Após dias de tensas negociações com as empresas alimentícias, o governo argentino fixou uma lista de 1.432 preços de produtos de um programa de tabelamento de preços. O governo do presidente Alberto Fernández determinou que os preços destes produtos deverão retornar para os valores do primeiro dia 1º outubro e deverão ficar iguais até 7 de janeiro de 2022.
Foram estipulados para a lista produtos de uma cesta básica ampliada, incluindo produtos de higiene pessoal, limpeza, alimentos e bebidas. Com 37% de inflação somente este ano, a Casa Rosada renova uma medida que tem como principal objetivo proteger a população da especulação de preços e garantir o acesso a produtos de consumo massivo no contexto da pandemia.
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Autor da medida, o Secretário do Comércio Interior, Roberto Feletti, pontuou que o congelamento de preços sobre determinados produtos faz-se necessário diante da aceleração de preços, que variou de 8% a 25% na primeira quinzena de outubro, principalmente sobre os alimentos.
A alta dos preços dos alimentos na Argentina aumentou a pobreza. Conforme levantado pelo jornal Tiempo Argentino, metade dos quase 6 milhões de trabalhadores registrados e assalariados no setor privado em julho (data do último relatório oficial do Índice de Salários) receberam um salário bruto inferior a $60.045 (R$ 3.183), quando a cesta básica total do período foi de $67.577 pesos (R$ 3.582). Em setembro, o valor da cesta básica total chegou a $70.532 (R$ 3.981).
A reação dos empresários
O setor empresarial e distribuidor resiste à medida, apesar da lista representar apenas 10% da oferta total dos produtos das grandes cadeias de supermercado. Em uma primeira fiscalização do cumprimento do tabelamento de preços em grandes cadeias de supermercados, o governo observou 70% de seguimento das regras, a qual consideram "razoavelmente positiva".
Diante da reação negativa do setor empresarial e sua reação na imprensa, foi realizada uma reunião entre todos os governadores das províncias argentinas e Alberto Fernández.
O Secretário do Comércio Interior, Roberto Feletti, afirmou em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (27) que considerou a reunião positiva:
"Houve uma clara compreensão do problema e da necessidade de sustentar medidas regulatórias", disse, em discurso direto onde também mencionou nomes de supermercados que não estariam cumprindo 100% do decreto, seja em oferta ou em preço: Chango Más (antigo Walmart), com a menor porcentagem de acatamento, seguido da cadeia Coto e a companhia internacional Día. O relatório foi uma conclusão da primeira supervisão realizada apenas na província e na cidade de Buenos Aires.
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"Consideramos como uma medida transitória, na qual manteremos o diálogo com as empresas e que, futuramente, devemos construir em um grande acordo nacional uma cesta básica ampla, regulada e de acesso massivo, porque somos um país produtor de alimentos, e não podemos estar sujeitos a esse tipo de tensões", disse Feletti.
Feletti também destacou que 46% dos produtos listados são oferecidos por apenas 18 empresas. O secretário manteve reuniões com representantes das cadeias de comercialização e abastecedores. O membro do governo afirma que grandes empresas do setor resistem à medida por buscarem "manter suas margens de 30% sobre o produto final".
A prefeita de Quilmes, Mayra Mendoza, afirmou em entrevista à rádio FutuRock nesta quarta-feira (27) que o congelamento de preços garante nada mais que o direito de acesso à alimentação. "Não significa sequer que as empresas deixarão de ter lucros. Não é isso que estamos pedindo. Enquanto as grandes cadeias não querem abrir mão de seus lucros extraordinários, há famílias que deixam de comer. Pedimos solidariedade e que cumpram com o estabelecido", declarou.
Posicionamentos
Representantes do setor comercial se manifestaram contra o decreto na última semana, quando a medida entrou em vigência, e afirmaram que um desabastecimento poderia ocorrer. O presidente da Câmara Argentina do Comércio e Serviços (CAC), Mario Grinman, defende que esse tipo de iniciativa "nunca funcionou".
"Quando o preço de reposição é mais alto que o da venda, o comerciante tira o produto da gôndola", afirmou, em entrevista ao La Nación. "Quando não tenha dinheiro para pagar impostos ou os salários, o que vai fazer?".
Já o setor sindical parte de uma premissa diferente ao argumentar que o congelamento de preços não funciona. Ricardo Peidro, secretário-geral da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA Autônoma) considera que a política de controle de preços deveria apontar para toda a cadeia produtiva.
"Os formadores de preços e os grupos econômicos maximizaram seus lucros enquanto a população, a classe trabalhadora, sofria as consequências", afirma Peidro.
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O sindicalista defende que é necessário uma participação muito mais ampla e inclusiva dos trabalhadores, de cooperativas e setores da economia popular, incluindo pequenas e médias empresas, na discussão dos preços. "De outro modo, será impossível controlar a inflação e recuperar o salário que viemos perdendo com os quatro anos do governo de Mauricio Macri e dois anos de pandemia", pontua.
Peidro afirma que a ameaça de desabastecimento feita pelo presidente Câmara Argentina do Comércio e Serviços na imprensa hegemônica mostra a resistência do setor à regulação.
"Estes grupos estão absolutamente inconformados com qualquer controle que se faça para regular suas políticas trabalhistas, sociais. Essa reação não é surpreendente. Por isso, devemos aprofundar a participação da democracia e incluir a participação de todos os setores para equilibrar essa relação de forças", avalia o secretário-geral da Central de Trabalhadores da Argentina.
Edição: Thales Schmidt