ENTREVISTA

Conexão ultrarrápida: quais são os impactos da chegada do 5G para a população brasileira

Flávia Lefévre, do Intervozes, explica sobre as desigualdades no acesso à internet no Brasil

Brasil de Fato | Lençóis (BA) |

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A China é o país que lidera o desenvolvimento e a aplicação da tecnologia 5G em todo o mundo - Hector Retamal / AFP

Já faz algum tempo que a gente vem escutando falar sobre a chegada do 5G no Brasil. Mas você sabe como isso te afeta? Para entender melhor essa história e falar sobre as desigualdades no acesso à internet no Brasil, entrevistamos Flávia Lefévre, advogada, integrante do Coletivo Brasil de Comunicação - Intervozes e da Coalizão Direitos na Rede. 

Brasil de Fato: Vamos começar bem do começo: o que é essa tecnologia 5G? 

Flávia Lefévre: É uma conexão à internet de quinta geração, muitíssimo mais rápida do que a 4G, 3G e 2G - que ainda operam no Brasil - e que propiciam uma utilização de carros autônomos que dependem do acesso à internet, telemedicina, aplicações na indústria e no agronegócio. Para os cidadãos, poderá significar conexões com muito mais velocidade. Para isso, são necessárias outras faixas de frequência para que esse acesso funcione de fato mais rápido e com uma capacidade maior de tráfego de dados pela internet.

Recentemente, foi realizado um leilão do 5G no Brasil. Pode nos explicar o que foi leiloado e como aconteceu esse leilão?

A Anatel, que foi o órgão encarregado de definir os termos, a modelagem desse leilão, colocou em licitação quatro radiofrequências, várias faixas de frequência dentro dessas radiofrequências para que empresas interessadas contratassem uma autorização de exploração dessas frequências pelo prazo de 20 anos. O leilão aconteceu no último dia 04 de novembro, e as principais faixas de frequência em escala nacional foram arrematadas especialmente pela Vivo, pela TIM e pela Claro, que hoje já são as empresas que dominam o mercado de telefonia móvel — elas inclusive estão adquirindo a operação móvel da Oi. Teve a entrada de outras empresas, mas em blocos regionais. E teve uma empresa que arrematou a frequência de 700MHz, que é a frequência boa para o 4G, em nível nacional, mas que já informou que vai atuar no atacado. Ou seja, ela vai fazer investimentos de infraestrutura e vai contratar a capacidade dessa sua rede com o mercado corporativo. E esperamos que ela também comercialize a capacidade de sua rede com pequenos provedores, de modo que a gente possa, de fato, ampliar o número de prestadores de serviço de conexão à internet na rede móvel, porque hoje o mercado é muito concentrado. Assim, tem-se pouco esforço para redução de preço e melhoria da qualidade de serviço.

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E como aconteceu esse leilão? Como foi feita a distribuição/venda desses lotes?

A forma como o edital foi desenhado pela Anatel, no nosso modo de ver, não respeitou a realidade brasileira. Ainda que, de acordo com o Cetic-Br (Comitê Gestor da Internet no brasil), 81% da população hoje tenha acesso à internet no Brasil, a gente sabe que muitos desses acessos não são acessos ilimitados, e que possam ser considerados acessos com qualidade. A União Internacional de Telecomunicações diz que para um serviço móvel ter qualidade precisaria ter 1500 usuários por antena. Aqui na capital de São Paulo, que é uma realidade completamente privilegiada em relação a todo o Brasil, a média de usuários por antena é de 3500 usuários. Volta ao dados do Cetic-BR, você vai ver que nas classes D e E se tem 90% dos usuários acessando a internet exclusivamente pela rede móvel. E, na classe C, 58%. Ou seja, nós estamos falando de mais de 75 milhões de cidadãos, sendo que a maioria deles possui planos pré-pagos, com franquias muito baixas, a média dessas franquias é de menos de 2Gb por mês. E depois que esses dados são esgotados, eles não são suficientes para assistir 2 horas de aulas por exemplo, o consumidor passa a ter acesso exclusivamente ao Facebook e ao WhatsApp, que a gente não pode considerar propriamente como um acesso à internet. É por isso que a gente fala hoje em um novo conceito para se analisar a conectividade que é a conectividade significativa. A gente pode considerar significativo um acesso precário como esse? Limitado, em que o usuário só tem acesso duas aplicações?

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No momento atual, no qual precisamos de internet para muita coisa, até para assistir aula, essa distribuição da infraestrutura da internet tem uma implicação muito grande na vida das pessoas, não é?

