Embora o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o vice Hamilton Mourão (PRTB) neguem a existência do racismo no Brasil, pesquisadores dos EUA ouvidos pelo Brasil de Fato apontam um quadro diferente. Tanto no país mais rico do mundo quanto no Brasil, a cor da pele, e como ela é lida pelo resto da sociedade, tem impactos profundos.
O sociólogo especialista em estudos africanos Tukufu Zuberi, professor da Universidade de Pensilvânia, avalia que até mesmo Mourão pode ter ser vítima da violência policial por sua cor da pele nos EUA: "Se ele [Mourão] vier aos Estados Unidos, ele pode facilmente ser jogado no chão e revistado, ou até colocado na cadeia."
Esse tratamento "diferenciado" oferecido a brancos e negros, nos Estados Unidos, também existe no Brasil. Apesar de os países terem lá suas particularidades, é preciso entender que a pauta pela justiça racial têm mais pontos convergentes que divergentes.
"Ambos foram colonizados por grupos de colonos europeus, que devastaram a população indígena, que exploraram a mão de obra africana e criaram sistemas de identidade racial para promover noções de supremacia branca", diz Zuberi.
Quem completa a ideia do colega é o professor de Estudos Africanos na Brown University, Barrymore Bogues. "Uma das principais conexões da pauta racial é a forma como a escravidão oriunda do colonialismo europeu colocou a inferioridade no cerne do racismo negro; e no cerne dessa inferioridade está a concepção de que os negros não têm história", afirma.
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Essa narrativa supremacista que apaga histórias de populações inteiras acaba por desumanizar esses grupos que ainda hoje vivem às margens da sociedade. "Não é por acaso que pessoas negras são assassinadas nas favelas do Brasil e assassinadas pela polícia americana. São corpos descartáveis para a estrutura racista de países colonizados pela supremacia branca", explica Bogues.
São essas camadas sobrepostas entre países e culturas diferentes que levam os especialistas a defender a internacionalização da luta racial. "O Brasil precisa aprender com o movimento negro africano, que precisa aprender com o movimento negro estadunidense, que precisa aprender com o Brasil. Todos os movimentos precisam voltar seus olhos para a África e entender sua história, porque senão a própria lógica do racismo pode nos confundir", defende Zuberi.
A própria noção de raça é sempre relacional. De acordo com o professor da Universidade de Pensilvânia, uma pessoa considerada branca no Brasil jamais seria branca nos Estados Unidos, independentemente da cor de sua pele. "Negritude não é uma identidade individual, é um status social compartilhado. É a resposta da sociedade a você", diz.
Por isso Zuberi, que conhece bem o Brasil, entende o que ele chama de mindset racial. "Eu realmente compreendo a lógica de um racista, a lógica de quem perpetua a supremacia branca. Não são pessoas desumanas, são apenas pessoas guiadas pela ignorância, e isso se resolve com educação".
É por isso que os professores defendem a ideia de um mês dedicado à pauta racial, porque é preciso falar sobre o assunto incansavelmente. Tanto que, para o professor Bogues, um mês é muito pouco. "Todo mês deveria ser o mês da história negra, porque acho pouco para a nossa luta isolar a nossa sobrevivência e perseverança a um único mês", e finaliza, "essas lições deveriam ser ensinadas todos os meses, a todas as pessoas, em todos os lugares".
É apenas a educação e a revisão histórica que podem abrir caminho para a equidade racial, que por enquanto flutua ao sabor do privilégio de cada sociedade.
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"Quando um bebê nasce, ele não nasce preto, branco ou indígena. O bebê nasce humano, e nós que mudamos essa realidade à medida que ele entra para a sociedade. Nós o racializamos para que seja preto, branco ou indígena", explana Zuberi, "a narrativa da sociedade sobre quem é negro e quem é branco, é determinada pela história dessa sociedade, por isso o bebê branco em São Paulo, não é branco em Nova York."
Edição: Thales Schmidt