CPI da Covid

“É necessária mobilização para cobrar o impeachment”, diz Humberto Costa sobre relatório da CPI

Em entrevista, senador petista diz que relatório da CPI e crimes de responsabilidade não produzem impeachment sozinhos

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Senador do PT por Pernambuco foi titular na CPI e nega ter havido algum tipo de amenização no indiciamento de Jair Bolsonaro - Edílson Rodrigues/Agência Senado

Após quase seis meses de trabalhos, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, formada por 11 senadores titulares e sete suplentes, concluiu seus trabalhos na terça-feira (26), com a aprovação do relatório final.

O documento pede 81 indiciamentos, sendo 15 instituições e 66 pessoas – incluindo o presidente Jair Bolsonaro. Um dos integrantes titulares da comissão foi o senador pernambucano Humberto Costa, do Partido dos Trabalhadores (PT).

Em entrevista ao Brasil de Fato Pernambuco nesta quarta-feira (27), o senador nega ter havido acordos sobre tipificação criminal e rejeita a ideia de que mudanças de última hora tenham amenizado a situação de Bolsonaro.

Humberto diz acreditar que o procurador-geral da República, Augusto Aras (indicado ao cargo por Bolsonaro), vá sim dar prosseguimento às acusações; e aponta dificuldade para viabilizar o impeachment, reforçando a necessidade de pressão social nas ruas e instituições.

Brasil de Fato Pernambuco: Sobre o relatório da CPI, aprovado (por 7 votos a 4) na terça (26), houve nos últimos dias um debate sobre quais crimes deveriam ser imputados ao presidente Jair Bolsonaro, se homicídio qualificado, se crime contra a humanidade. O senador e relator Renan Calheiros (MDB/Alagoas) acabou removendo o crime de homicídio, além de substituir o genocídio contra indígenas pelo de crime contra a humanidade. Como o senhor avaliou essas decisões sobre a tipificação?

Humberto Costa: Não houve nenhum acordo. Quem tinha alguma imputação a receber contra si, recebeu. Quem foi indiciado, é porque deu razão para esse indiciamento acontecer. Esse relatório precisa ser extremamente preciso. Sabemos o quanto o governo e os aliados de Bolsonaro querem desmoralizar o relatório, fazer com que perca a credibilidade. Então tivemos que ser muito cuidadosos e precisos. Por isso, fizemos algumas mudanças.

Essa questão do homicídio exige uma individualização de cada caso, mas foi um morticínio em massa. Não tínhamos como individualizar as pessoas assassinadas pelo presidente. Então optamos por outro tipo penal – que tem uma pena até maior que a de homicídio –, que é o de epidemia com resultado em morte. Ele será acusado desse crime, que pode render uma pena de 15 a 30 anos de prisão.

A questão do genocídio entendemos que do ponto de vista da pandemia propriamente dita não daria para enquadrar no crime de genocídio estabelecido pelo Estatuto de Roma – já que queremos levar Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional (TPI) e acusá-lo de crimes contra a humanidade.

:: Pandemia é a principal causa de violações de direitos humanos no Brasil, diz relator da OEA ::

Alguns requisitos para classificar o crime dele como genocídio não eram preenchidos. Então utilizamos outra caracterização que tem penas semelhantes e que justifica um julgamento no TPI, que são os crimes contra a humanidade – por extermínio, por atos desumanos e perseguição a determinados povos.

Não houve tentativa de passar pano ou aliviar para Bolsonaro, mas de fazer algo mais preciso em termos jurídicos, para não dar possibilidade para o relatório ser desqualificado.

[O relatório da CPI da Covid acusa Jair Bolsonaro de ter cometido nove tipos diferentes de crimes. São eles: crime de epidemia com resultado de morte; infração a medidas sanitárias preventivas; emprego irregular de verba pública; incitação ao crime; falsificação de documentos particulares; charlatanismo; prevaricação; crimes contra a humanidade; e crime de responsabilidade].


Senadores da CPI entregaram relatório final ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco / Jefferson Rudy/Agência Senado

Houve críticas no sentido de que retirar o genocídio seria uma forma de tirar do holofote a questão indígena, pauta que incomoda outros grupos políticos além do bolsonarismo. Houve influência nesse sentido?

Não, de forma alguma. Na verdade, o que queremos é que seja feita em Haia [na Holanda] a comunicação que estamos fazendo. Inclusive já há duas comunicações por genocídio. Essa que estamos fazendo agora vai ajudar a caracterizar a questão do genocídio. Se tomarmos o conjunto da obra do governo Bolsonaro é possível caracterizar genocídio.

Temos aldeias indígenas que foram massacradas pela omissão do governo em garantir proteção. Tivemos invasão de terras indígenas protegidas e demarcadas. Esse governo não demarcou um único centímetro de terras indígenas desde que assumiu. Se somarmos os erros que o governo cometeu na pandemia, dá para caracterizar o crime de genocídio, mas apenas o que aconteceu na pandemia, não dá para caracterizar isso. Se queremos que Bolsonaro seja processado, temos que ser muito precisos.

Quanto à culpabilização internacional de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional (TPI - a Corte de Haia), existe alguma previsão sobre o encaminhamento dos documentos da CPI para abrir esse processo?

HC: Nós vamos fazer algumas reuniões para traçar esse cronograma. Nesta quarta (27) entregamos o relatório ao procurador-geral da República (PGR, Augusto Aras), ao presidente do Senado (Rodrigo Pacheco, do PSD), na próxima semana provavelmente vamos à São Paulo entregar o relatório à força-tarefa [da Polícia Federal] que está investigando o plano de saúde Prevent Sênior, vamos entregar às CPIs da Câmara Municipal de São Paulo e da Assembleia Legislativa de São Paulo, que estão também investigando a Prevent Sênior. Vamos ao Rio de Janeiro entregar ao Ministério Público Federal (MPF) sobre a situação dos hospitais federais daquele estado.

