Quase 10 milhões de crianças e adolescentes estudantes da rede pública de educação de todo o Brasil, não receberam qualquer auxílio para alimentação desde o início da pandemia de covid-19.
Programas de distribuição de cestas básicas ou vales-alimentação com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar, o PNAE, só chegaram todos os meses para cerca de 6 milhões de estudantes. Outros 8 milhões relataram ter recebido auxilio para alimentação por parte de suas escolas uma única vez durante os quase dois anos de pandemia.
Os dados fazem parte do Anuário 2021 do Observatório da Alimentação Escolar, que será lançado hoje, às 16h, em um evento online no canal do Youtube do observatório.A pesquisa ouviu 900 estudantes da rede básica do ensino público, em 215 municípios de todos os estados e mostra uma situação desoladora.
Além dos alimentos ou recursos chegarem a poucos estudantes, os relatos dão conta de uma significativa perda na qualidade da alimentação se comparado ao que era servido nas escolas. Os alimentos mais presentes nas cestas foram: arroz, macarrão, feijão, açúcar e óleo.
Dentre os estudantes que receberam alimentos, apenas 23 por cento tiveram acesso a carnes em suas cestas, 29 por cento legumes e verduras, e 19 por cento, frutas.O PNAE existe há 40 anos e chega a todos os 5.570 municípios, atendendo os mais de 40 milhões de estudantes da rede básica de ensino. Em abril de 2020, foi sancionada a lei 13.987 que autorizou a distribuição de cestas de alimentos adquiridos com os recursos dos PNAE aos pais e responsáveis dos estudantes da educação básica da rede pública.
Mariana Santarelli Pesquisadora e Coordenadora de Projetos do Observatório ressalta, no entanto, que não houve a definição de uma política nacional para a distribuição de alimentos aos estudantes. Com isso muitas crianças acabaram excluídas e a oferta foi desigual.
“O que a gente viu como tendência na pandemia foi a focalização nas famílias que já eram escritas no cadastro único ou já eram beneficiárias da Bolsa Família e de outras políticas sociais, deixando de fora uma série de crianças e adolescentes De famílias que tinham entrado em uma situação de pobreza[...]. A gente entende que isso foi uma violação do direito alimentação escolar, porque pela lei do programa todos os estudantes têm direito. O que a gente viu no Brasil foi uma distribuição irregular, onde alguns lugares adotaram cartão, outros distribuíram cestas, e alguns lugares houve a distribuição mensal [...]. Essa é a realidade que a gente viu pelo país”.
A coordenadora geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, avalia que o atendimento das crianças com a alimentação escolar na pandemia ficou muito distante do que poderia ter sido, conforme o PNAE.
“Várias crianças dependiam dessa alimentação para sua segurança alimentar e para garantir alimentação diária, e isso tem sido não só descontinuado, como muitas vezes precarizado com a distribuição de alimentos de baixo teor nutricional e uma qualidade do alimento muito ruim. Além disso, houve projetos de lei aprovados que possibilitaram ao invés da distribuição de alimentos in natura, seguindo o protocolo nacional de alimentação escolar, fossem distribuídos cartões alimentação que não garantem essa segurança alimentar, porque não garantem um alimento nutricional in-natura e também da agricultura familiar”.
Mariana confirma a fala de Andressa Pellanda, e explica que o PNAE não foi pensado apenas para alimentação dos estudantes, mas para o fortalecimento da agricultura familiar e a redução do consumo de alimentos ultraprocessados. No entanto, a política de distribuição de recursos da alimentação escolar em cartões de vale-alimentação afetou negativamente essa política e favoreceu as grandes redes de supermercados.
Em um movimento que já se especula que pode caminhar para uma privatização da alimentação escolar, com a consolidação desse modelo em detrimento de alimentação oferecida na escola.
Na capital paulista, por exemplo, o governo do prefeito Ricardo Nunes, do MDB, firmou contrato com a rede de cartões Alelo para oferta do vale-alimentação para os estudantes, ao custo de 76 milhões de Reais por ano.
Esse valor acaba sendo tirado do montante da alimentação escolar, reduzindo o potencial da oferta de alimentos saudáveis e in natura. Os agricultores familiares, que costumam vender sua produção principalmente para o PNAE, acabaram abandonados na pandemia.
No ano de 2020, as compras foram totalmente interrompidas e, em 2021, apenas 21 por cento deles conseguiu voltar a fornecer alimentos para o programa.
As organizações que compõem o observatório também reivindicam que é preciso recompor o valor por estudante do PNAE, que não teve reajustes relativos à inflação dos últimos 11 anos. Apenas entre 2020 e 2021, a execução financeira dos recursos para alimentação escolar diminuiu 17 por cento em termos reais, e a proposta para 2022 propõe uma nova redução de 8 e meio por cento.
As organizações pedem que seja considerado no orçamento de 2022, ao menos, a recomposição da inflação desde 2019, o que elevaria os recursos da alimentação escolar em, pelo menos, 1 bilhão de Reais.
Confira esta e outras notícias desta terça (07) no áudio acima.
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