A candidatura do ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro à Presidência da República ganhou destaque nos principais veículos de comunicação do país nas últimas semanas. Algoz de Lula (PT) e rompido com Jair Bolsonaro (sem partido), o ex-magistrado da operação Lava Jato finalmente admitiu o anseio de disputar o Palácio do Planalto em 2022.
Depois de negar múltiplas vezes que teria pretensões eleitorais, a confirmação da candidatura foi feita com o anúncio de seu ato de filiação partidária ao Podemos. O evento vai ocorrer em Brasília na próxima quarta-feira (10), onde o ex-juiz desembarcou no início desta semana. O convite do evento foi divulgado à imprensa na semana passada.
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Nessa quinta-feira (4), o procurador do Ministério Público Federal (MPF) que liderou a força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, anunciou a renúncia do cargo. A tendência é que ele também saia candidato nas eleições de 2022. Assim como Moro, deve disputar uma vaga na política pelo Podemos.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o escritor Milton Alves, autor do livro "Lava Jato - Uma conspiração contra o Brasil", disse que a confirmação da candidatura de Moro e Deltan reforça a noção de que a operação Lava Jato atuou como um partido político.
"São candidatos de direita, que dialogam com a extrema-direita, com setores da alta burocracia federal e com setores do Judiciário que são lavajatistas. O lavajatismo é um estado de espírito da classe média alta, que reputa que o principal problema do país é a corrupção. Historicamente, essa bandeira é capturada pela direita. O Bolsonaro cavalgou com essa bandeira", afirma Alves.
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"A movimentação aumenta o leque de candidaturas que estão no vestibular da terceira via. Estão tentando encontrar um nome para enfrentar Lula e Bolsonaro. A velha direita neoliberal faz um verdadeiro vestibular, em que agora Moro se apresenta oficialmente como um filiado a partido político, o Podemos, uma legenda de direita e bolsonarista, mas que vai abrigar o ex-ministro", analisa.
O Podemos tem como principal liderança o senador paranaense Álvaro Dias, aliado histórico de Moro e Deltan. A sigla ficou conhecida nos últimos anos como o "partido da Lava Jato", pela defesa intransigente da operação. Mesmo sendo apenas o décimo terceiro maior partido em número de filiados, o Podemos é o terceiro no tamanho da bancada no Senado Federal.
A legenda tem sido comandada pela família Abreu (Dorival de Abreu, José Masci de Abreu e, atualmente, Renata Abreu) desde sua fundação, em 1995. Deputada federal, Renata é hoje a presidente nacional da sigla. Antes de 2018, o partido chamava PTN (Partido Trabalhista Nacional).
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A orientação ideológica do partido sempre foi cravada no campo da direita - apesar de apoios a siglas dos dois lados do espectro. Em 2010, o PTN foi um dos partidos que compôs a coligação que apoiou a eleição de Dilma Rousseff. Quatro anos depois, em 2014, contudo, o partido entrou no grupo das legendas que bancou a candidatura de Aécio Neves à Presidência.
Em 2018, inspirado pelo Podemos, partido de esquerda da Espanha, e pelo slogan "Yes, we can" de Barack Obama, nos Estados Unidos, o partido adotou o novo nome, o Podemos. No mesmo ano, incorporou à sua estrutura partidária o PHS (Partido Humanista da Solidariedade) e lançou o senador Álvaro Dias como candidato a presidente.
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No último pleito presidencial, Dias teve menos de 1 milhão de votos e fechou a disputa com 0,8% dos votos válidos. No segundo turno, o partido declarou neutralidade na disputa de Bolsonaro contra o petista Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação dos governos de Lula e Dilma Rousseff (PT). Líderes do partido, porém, afirmaram ter votado no candidato do PSL.
No ano passado, um levantamento realizado pelo site Congresso em Foco, com base na plataforma Parlametria, apontou que o Podemos era a legenda mais fiel a Bolsonaro nas votações da Câmara dos Deputados.
Com 92% de adesão aos projetos governistas, a agremiação que conta com 11 deputados federais ficou pouco acima dos cinco congressistas do Patriotas (90%) e à frente do PSL, partido pelo qual Bolsonaro foi eleito, que mantinha 85% de adesão a pautas governistas.
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No Senado, o Podemos reúne outros dois congressistas paranaenses, Flávio Arns e Oriovisto Guimarães. A bancada do partido na Casa ainda conta com Jorge Kajuru (GO), Laisier Martins (RS), Reguffe (DF) e Styvenson Valentim (RN), além de dois senadores que ganharam destaque na CPI da Covid, Eduardo Girão (CE) e Marcos do Val (ES).
Girão e do Val, apesar de vinculados ao novo partido de Moro, ainda seguem fiéis a Bolsonaro no Congresso Nacional e nas redes sociais. O dilema que os dois enfrentarão no debate eleitoral após a efetivação da candidatura Moro, pode tirá-los da base governista ou fazer com que rompam com o Podemos.
Prerrogativas crítica
Advogados, juristas e professores de Direito que compõem o grupo Prerrogativas divulgaram nota nesta quinta-feira (4) condenando as pretensões políticas de Deltan Dallagnol e Sergio Moro.
De acordo com os juristas, trata-se da “consumação de uma manobra criminosa de aproveitamento político do sistema de Justiça”. Para os integrantes do Prerrogativa, Moro e Dallagnol “agora exibem à luz do sol seus verdadeiros propósitos”.
“Os pretextos de ‘combate à corrupção’, ‘Brasil justo para todos’, ‘lei que deve valer para todos’ e até ‘amor ao próximo’, utilizados por esses farsantes, na verdade sempre constituíram veículos de busca de interesses pessoais, à custa da destruição de empresas nacionais e da condenação de inocentes, numa tenebrosa deformação das funções da magistratura e do Ministério Público”, diz a nota.
Boa relação com MBL
Entre os ainda parcos apoios que acumula na tentativa de chegar ao Palácio do Planalto, Moro tem sido celebrado por dois movimentos com protagonismo na luta pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem Pra Rua Brasil.
Nesta semana, Moro divulgou vídeo divulgando que será a "atração surpresa" em um encontro nacional do MBL que vai ocorrer em Brasília. Segundo Milton Alves, os dois movimentos serão aqueles que "vão tocar o bumbo" para Moro.
"Os movimentos como o Vem Pra Rua Brasil e MBL são forças que vão tocar o bumbo para o Sergio Moro. Mas ele enfrenta bastante resistência no mundo político institucional da velha direita, do establishment. Ele teve papel danoso para partidos importantes, como o MDB e o PSDB", explica.
Dobradinha com Mandetta
Apesar da confirmação de que Moro estará na disputa presidencial, o Podemos ainda pode apostar em compor uma chapa com outro partido. Uma das possíveis alianças é com o União Brasil, partido criado neste ano a partir da fusão do DEM e do PSL. A nova sigla conta com o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.
As conturbadas saídas de Moro e Mandetta da Esplanada dos Ministérios de Bolsonaro ligaram os dois personagens, que já trocaram afagos e elogios nas redes sociais. Os dois, no entanto, devem testar o desempenho de suas candidaturas em pesquisas eleitorais antes de sacramentar uma possível dobradinha para as eleições.
Edição: Vivian Virissimo