Também vamos ao Tribunal de Contas da União (TCU) e nossa pretensão é viajar a Genebra [na Suíça] para entregar o relatório ao alto comissariado de Direitos Humanos da ONU e ir a Washington [EUA] ou Costa Rica para entregar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. E vamos entregar também, muito provavelmente, ao Tribunal Penal Internacional (TPI, em Haia), então esses são os passos que pretendemos fazer ao longo dos próximos 30 ou 40 dias, que serão sem dúvida muito importantes para o trabalho que fizemos.

Após a última sessão da CPI o senhor avaliou que havia espaço até para mais indiciamentos. Quem seriam esses indivíduos ou organizações que caberiam na lista?

Acho que outros planos de saúde que também utilizaram esse “kit covid”, alguns outros integrantes do chamado “gabinete paralelo”, alguns ministros do governo – em especial os que trabalharam na força-tarefa de enfrentamento à pandemia. Mas acho que ficou de bom tamanho. [a CPI] É um grupo heterogêneo com muitas diferenças ideológicas e políticas. Acho que conseguimos cumprir com a expectativa que a população depositou no nosso trabalho.

Dos ministros e ex-ministros, quais o senhor diria que terá mais dificuldade para se defender?

Sem dúvida o ex-ministro [da Saúde, Eduardo] Pazuello. Vai ter tanta dificuldade quanto o presidente Bolsonaro para se defender das acusações.


Humberto Costa e o senador Randolfe Rodrigues (REDE do Amapá) acabaram reconhecidos como os dois melhores senadores do país, através de votação popular no prêmio Congresso em Foco / Edílson Rodrigues/Agência Senado

Senador, o Conselho Federal da OAB divulgou um parecer culpando por crime de genocídio também outras figuras que não foram buscadas pela CPI, como André Mendonça [candidato ao STF] e os ex-ministros Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta. Algo foi aproveitado para o relatório final da CPI?

Eu desconheço que a CPI tenha recebido esse relatório da OAB. Nós só poderíamos trabalhar questões diretamente relacionadas à temática do enfrentamento à pandemia. Ao que me consta, essas pessoas tiveram papeis secundários nos equívocos e erros que o governo cometeu no enfrentamento à pandemia. A CPI não poderia se transformar numa “Lava-Jato parlamentar”. Procuramos focar nossa ação, ir em cima daqueles que tiveram responsabilidade direta nessa tragédia que estamos enfrentando hoje. E acho que está de bom tamanho.

No trecho do relatório sobre disseminação de notícias falsas, envolvendo figuras proeminentes do mundo político e empresarial, além de canais de comunicação bolsonaristas e até canais oficiais (dinheiro público). O que a CPI pode fazer para punir esses canais? O indiciamento atinge os canais ou só indivíduos?

O indiciamento atinge os dois aspectos – os sites e blogs e principalmente seus responsáveis. Hoje temos no Brasil uma dificuldade por não existir uma legislação que trate essa temática de maneira adequada. Mas há esse debate na Câmara dos Deputados, a própria CPI apresentou uma proposta de regulamentação para essas redes sociais – que eu acho que vai ser incorporada à discussão que está sendo feita na Câmara –, a informação que temos é que a Câmara já está com um processo adiantado de elaboração dessa legislação. E a partir daí será mais fácil combater essas notícias falsas e o discurso de ódio nas redes, fazer aquilo que é necessário: preservar a liberdade de expressão, mas sem permitir o abuso.

Além do presidente Jair Bolsonaro, o relatório pede os indiciamentos de seus filhos Carlos e Eduardo Bolsonaro. Quais as chances de o procurador-geral Augusto Aras encaminhar isso para o STF? Existe o debate de pedir o impeachment de Aras caso ele não dê seguimento aos processos da CPI?

A nossa expectativa é de que o procurador Augusto Aras cumpra com o seu papel e sua responsabilidade. Ele é uma pessoa que tem uma carreira e trajetória altamente respeitada, acredito que ele não vá de forma alguma macular essa trajetória. Os atos que estamos apresentando à PGR são muito contundentes, provas fáticas e em grande quantidade. Não acredito que ele irá ignorar o relatório. De toda forma, se isso infelizmente acontecer, tenho certeza que a sociedade irá cobrar ao Supremo Tribunal Federal (STF) a realização de uma ação por parte do Supremo no sentido de que esses crimes não permaneçam impunes.

Desde 2019 vimos muita coisa acontecer, seja a respeito da pandemia ou ameaças aos demais poderes da República. Mas nada fez os pedidos de impeachment avançarem. Esse relatório da CPI – faltando apenas um ano da eleição – terá essa força? Existe caminho para a oposição viabilizar esse impeachment?

Na verdade o relatório da CPI vai ajudar. Estamos reunindo provas de mais crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente da República. Mas o que define a possibilidade ou não do impeachment não é a existência do crime de responsabilidade – é necessário que haja mobilização da sociedade para cobrar, por meio de manifestações, ações, denúncias, pressionando o próprio Congresso Nacional, em particular a Câmara dos Deputados.

É fundamental para o impeachment que haja uma maioria significativa disposta a votar a favor do impedimento, o que nesse momento é improvável, já que a base do governo na Câmara é muito forte. Mas eu creio que contribui para ampliar o clima de insatisfação com o governo que, em última instância, é o que pode levar a um processo de impeachment.

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga