Argentina

Milagro Sala: "Não entendemos por que nos escondem e não falam de nós"

A presa política argentina e líder da organização Tupac Amaru falou sobre a perseguição que ainda persiste em Jujuy

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"Enquanto esses mecanismos não forem desmontados, a direita continuará avançando",  afirma Milagro Sala sobre os casos de lawfare na região.
"Enquanto esses mecanismos não forem desmontados, a direita continuará avançando", afirma Milagro Sala sobre os casos de lawfare na região. - Wikimedia Commons

A presa política argentina e líder da organização Tupac Amaru, Milagro Sala, conversou com a Agência Paco Urondo e falou sobre a perseguição que ainda persiste na província de Jujuy.

"O plano de perseguição política contra nós tem a ver com o objetivo de disciplinar e governar com o chicote. Tanto Macri, em seu governo, quanto [o atual governador Gerardo] Morales em Jujuy continuam fazendo isso. Não se trata apenas de Milagro Sala, mas de todos aqueles que querem levantar a cabeça. O que nos preocupa é que, caso percamos as eleições, esse laboratório de perseguição política voltará a ser implantado em todo o país", denunciou a dirigente social. 

Agência Paco Urondo: Que dispositivo o governador Gerardo Morales usou para deter você e os outros presos políticos?

Milagro Sala: Quando ele assumiu o cargo em 10 de dezembro de 2019, toda a Justiça mudou. De cinco membros, o Superior Tribunal de Justiça passou a ter nove. Ele fez isso por meio de um projeto de lei aprovado pelo Legislativo. Três deputados que votaram a lei compuseram depois esse mesmo tribunal.

A partir desse momento, ele começou a promover o lawfare, caracterizado pela perseguição política de organizações sociais e setores políticos que se opunham ao seu governo. Até hoje, ele continua utilizando essas práticas. Tudo o que Mauricio Macri fez em seu governo para espionar e perseguir opositores políticos aqui em Jujuy continua acontecendo.

Infelizmente, não vemos ninguém no governo nacional que esteja lidando com essas questões preocupantes de nossa província. Esse laboratório de perseguição política foi implantado em Buenos Aires com Amado Boudou, com Julio De Vido, com Cristina Fernández de Kirchner, com Luis D´Elia.

Na sua opinião, por que esse processo de lawfare foi iniciado?

Durante o governo Macri, contraiu-se uma imensa dívida externa sem que se desse nenhuma explicação para isso. Todo esse mecanismo foi feito para perseguir aquelas pessoas que têm menos, as organizações que estavam na rua denunciando tudo o que estava por vir, organizações sociais que nasceram nos anos 90 expressando a miséria do povo.

O plano de perseguição política contra nós tem a ver com o objetivo de disciplinar e governar com o chicote. Tanto Macri, à época, quanto Morales, em Jujuy, continuam fazendo isso. Não se trata apenas de Milagro Sala, mas de todos aqueles que querem levantar a cabeça.

O que nos preocupa é que, caso percamos as eleições, esse laboratório de perseguição política voltará a ser implantado em todo o país. Também estão tentando promovê-lo no resto da América Latina, contra Evo Morales, Lula Da Silva e Rafael Correa.

No caso da Tupac, especificamente, a intenção é nos levar a julgamento em três processos. Eles continuam nos perseguindo. Há companheiras que já cumpriram as três partes da pena, mas Gerardo Morales não permite que sejam colocadas em liberdade condicional.

Para agir assim, eles têm muitos cúmplices no poder político, entre os demais juízes e entre deputados da província. Além disso, tem o presidente do Partido Justicialista de Jujuy, que tem negócios com o governador.

Como deveria ser a reforma judicial que precisa ser promovida na província?

