao governo federal priorizar a vacinação de indígenas que moram em cidades e em territórios não homologados, assim como já ocorria com os demais indígenas.
O Plano Nacional de Vacinação do governo federal, que também surgiu após uma determinação da Corte, incluía os indígenas nos grupos prioritários, mas apenas os aldeados.
Na decisão, Barroso afirmou que o “serviço, em alguns casos, não vinha sendo prestado, sob o fundamento de que só são indígenas os que se localizam em terras indígenas e de que só são terras indígenas aquelas definitivamente identificadas como tal pela União”.
O ministro ainda afirmou que se trata “de fato incontroverso e de conhecimento geral as declarações do Presidente da República de que, em seu governo, não se demarcarão terras indígenas. Portanto, condicionar o atendimento de saúde à demarcação significa abandonar os indígenas à própria sorte em meio à pandemia”.
O STF se manifestou sobre o caso depois que entidades indígenas acionaram a Corte, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Plano de contenção da covid-19 entre indígenas
Nessa mesma linha, ainda em julho de 2020, o STF determinou ao governo federal a adoção de um plano com medidas de proteção aos povos indígenas contra o novo coronavírus, como o isolamento de invasores nas terras indígenas.
A decisão partiu do julgamento de uma ação protocolada pela Apib, junto com os partidos PSB, PCdoB, PSOL, PT, REDE e PDT.
O Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas, no entanto, foi aceito pelo ministro Barroso apenas em março deste ano, e parcialmente, na quarta tentativa do governo federal de homologar um planejamento.
Barroso deixou claro, em sua decisão, que só acatou o plano apresentado devido à urgência do tema para as comunidades indígenas, mas que ainda assim diversas decisões anteriores foram atendidas somente parcialmente. Para o ministro, isso demonstrou “profunda desarticulação” do governo federal na contenção da doença entre a população.
Custeio dos leitos para covid em São Paulo e Maranhão
Também neste ano, em fevereiro, o STF acatou os pedidos dos governos de São Paulo e do Maranhão e determinou ao Ministério da Saúde o custeio dos leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) para pacientes diagnosticados com covid-19.
O repasse deixou de ser feito pelo governo federal em 2021. A decisão liminar da ministra Rosa Weber determinou, nesse sentido, a reativação de 3.258 leitos de terapia intensiva em São Paulo e de 216 no Maranhão.
“O Governo São Paulo encaminhou diversas solicitações oficiais ao governo federal para manutenção do custeio e aguardou o cumprimento dos protocolos de solicitação, porém do Ministério da Saúde não se posicionou em relação à habilitação dos leitos”, publicou o governo estadual paulista, em nota, na época.
Na mesma linha, o governo maranhense publicou que “o Estado do Maranhão tem que arcar sozinho com todo o custo para manutenção desses leitos, sem qualquer apoio ou contrapartida da União”.
Movimento do STF é fruto da sociedade civil
Para o médico infectologista Alexandre Padilha, deputado federal (PT-SP) e ex-ministro da Saúde nos governos petistas Lula e Dilma Rousseff, o movimento do STF é “provocado pela sociedade, partidos políticos, governadores e prefeitos”.
Ainda assim, não fossem o STF e o Congresso Nacional com a CPI da Covid, “Bolsonaro teria posto em prática integralmente o seu plano de estimular que as pessoas se infectassem para atingir a imunidade de rebanho, e permanentemente ele continua agindo dessa forma”.
“Desde o começo, nenhuma medida concreta de controle da pandemia foi de iniciativa do governo federal. Mesmo a contratação das vacinas só aconteceu em março deste ano, quando o Ministério da Saúde fez o primeiro contrato, depois de uma pressão absurda desde agosto do ano passado pelos governadores, prefeitos e pelo próprio Supremo Tribunal Federal”, afirma Padilha.
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Na opinião do ex-ministro, esse comportamento de inércia do governo federal diante da pandemia reflete o fato de Bolsonaro ser “fruto de uma mentalidade e de um exercício de governo que é pré-Constituição de 88.
"[Ele] não admite as instituições que foram construídas ou reafirmadas no Brasil com a Constituição de 88. Ele não admite a existência do SUS com pactuação tripartite, com controle social. Ele vai continuar disputando o exercício do poder, não só com o STF, mas com todas as instituições construídas no país na Constituição de 88”.
“Porque ele não admite o STF? Porque ele não admite a Constituição. O STF tem o papel de ser a guardião da Constituição e identificar quando a Constituição não está sendo cumprida”, ressalta Padilha.
Ainda em outubro de 2018, o filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), fez declarações contra o STF. "Cara, se quiser fechar o STF, sabe o que você faz? Você não manda nem um jipe. Manda um soldado e um cabo. Não é querer desmerecer o soldado e o cabo, não", disse o parlamentar.
A atitude deu o tom do que seria o comportamento não só do presidente, mas da família Bolsonaro em relação ao STF.
Edição: Leandro Melito