Passava pouco das 8h da manhã desta quinta-feira (4) quando os portões da prefeitura de Cajamar, na Grande São Paulo, foram abertos - não pelos funcionários, mas, na marra, por cerca de 200 manifestantes.
Os moradores da Ocupação dos Queixadas, onde vivem 105 famílias, ocuparam a sede do governo municipal por toda a manhã, exigindo uma reunião com o prefeito Danilo Joan (PSD) e uma alternativa ao despejo iminente.
Determinada por decisão liminar (sem análise completa do mérito), a reintegração de posse poderá acontecer a partir de 8 de dezembro. A ordem judicial acata o pedido feito pelos irmãos Vera e Aguinaldo Zanotti, que afirmam ser proprietários da área.
:: Juíza determina despejo de 105 famílias que vivem na Ocupação dos Queixadas em Cajamar (SP) ::
A data de 8 de dezembro não foi escolhida à toa pela juíza Gina Fonseca Corrêa, da 1ª Vara Cível da Comarca de Cajamar. É exatamente um dia depois do fim do período estabelecido em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em que, por conta da pandemia, estão proibidas remoções forçadas.
"As famílias agora pressionam o poder público para ingressar no processo, para se manifestar no sentido de fazer a regularização fundiária no local ou de reassentar essas famílias em outro local, mas que garanta a dignidade da moradia", explica o advogado Valdemir Soares, ao acompanhar a manifestação.
"O povo na rua, Danilo a culpa é sua"
O prefeito Danilo Joan, no entanto, não apareceu. Ao final da manhã, uma comissão composta por moradores dos Queixadas e advogados do movimento Luta Popular foi recebida pelos secretários de Mobilidade e Desenvolvimento Urbano, Leandro Arantes; e de Justiça, Carlos Alexandre Guio. O comandante Cássio, da Guarda Civil Metropolitana (GCM), também participou.
"Resolvemos desocupar a prefeitura porque tiramos três encaminhamentos da reunião, todos a serem realizados na próxima semana", explicou Vanessa, moradora dos Queixadas. "Os passos seguintes da nossa luta serão decididos de acordo com o que acontecer nos próximos dias", informou.
De acordo com Vanessa, a prefeitura de Cajamar se comprometeu a intermediar uma possível negociação entre os ocupantes, a família que se reivindica proprietária do terreno, o Ministério Público e a Defensoria Pública.
Além disso, o movimento Luta Popular ficou de apresentar mapas da cidade com possíveis áreas alternativas para as famílias se realocarem. "E a prefeitura vai fazer o recadastramento de todas as famílias para, no último caso, ganharmos um bolsa aluguel ", elencou Vanessa.
Segundo o comando da GCM, a reunião da próxima semana contará com a presença de secretários e do prefeito. Desde que a comunidade dos Queixadas surgiu, em 2019, seus moradores nunca conseguiram sentar em mesa de negociação com Danilo Joan.
Enquanto a prefeitura de Cajamar esteve ocupada, a GCM impediu, com o uso de escudos e em certo momento com a presença de um pastor alemão, que manifestantes se aproximassem da área em que fica o gabinete do prefeito. Apesar da presença de crianças e idosos, a Guarda também impossibilitou o acesso aos banheiros.
"Onde a gente vai passar o Natal?"
Para Maria Zélia do Nascimento, uma senhora que segurava o neto no colo, Danilo Joan "está se escondendo": "Mas na hora de querer ganhar ele foi lá pedir voto para a gente. Só que agora ele simplesmente ignora os pobres. Pobre para ele não existe".
Sua vizinha, com quem compartilha também o nome de Maria, questionou em voz alta "onde a gente vai passar o natal se a gente for despejado?", ao que responderam duas mulheres ao mesmo tempo: "debaixo da ponte". "Ou então", sorriu uma delas, "aqui mesmo, acampadas na prefeitura".
Além da decisão do Supremo contra remoções, está em vigor a Lei 827/2020, que também suspende despejos durante pandemia, e que vigora até o dia 31 de dezembro. "Isso também está sendo argumentado via Poder Judiciário", expõe o advogado Valdemir Soares, ao ponderar que a extensão em alguns dias do prazo de despejo "não garante o direito à moradia".
Para Soares, por conta do término da validade das proibições de remoções forçadas, a tendência da volta do recesso do judiciário no início de 2022, "é a gente ter uma avalanche de despejos".
:: Pandemia de desocupações forçadas ::
"A pandemia não terminou. E depois da pandemia, os reflexos do desemprego e da fome vão continuar por um bom tempo", avalia o advogado, para quem "o judiciário precisa ser sensível a essa questão".
"É... ou a gente luta ou a gente vai passar o natal na rua", resumiu Maria.
Edição: Vinícius Segalla