É preciso promover uma reforma profunda a partir da Câmara dos Deputados, que seja endossada pelo Senado. O próprio Poder Executivo precisa promovê-la. Temos pedido a gritos que ela venha acompanhada por uma reforma comunicacional. A mídia conduz a condenação dos oponentes políticos, depois os juízes vêm e determinam as penas. É assim que essa perseguição funciona.

Queremos a Lei de Mídia Audiovisual e uma reforma judicial urgente para acabar com tanta perseguição política. Mas obviamente deve haver uma decisão política. Foi a política que nos prendeu. É a política que deve nos libertar.

O que aconteceu com todo o trabalho desenvolvido pela Tupac Amaru na província desde a posse de Gerardo Morales?

Infelizmente todo o nosso trabalho foi destruído. Grande parte dele começou a se deteriorar devido ao abandono. Outra grande parte foi vandalizada e saqueada. Os centros de saúde e creches estão abandonados e desocupados. Nosso estúdio de rádio e televisão foi ocupado pela polícia da província, é a infantaria onde realizam práticas e treinamentos.

Enfim, todos os nossos setores e espaços foram usurpados ou destruídos, com o único propósito de nos prejudicar. O parque aquático, que era o maior do noroeste argentino, também foi totalmente desmontado. Nossos trabalhos não estavam só em [na cidade de] San Salvador de Jujuy, mas também em outras onze localidades.

Construímos mais de oito mil casas em toda a província, centros poliesportivos, escolas de ensino fundamental e médio, centros de saúde para crianças com deficiência... Todo o nosso trabalho feito para o povo foi tristemente arrasado.

Como você vê a postura do governo nacional sobre a questão dos presos políticos?

Não vemos o poder político se manifestando em relação aos presos políticos. Na campanha anterior às PASO [as prévias das eleições], ninguém expressou seu posicionamento ou seu ponto de vista sobre os presos políticos. Não houve candidato que nos mencionasse. Não entendemos por que nos escondem e não falam de nós. Nós, presos políticos, existimos. Ninguém quer falar de nós, mas aqui estamos, resistindo.

Como você vê a situação da Frente de Todos depois das prévias das eleições?

Você vê muitas reuniões e discussões com os grandes empresários, quando, na verdade, é o povo que está mal. O povo se manifestou com os votos expressando a falta de emprego e a situação de miséria em que nos encontramos. É preciso trabalhar com o povo e suas necessidades. Os grandes empresários são os que mais se beneficiaram com a pandemia e, na verdade, sempre saem ganhando. Eles se acomodam em qualquer governo.

É preciso começar a redistribuir a riqueza para aqueles que têm menos. O povo está morrendo de fome. Uma cesta de mercadorias não é mais suficiente, o povo precisa de trabalho. Os votos expressaram que as coisas não estão sendo bem feitas. É preciso deixar de ter tantas reuniões com os empresários e começar a governar para o povo. No dia 17 de outubro, a população se manifestou nas ruas em massa, expressando seu apoio, mas pedindo que a dívida externa não seja paga com a fome do povo.

Como você vê o avanço da direita na América Latina?

A direita avança porque os setores políticos não estão fazendo as coisas direito. Isso vai continuar acontecendo enquanto os governos permitirem.

Na Bolívia, o governo de Luis Arce se posicionou e não permitiu mais. Quando assumiu o poder, avançou junto ao Supremo Tribunal Federal, libertou os presos políticos, começou a investigar os empréstimos contraídos por Yeanine Añez e governou e governa dando o exemplo.

Aqui na Argentina algo semelhante deveria ser feito. O avanço da direita e do neoliberalismo precisa ser interrompido. Os mesmos juízes que estavam com Macri continuam lá. Enquanto esses mecanismos não forem desmontados, a direita continuará avançando.

Em plena pandemia, a direita saiu para se mobilizar e isso foi permitido passivamente. Não há ninguém preso. A cumplicidade com o golpe na Bolívia por parte do governo anterior também não é julgada. Aqueles que contraíram a dívida externa e esvaziaram o país devem pagar pelo que fizeram.