No STF

Dois ministros rejeitam ação contra lei que proíbe pulverização de agrotóxico; votação continua

Caso sobre norma do Ceará está em análise em plenário virtual até dia 22; autor da medida pede julgamento presencial

Brasil de Fato | Fortaleza (CE) |
“Não há óbice constitucional a que os estados editem normas mais protetivas à saúde e ao meio ambiente quanto à utilização de agrotóxicos", afirma Cármen Lucia - Nelson Jr./STF

A ministra Cármen Lúcia defendeu a constitucionalidade da Lei José Maria do Tomé (nº 16.820/19), que proíbe a pulverização área de agrotóxico no Ceará e entrou em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (12). O caso está em análise por meio do plenário virtual, que recebe os votos dos ministros até o próximo dia 22.

Ao depositar o voto no sistema eletrônico do Tribunal, o ministro Edson Fachin se alinhou ao entendimento da relatora. Ainda faltam os votos dos demais oito membros do STF.

A Corte julga a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 6137, protocolada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que alega que esse tipo de legislação seria competência exclusiva da União.

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Cármen Lúcia discordou da afirmação. Ao citar os artigos 196 e 225 da Constituição Federal, ela argumentou que há competência comum dos entes federados naquilo que se refere à saúde e à proteção ambiental.

A ministra também afirmou que a competência da União para formular normais gerais nessas duas áreas “não pode servir de pretexto para que a competência dos estados, do Distrito Federal e dos municípios seja reduzida ou suprimida pela legislação nacional”.

“Não há óbice constitucional a que os estados editem normas mais protetivas à saúde e ao meio ambiente quanto à utilização de agrotóxicos. A regulação nacional limita-se a traçar os parâmetros gerais quanto à matéria, estabelecendo atividades de coordenação e ações integradas”, disse a magistrada. [Continua abaixo do vídeo.]

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A CNA, uma das organizações mais poderosas entre as que reúnem ruralistas, também argumenta que a norma cearense fere a livre iniciativa e a livre concorrência, mas novamente a ministra divergiu da entidade.

“A livre iniciativa não impede a regulação de atividades econômicas pelo estado, a qual pode se mostrar indispensável para resguardar outros valores prestigiados pela Constituição, como a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho humano, a livre concorrência, a função social da propriedade, a defesa do consumidor e do meio ambiente e a busca do pleno emprego”, disse.

Riscos

Cármen Lúcia também destacou diferentes argumentações técnicas já apresentadas que demonstram “perigos graves, específicos e cientificamente comprovados” de contaminação ambiental e de intoxicação de pessoas pelas chamadas “chuvas de veneno”.

Ela evidenciou, por exemplo, estudos que apontam o problema da “deriva técnica” resultante da pulverização aérea de veneno. A expressão se refere à quantidade de pesticida que não atinge o alvo objetivado pelo produtor e atinge áreas adjacentes, causando grande impacto ambiental.

A ministra mencionou que os agricultores do Ceará têm até seis vezes mais casos de câncer do que os não agricultores em pelo menos 15 de 23 localidades acompanhadas por pesquisadores. “Além disso, a taxa de mortalidade por neoplasias foi 38% maior nos municípios de estudo”, ressaltou.

Julgamento

Autor da legislação cearense, o deputado estadual Renato Roseno (Psol) está em articulação em Brasília (DF) e enviou, nesta sexta (12), uma manifestação escrita a diferentes ministros do STF para defender a Lei José Maria do Tomé.

Ele defendeu o teor da norma e apresentou uma série de cartas e notas técnicas de especialistas favoráveis à lei. O parlamentar também levou cópia de um abaixo-assinado que circula na internet com assinaturas em defesa da legislação.

O PSOL e a Assembleia Legislativa do Ceará pediram ao STF que o julgamento passasse do plenário virtual para o presencial, mas a solicitação foi negada nesta sexta (12) pela ministra Cármen Lúcia. A iniciativa ainda pode ser acatada pela Corte até a data final do julgamento, desde que seja solicitada por algum dos dez membros da Corte.

“Pela complexidade, nós esperamos que haja um destaque por parte de algum ministro e que o julgamento vá ao plenário presencial, para permitir, inclusive, um envolvimento maior da sociedade brasileira no tema”, argumenta o deputado Renato Roseno.

Ele acrescenta que, ao longo dos quase três anos de vigência da lei, não houve queda na produção agrícola do Ceará, conforme foi levantado por produtores que alegam ter tido prejuízos.

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Pesquisa divulgada em setembro deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que houve aumento, por exemplo, no rendimento dos produtores por hectare e o valor das colheitas teve alta de 28,41%, totalizando R$ 3,73 bilhões. “Além disso, as comunidades se livraram de uma trágica realidade, que era conviver com a chuva de veneno. Isso é muito importante”, destaca Roseno, ao defender a legislação.

“E estamos no meio da COP, que está responsabilizando todos nós no planeta, mas em especial os dirigentes, gestores e lideranças nacionais, no sentido de que se faça uma transição ecológica. Um dos pontos fundamentais dessa transição é justamente um novo modelo agrícola. O atual modelo agrícola gera um impacto ambiental gigantesco”, afirma o deputado.

Edição: Vinicius Segalla