Durante pandemia

Juíza determina despejo de 105 famílias que vivem na Ocupação dos Queixadas em Cajamar (SP)

Reintegração de posse está marcada para 8 de dezembro, com autorização de uso da força; moradores pretendem resistir

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Em manifestação contra o despejo, crianças que vivem na Ocupação dos Queixadas mostram fotos da comunidade em frente ao Foro de Cajamar - Arquivo - Luta Popular

Cerca de 400 pessoas que vivem desde 2019 na Ocupação dos Queixadas têm até o dia 7 de dezembro para saírem voluntariamente do terreno, localizado em Cajamar (região metropolitana de São Paulo). Caso contrário, a partir de 8 de dezembro, a execução da reintegração de posse será feita por meio das forças estatais. A Defensoria Pública afirma que vai recorrer da decisão e moradores dizem que vão resistir.  

A decisão liminar tomada nessa segunda-feira (4) e publicada em 6 de outubro é da juíza Gina Fonseca Corrêa, da 1ª Vara do Foro de Cajamar. Nesta quarta, moradores da Ocupação dos Queixadas relatam ter recebido visita da Polícia Militar Ambiental.

:: Mais de 100 famílias são ameaçadas de despejo de terreno que estava há 19 anos abandonado em SP ::

A juíza determinou, ainda, que qualquer construção que esteja em andamento na Ocupação dos Queixadas seja paralisada, com pena de multa de R$1 mil reais a cada dia de descumprimento.

A liminar acata o pedido de despejo feito pelos irmãos Vera e Aguinaldo Zanotti, que afirmam ser proprietários da área. Comemorando a decisão judicial em seu perfil de Facebook, Vera Zanotti postou um vídeo da comunidade feito com imagens de drone, ao som de uma marcha fúnebre. Em suas redes sociais, Zanotti expressa continuamente seu apoio incondicional ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e revolta contra políticos como João Doria (PSDB) e Lula (PT).

Como mostrado pelo Brasil de Fato a partir da análise de imagens de satélite disponíveis na plataforma Google Earth, no entanto, indícios apontam que o terreno não cumpria a função social exigida pela Constituição Federal ao menos há 19 anos (data máxima em que há imagens disponíveis). 

Ou não cumpria, até o momento em que as famílias o ocuparam. Atualmente a comunidade, que se organiza com o movimento Luta Popular, tem horta comunitária, brinquedoteca, biblioteca popular e aulas de reforço escolar.

"Eu e minha família não temos para onde ir"

Entre as 105 famílias prestes a serem despejadas há, de acordo com cadastro feito pela Associação de Moradores, 92 crianças, nove idosos e três pessoas com deficiência.  

Sandra Félix Cunhas é uma das moradoras do Queixadas - nome que a comunidade escolheu em homenagem ao grupo, de mesmo nome, de trabalhadores da Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus, que nos anos 1960, nessa mesma região, fez uma histórica greve de sete anos de duração. 

Mãe de três filhas e desempregada desde o começo da pandemia, Sandra define a Ocupação como "tudo na vida": "se não fosse ela eu não teria onde morar", descreve, afirmando não ter condições de pagar aluguel. "Eu e minha família não temos para onde ir", ressalta. 

Aos 25 anos de idade, Tainá Venâncio - ou Nanázinha, como é conhecida - vive com sua sobrinha na Ocupação dos Queixadas desde o início. 

"Aqui eu aprendi que se a gente não lutar para conseguir nossos direitos... as coisas não vão ser fáceis para a gente como para quem tem uma condição de vida melhor né? Para nós, pobres da periferia, tudo é mais complicado", avalia Nanázinha.

A vida nos Queixadas traz, na visão de Tainá, mais do que um teto. "Aqui a gente tem uma experiência de conviver, sabe? Como a gente queria que fosse lá fora. A gente experimenta isso dia após dia: como resolver problemas juntos, como organizar os espaços das crianças, aqui a gente tem a experiência de plantar para colher, de fazer um bom uso da terra", relata. 

Em relação à reintegração de posse, Nanázinha afirma que a comunidade "vai continuar lutando": "com todos os recursos que a gente tem". 

Reintegração marcada para dia seguinte do período em que despejos estão suspensos

A data escolhida pela juíza Gina Fonseca Corrêa para que se execute a reintegração de posse da Ocupação dos Queixadas não foi à toa. 

Por conta da crise sanitária de Coronavírus, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Roberto Barroso proibiu as remoções forçadas no Brasil pelo período de seis meses "ou até que perdure a pandemia". O semestre desde que ele emitiu a decisão, em junho, completa seu prazo no dia 7 de dezembro. O despejo da Ocupação dos Queixadas está marcado para o dia seguinte. 

O Projeto de Lei 827/2020 que também suspende despejos na pandemia, mas até o dia 31 de dezembro, foi aprovado pelo Congresso em 27 de setembro e deve ainda ser promulgado para ter força de lei.

 

Edição: Vinícius Segalla