De acordo com o ranking mundial do IDH, divulgado pela ONU em 2020, de 2016 para cá, o Brasil passou da 79ª posição para 84ª posição entre 189 países avaliados, sendo que há queda atribuída à falta de avanços na educação, com alertas para a grande desigualdade de renda e de gênero. Ou seja, um acesso precário à internet termina afetando também e prejudicando e comprometendo os avanços na educação que são fundamentais para o desenvolvimento no país. Então, é com base nesse cenário, que nós entendemos que a Anatel deveria ter definido o modelo do edital com um outro foco, deveria ter focado na universalização do acesso, que é o direito que está expresso na nossa Constituição Federal e no Marco Civil da internet.


A advogada afirma que um acesso precário à internet compromete os avanços na educação, que são fundamentais para o desenvolvimento no país / Reprodução

A forma como ele foi feito vai ajudar ou prejudicar a população em geral?

As contrapartidas que a Anatel estabeleceu no leilão são desproporcionais com relação ao valor das frequências que foram colocadas em licitação. Elas são inadequadas também à demanda reprimida que o Brasil tem por infraestrutura. Aí, eu não estou falando nem no 5G, porque o 5G, a princípio, vai ser um acesso mais voltado para o mercado corporativo, para a telemedicina, para o agronegócio, para aplicações da indústria, carros autônomos, entre outras aplicações dessa espécie. Mas, a Anatel deveria ter aproveitado essa oportunidade de botar em leilão bens tão valiosos, como são as frequências que foram colocadas em licitação, para alavancar o acesso à internet pelo 4G, já que as contrapartidas que ela colocou no edital não são contrapartidas de acesso, são contrapartidas de implantação de uma infraestrutura mínima de sinalização para que outras empresas invistam em colocação de antenas, para prestar serviço para o usuário, com metas até 2029. Não estou falando em 5G, estou falando de 4G. Quando a gente tem a situação de desigualdade imensa que está demonstrada por diversas pesquisas hoje.

E quais são essas contrapartidas que a Anatel poderia ter estabelecido em edital para diminuir essas desigualdades de acesso?

Por exemplo, que as empresas instalassem pontos públicos de wi-fi, que se estabelecessem regras claríssimas da possibilidade do uso secundário por outras empresas que não as que venceram a licitação dessas frequências, que são bens públicos, portanto devem estar a serviço da inclusão digital e de políticas públicas. Regras claras de compartilhamento de infraestrutura. Mas nada disso foi previsto no edital. E além de tudo, infelizmente, o número de empresas que entraram nesse leilão — ainda que, sim, seja positivo, a gente ter outras empresas, além das três principais que hoje dominam o mercado —, mas elas entraram de forma pontual e a gente continuará a ter um predomínio das grandes empresas que já dominam esse mercado no Brasil.

E agora, feito o leilão, ainda dá pra fazer alguma coisa, por exemplo, no sentido de melhorar a cobertura/acesso dos milhões de brasileiros que ainda não têm internet?

Apesar de o leilão não ter sido suficiente, na nossa análise, para garantir o enfrentamento da desigualdade e do fosso digital que nós temos, nós temos outras políticas públicas e outros recursos que vão merecer atenção, como por exemplo o Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações, cuja lei sofreu alterações para facilitar a utilização desses recursos para a universalização do serviço de acesso à internet. Então a gente espera que de fato os governos parem de utilizar esse dinheiro para fazer superávit e invistam na universalização desse serviço. E vamos ter que fiscalizar se as metas que constarão dos contratos que serão assinados com as empresas que venceram a licitação do 5G serão cumpridas. São metas, ainda que não adequadas do modo que a gente entende que seria importante, mas são metas relevantes de ampliação da infraestrutura, por exemplo, conexão de escolas. Vamos ter que verificar se esses programas serão desenvolvidos, serão postos em prática. Porque a gente tem uma acesso de escolas muito precário à internet, isso é essencial melhorar para o desenvolvimento do nosso país, ou seja, temos que ficar de olho e cobrar da Anatel, que é quem vai fiscalizar o cumprimento dessas obrigações, e do Tribunal de Contas da União que fiquem encima disso tudo para que a gente não tenha entregado frequências por 20 anos para as empresas e não tenhamos em troca as contrapartidas necessárias para o desenvolvimento social do país e para a democratização do acesso à comunicação.
 

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Fonte: BdF Bahia

Edição: Elen Carvalho