Na segunda quinzena de novembro, Ivan Galdino, morador do Vasco da Gama, na zona norte do Recife, começou a apresentar uma coceira intensa e manchas vermelhas pelo corpo, e não sabia identificar a causa. “Foi muito estranho, porque começou assim de uma hora para a outra. De repente a minha pele começou a coçar muito, a queimar e eu fiquei ‘meu Deus, o que está acontecendo?’”, indagava Ivan.
Assim como Ivan, 460 pessoas foram contaminadas por um surto de lesões de pele em 20 municípios do litoral ao sertão de Pernambuco. Com os sintomas de coceira e vermelhidão, os moradores estão com medo por ainda não haver um diagnóstico conclusivo sobre o que está provocando este surto. “Eu ficava buscando alguma explicação, tentei ver se era o meu colchão que estava com alguma coisa, eu tenho cachorro e tal. Aqui na minha casa era só eu que estava sentindo isso e eu não tinha tido contato com mais ninguém além da minha namorada. Não tenho saído muito de casa ultimamente. Aí isso durou uns 7 dias, para terminarem os sintomas foram uns 8 ou 9 dias”, lembra Ivan.
Uma das hipóteses que vêm sendo debatidas por profissionais da área de saúde é a de uma escabiose resistente, que seria o nome científico da sarna humana. O aumento do uso de Ivermectina em 800% no ano passado pode ser uma causa por trás do surto. É o que um grupo de pesquisadores de Alagoas alertou em um artigo publicado em agosto.
A combinação de erros no uso da Ivermectina, cientificamente comprovada como ineficaz para a covid-19, junto com a falta de condições de higiene adequada são apontadas pelos pesquisadores como possíveis causas “A Ivermectina é um antiparasitário e um antimicrobiano. Então, toda vez que um antimicrobiano está sendo usado excessivamente ele aumenta as chances de resistência. Consumo excessivo e repetitivamente; dose mais alta que o normal; o aumento na pobreza; problemas de escolarização da população; dificuldades sanitárias que passamos; o confinamento de mais de 4 pessoas num mesmo ambiente. Então, aquela busca que foi algo para a gente preparar um estudo para o futuro, a gente viu ali ‘opa, isto é uma bomba-relógio’”, aponta Alfredo Dias, farmacêutico, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e um dos líderes do Núcleo de Estudos em Farmacoterapia.
A pesquisa analisa a relação do uso da ivermectina e a escabiose nos últimos 30 anos, desde a chegada do medicamento ao país e foi publicada com o objetivo de alertar a população sobre as possíveis consequências do uso indiscriminado do medicamento. Para o grupo, a redução da pobreza e a oferta de direitos como o saneamento básico e o acesso aos serviços de saúde pública podem ser decisivo para a redução da escabiose a longo prazo.
“Se a hipótese da escabiose não se confirmar, o artigo finalmente vai servir de alerta. Isso tudo pode acontecer, se já não estiver acontecendo agora, pode acontecer no próximo mês, daqui a alguns meses. Mas agora eu acredito que com esta visibilidade as pessoas vão poder controlar a variável que pode ser controlada. Porque a gente não acaba com a pobreza assim, em um estalar de dedos, a gente precisa de mua vontade, muito planejamento, muito investimento. A gente não modifica rapidamente condições sanitárias, a educação da população, mas da mesma forma que o consumo de ivermectina subiu muito rápido, ele pode cair muito rápido”, aponta o farmacêutico.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga